sexta-feira, 30 de maio de 2008

A RELAÇÃO ESPÍRITO – CORPO

O problema da relação entre a matéria e o pensamento entre o corpo e o espírito, entre o cérebro e a consciência, é uma fonte de perplexidade e um tema de controvérsia tipicamente filosófico. Várias respostas foram propostas, ainda que nenhuma provoque necessariamente maior adesão.
Entre os seres, uns parecem providos de espírito, outros não. Os cinzeiros, as bolas de neve, os ramos de salsa pertencem, inegavelmente, à segunda categoria. Os seres humanos, os símios, as chinchilas pertencem, inegavelmente, à primeira categoria. Esta distinção permite esclarecer a noção de espírito, que apenas remete para alguns tipos de actividade mental. Todo o ser que experimente algo do “interior” e a quem podemos razoavelmente atribuir propriedades mentais é dotado de espírito.
O ponto de partida do problema poderá ser o seguinte. Por um lado, o corpo e o espírito estão em estreita relação – um, exerce uma influência considerável sobre o outro. Por outro lado, parece possível imaginá-los funcionando autonomamente, independentemente um do outro.
A primeira afirmação, que sublinha a existência de interacções entre o corpo e o espírito, parece incontestável. Basta decidir esticar o braço esquerdo para que o meu braço esquerdo se estique. O mesmo acontece se eu decidir pôr a língua de fora ou voltar a cabeça. Reciprocamente, o meu corpo também influencia o meu espírito. Basta que bata com o dedo do pé numa porta para que sinta uma dor.
Tudo se passa como se o espírito condicionasse certos movimentos do corpo, e como se aquilo que acontece ao corpo pudesse condicionar certos estados ou acontecimentos mentais.
A segunda afirmação, que sublinha que o espírito e o corpo poderão funcionar um sem o outro, como duas realidades bem distintas, baseia-se em vários indícios. A crença numa existência autónoma do espírito funda-se no facto de que não é difícil imaginar que existimos no corpo de outro qualquer, ou sem corpo. Quanto à crença numa existência autónoma do corpo, ela baseia-se na hipótese do homem-zombie: um autómato humano sem a mais pequena das consciências não é inconcebível. Uma criatura desse género não experimentaria nada de “interior”, tal qual acontece como uma torradeira ou um qualquer brinquedo.
No entanto, se não é difícil imaginar com que se parecerá num corpo sem espírito – um elevador, um legume, um calhau -, o mesmo já não podemos dizer a propósito de um espírito sem corpo. Afinal, poder imaginar uma situação não é suficiente para que possamos afirmar que essa situação é possível.
Mas se parece natural aceitar que existem estas correspondências entre o espírito e o corpo via cérebro, já o mesmo não acontece se postularmos uma identidade estrita entre o cérebro e o espírito. Se a=b, então tudo o que é verdadeiro para a é verdadeiro para b. Dito de outro modo, se meu espírito=meu cérebro, então tudo o que pode ser dito do meu espírito poderá ser igualmente dito do meu cérebro. E isto não é o que se passa neste caso. O meu cérebro é, por natureza, objectivo, é um órgão, ou seja, um corpo localizado no espaço e no tempo. O meu espírito é, por natureza, subjectivo, não é um órgão, mas um ponto de vista. Se o meu cérebro fosse idêntico ao meu espírito, o que é objectivo seria subjectivo, o que constitui uma contradição nos termos. Defender que o cérebro é idêntico ao espírito significa acreditar que um livro é idêntico ao facto de lê-lo, o que parece absurdo.
Em conclusão, podemos afirmar, que o espírito, se é que posso dizê-lo, é entregue ao corpo e só dele depende. Todavia, não se reduz a isso.
FERRET, Stéphane, Aprender com as Coisas – uma iniciação à filosofia, 1ª edição, 2007. Lisboa: Edições Asa, pp. 70-75

2 comentários:

Anónimo disse...

Recebeu os jornais? Iam lá os indereços electrónicos. Não recebi mail.
Bom trabalho.
Isa

Hermes disse...

Já recebi e já enviei duas vezes um e-mail par o gmail. Não sei o que se passa. Daqui a bocado vou enviar o mesmo mail para os seus três e-mails. Depois diga se recebeu.
António Paulo