segunda-feira, 30 de novembro de 2009

ÉTICA E LIVRE - ARBÍTRIO iii


Avaliar as pessoas como boas ou más.Poderemos continuar a considerar as pessoas boas ou más se elas não tiverem livre-arbítrio? Pode parecer surpreendente que diga isto, mas não vejo razão para pensar que não. Mesmo que não tenham livre-arbítrio, as pessoas não deixarão de ter virtudes e vícios. Continuarão a ser corajosas ou cobardes, benevolentes ou cruéis, generosas ou gananciosas. Um assassino não deixará de ser um assassino - e continuará a ser mau ser um assasssino. Obviamente, pode ser possível explicar as más acções de uma pessoa como resultado dos seus genes, da sua história ou da química do seu cérebro. Isto pode levar-nos a ver essa pessoa como alguém que teve azar nas circunstâncias que a fizeram tornar-se naquilo que é. Porém, isto não significa que ela não seja má. Precisamos de distinguir a) a questão de saber se alguém é má pessoa de b) a questão de saber como alguém se tornou má pessoa. Uma explicação causal do carácter de uma pessoa não implica que ela não seja má. Mostra apenas como ela se tornou má.
(...) Eric Rudolph foi acusado pelo FBI de ter realizado um atentado à bomba a uma clínica de aborto, no qual um polícia morreu e uma enfermeira ficou terrivelmente ferida. A história da vida de Rudolph fornece amplas provas de que ele não foi responsável por se ter tornado assim. Conhecendo o seu passado, podemos acabar por considerar que ele apenas teve o azar de ter tido uma vida infortunada. Como se costuma dizer, graças a Deus que não somos assim. Contudo, podemos continuar a pensar que Rudolph é um homem mau, já que, afinal ele é um assassino. Ele dispôs-se deliberadamente a maltratar pessoas inocentes. Agora, no entanto, compreendemos melhor o que o fez ficar assim.

Problemas da Filosofia, James Rachels -Gradiva, (Colecção Filosofia Aberta, pp. 199-200)

domingo, 29 de novembro de 2009

ÉTICA E LIVRE - ARBÍTRIO ii



Deliberar sobre o que é melhor. Para começar, podemos pôr de parte a ideia de que somos «simples robôs» se não temos livre-arbítrio. Não somos nada como robôs. Temos pensamentos, intenções e emoções. Sentimos felicidade e infelicidade. Amamos os nossos filhos e, se tivermos sorte, eles também nos amam. Dá-nos prazer ir ao cinema, jogar futebol e ouvir Mozart. Os robôs não são assim. A nossa capacidade de ter estas experiências e actividades não depende do livre-arbítrio. Mesmo que o nosso comportamento esteja completamente determinado, tudo isto continuará a ser verdade.
Também somos diferentes dos rôbos noutros aspectos: temos frequentemente razões para o que fazemos, e isto não deixará de ser assim se não tivermos livre-arbítrio. Desde que tenhamos crenças e desejos, e o nosso comportamento esteja conectado com eles, continuaremos a ser capazes de agir racionalmente. Continuaremos a perseguir os nossos objectivos como sempre. Obviamente, o sentido em que os nossos objectivos são «nossos» terá sofrido uma mudança subtil. Não poderemos já concebê-los como algo que escolhemos livremente. Vê-lo-emos antes como objectivos que resultam da nossa constituição, do que acontece no nosso cérebro e da influência do nosso ambiente. Mas o que interessará isso? Os nossos objectivos continuarão a ser os nossos objectivos e ainda nos importaremos com eles.
Sugere-se por vezes que a negação do livre-arbítrio condiziria a uma atitude fatalista em relação ao futuro: não faria sentido esforçarmo-nos por mudar as coisas. Ma é óbvio que isto não se
segue da negação do livre-arbítrio. O futuro depende do que fazemos e, se queremos um certo tipo de futuro, temos boas razões para fazer o que é necessário para lhe dar origem. Suponha-se que queremos que as crianças doentes da Nigéria tenham cuidados médicos de que precisam e que, por essa razão, contribuímos para esforços humanitários. Ajudamos a mudar o futuro. E isso faz seguramente sentido - sem a ajuda, as crianças ficariam pior. Uma vez mais, a presença ou ausência do livre-arbítrio não faz diferença.
Poderemos deliberar acerca do que fazer se não acreditarmos que temos livre-arbítrio? Alguns filósofos defenderam que, se acreditamos que não somos livres, não faz sentido «deliberar». Afinal, deliberar significa tentar decidir, o esforço de decidir parece pressupor que podemos fazer coisas diferentes. Este raciocínio parece plausível. Mas o que fazemos realmente quando deliberamos? Pensamos sobretudo naquilo que queremos e no modo como diversas acções conduziriam a resultados diferentes. Pensamos nas crianças da Nigéria, no que é estar doente e não dispor de ajuda, no modo como o nosso dinheiro poderia satisfazer as suas necessidades e assim por diante. Podemos pensar também noutras coisas que poderemos fazer com o dinheiro. Na ideia de que não tenho livre-arbítrio, nada há que me impeça de continuar a ponderar desta forma.
Logo, a negação do livre-arbítrio não implica o fim da ética. Podemos continuar a considerar que certas coisas são boas e que outras são más - mesmo que ninguém tenha livre - arbítrio, não deixa de ser melhor que as crianças da Nigéria não morram. Além disso, podemos continuar a avaliar as acções em função dos melhores ou piores resultados que produzem. Mesmo que não tenhamos livre-arbítrio, não deixará de ser bom contribuir para esforços humanitários.

Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva - (Colecção Filosofia Aberta, pp 196-8)

sábado, 28 de novembro de 2009

ÉTICA E LIVRE - ARBÍTRIO


Muitos filósofos e teólogos vêem uma crise nas implicações deterministas da ciência moderna. A nossa liberdade, dizem, é essencial à nossas dignidade como seres morais. Separa-nos dos animais. Se começamos a conceber-nos como simples robôts, arrastados por forças impessoais, perdemos a nossa humanidade.
Porém, antes de cedermos a estes receios, temos de perguntar pelas verdadeiras implicações do determinismo. As questões mais preocupantes estão relacionadas com a ética. Se não temos livre-arbítrio, seremos ainda agentes morais responsáveis? A ética não perderá a sua razão de ser? Mas talvez a perda do livre-arbítrio não seja assim tão perturbante. Nesse caso, não teremos razões para a recear, nem necessidade de conceber defesas do livre-arbítrio.

Problemas da Filosofia, James Rachels - Gradiva, (Colecção Filosofia Aberta - pp 196 -7)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A RESPOSTA COMPATIBILISTA iii



O problema com o Compatibilismo. Na opinião da maior parte dos filósofos de hoje, o Compatibilismo tem as melhores hipóteses de salvar o livre-arbítrio e de proteger a noção de responsabilidade moral do ataque do determinismo. Contudo, o compatibilismo tem um problema grave. O compatibilismo afirma que somos livres se as acções decorrem do nosso carácter e dos nossos desejos não manipulados. O problema é que, em última análise, o nosso carácter e os nossos desejos são causados por forças que não controlamos. Este facto é suficiente para colocar em dúvida a nossa «liberdade». Peter van Inwagen exprime assim esta ideia:
Se o determinismo é verdadeiro, então as nossas acções são consequências das leis da natureza e de acontecimentos que ocorreram num passado remoto. Mas tanto as leis da natureza como aquilo que aconteceu antes de termos nascido não depende de nós. Logo, as consequências destas coisas (incluindo os actos que realizamos agora) não dependen de nós.
Os compatibilistas concordam que o carácter e os desejos que temos agora não dependem de nós. Esta concessão parece constituir uma derrota. Pelo menos, é suficiente para que as pessoas reflexivas se sintam desconfortáveis, mesmo que a análise compatibilista nos permita continuar a dizer que somos livres.
Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva, Colecção Filosofia Aberta - ( pp 195-6)

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A RESPOSTA COMPATIBILISTA ii



O Livre-arbítrio implica o Determinismo. Será que o Compatibilismo é uma teoria viável? O argumento básico a seu favor é o que se segue.
Toda a preocupação com o livre-arbítrio começa com a ideia de que se uma acção é causada, então não pode ser livre. Sem este pressuposto, o problema do livre-arbítrio não se coloca. A questão, então, é a de saber se este pressuposto é verdadeiro.
Se o pressuposto fosse verdadeiro, então, para que fosse livre, um acto teria de ser não causado. Mas pensemos no que isso significaria. Como seria um qualquer acontecimento ser não causado? Imagine-se que as bolas de bilhar deixavam de obedecer às leis causais. O movimento tornar-se-ia imprevisível, mas apenas porque elas seriam aleatórias e caóticas. Poderiam fazer ângulos estranhos, saltar ou parar subitamente. Quando fossem atingidas pela bola branca, poderiam ficar paradas, explodir ou transformar-se em gelo. Tudo poderia acontecer.
Do mesmo modo, se as acções de uma pessoa se desligassem subitamente da rede de causas e efeitos, tornar-se-iam aleatórias, caóticas e imprevisíveis. Um homem que estivesse num passeio poderia saltar para a estrada em vez de esperar pela luz verde. Ou poderia tirar a roupa, atacar a pessoa mais próxima, saltar repetidamente ou recitar a Magna Carta. As coisas seriam assim se o comportamento fosse não causado, mas não é isto que entendemos por «livre». Não pensamos que quem começasse a comportar-se dessa forma teria adquirido subitamente livre-arbítrio – pensamos que teria enlouquecido. As acções livres não são aleatórias e caóticas; são ordenadas e ponderadas.
Podemos dar mais um passo nesta linha de pensamento. O livre-arbítrio não é meramente compatível com o Determinismo: O livre-arbítrio exige o Determinismo. Num mundo aleatório e caótico, ninguém seria livre; mas num mundo que opera de forma ordenada, segundo leis causais, as acções livres e racionais são possíveis, pois nesse mundo aquilo que a pessoa fizer será controlado pelo seu carácter e pelos seus desejos.
No entanto, as acções das pessoas seriam previsíveis no mundo causalmente determinado. Isto não derruba a noção de que seriam livres?
Como é óbvio, as acções das pessoas são frequentemente previsíveis, apesar do que dissemos sobre as recusas maliciosas de agir em conformidade com as expectativas. Se conhecemos uma pessoa suficientemente bem, muitas vezes conseguimos dizer de antemão que tipo de escolhas irá ela fazer. Tenho uma amiga que vê muitos filmes e sei exactamente de que tipo de filmes ela gosta. Há anos que observo o seu hábito de ir ao cinema. Se a minha amiga está a escolher um filme para ver esta noite e eu sei que filmes estão em exibição, posso prever razoavelmente bem qual deles irá ela escolher.
Mas será que o facto de eu conseguir prever a sua escolha significa que ela não é livre? de forma alguma – ela consulta a lista de filmes n jornal, pensa sobre o que quer ver e decide em função disso. Ninguém lhe está a apontar uma arma à cabeça. Ninguém implantou um dispositivo de controlo remoto no seu cérebro. Assim, ela escolhe «de livre vontade». O facto de eu, conhecendo-a como conheço, conseguir prever as suas escolhas nada altera. Na verdade, algo estaria errado se eu não conseguisse prever que ela vai preferir Os Despojos do Dia a Mcquade, o Lobo Solitário.

Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva - (Colecção Filosofia Aberta, pp 194-5)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A RESPOSTA COMPATIBILISTA





O Compatibilismo é a ideia de que um acto pode ser simultaneamente livre e determinado. Isto pode parecer uma contradição, mas, segundo esta teoria, isso não é verdade. Contrariamente ao que possamos pensar, é possível aceitar que o comportamento humano está causalmente determinado e pensar correctamente em nós próprios como agentes livres.
Entre os filósofos, o Compatibilismo é de longe a teoria do livre-arbítrio mais popular. De uma forma ou de outra foi a teoria de Hobbes, Hume, Kant e Mill, e é defendida hoje pela maior parte dos autores que escrevem sobre o assunto. Isto costuma surpreender as pessoas que não estão familiarizadas com a literatura filosófica, dado que o livre-arbítrio e o Determinismo parecem obviamente incompatíveis. De que modo são supostamente consistentes entre si? Como pode um acto ser livre e estar determinado ao mesmo tempo?
Segundo o Compatibilismo, algumas das acções são obviamente livres e algumas são obviamente não livres. O que interessa é encontrar a diferença entre elas.
Eis alguns exemplos de acções que não são livres:

Entregamos a carteira porque um assaltante nos aponta uma arma à cabeça.
Vamos ao piquenique da empresa porque o patrão nos disse que tínhamos de ir.
Apresentamo-nos para a incorporação no exército porque fomos convocados e mandar-nos-ão para a prisão se não nos apresentarmos.
Nestes casos, não estamos a agir livremente, porque fomos forçados a fazer aquilo que não queríamos fazer.

Estes, pelo contrário, são casos em que agimos livremente:

Contribuímos com dinheiro para uma organização de beneficência porque decidimos que essa organização merece o nosso apoio.
Incitamos a nossa empresa a patrocinar um piquenique porque pensamos que isso seria muito bom para os empregados. Ficamos satisfeitos com o assentimento do patrão e ajudamos voluntariamente a organizar o evento. No dia do piquenique, chegamos mais cedo por estarmos tão excitados.
Alistamo-nos no exército porque a perspectiva de ser soldado nos atrai. Pensamos que essa seria uma boa carreira.
Estas acções são livres porque a nossa escolha se baseia nos nossos próprios desejos, sem que ninguém nos diga o que temos de fazer. É isto que significa fazer algo, «de livre vontade». Mas repare-se que isto é perfeitamente compatível com as nossas acções estarem causalmente determinadas pelo nosso passado, pelos acontecimentos que ocorrem no nosso cérebro e assim por diante – é mesmo compatível com os nossos desejos serem causados por factores que não controlamos. Deste modo, o livre-arbítrio e o Determinismo são compatíveis.
Podemos resumir a ideia básica do Compatibilismo dizendo que «livre» não significa «não causado» - significa antes algo como «isento de coerção». Assim, o facto de o nosso comportamento ser ou não ser livre não depende de se é ou não causado, depende apenas do modo como é causado.

Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva – (Colecção Filosofia Aberta, pp 192-3)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A RESPOSTA LIBERTISTA v


Será que o libertismo é coerente? Por fim podemos examinar o problema de saber se o Libertismo faz algum sentido enquanto perspectiva positiva sobre o comportamento humano. Para compreender o nosso comportamento, não basta negar que as nossas acções estão determinadas. Precisamos também de uma perspectiva positiva acerca da forma como tomamos decisões.
Se as nossas acções não estão determinadas causalmente, como surgirão supostamente? O que produzirá ao certo as nossas decisões? Podemos imaginar que há, dentro de cada um de nós, uma espécie de «ser mental» cujas decisões não estão constrangidas pelas leis causais - um controlador fantasmagórico que faz escolhas independentemente daquilo que ocorre no cérebro. Mas isto não é credível. Vai contra o que a ciência nos diz sobre o funcionamento das coisas. Não há provas de qualquer tipo da existência de uma «energia mental» que actue dentro de nós, desligada da operação do nosso sistema neurológico. E, mesmo pondo de parte a ciência, esta especulação parece não passar de um conto de fadas.
No entanto, se não devemos supor que há dentro de nós uma entidade mental desconectada a controlar as coisas, o que haveremos de pensar? Que uma parte do cérebro opera à margem da rede causal do mundo? isto parece uma tolice, mas é difícil pensar em algo melhor. Parece que não dispomos de uma perspectiva plausível que dê sentido à «liberdade» dos libertistas. Na ausência de tal perspectiva, temos de procurar noutro lugar uma solução para o problema do livre-arbítrio.

Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva (Colecção - Filosofia Aberta, pp. 191-2)

domingo, 22 de novembro de 2009

A RESPOSTA LIBERTISTA iv


O argumento da responsabilidade. O pressuposto de que temos livre-arbítrio está profundamente enraizado nas nossas formas habituais de pensar. Ao reagir a outras pessoas, não conseguimos deixar de as ver como autoras das suas acções Consideramo-las responsáveis, censurando-as caso se tenham comportado mal e admirando-as caso se tenham comportado bem. Para que estas reacções estejam justificadas, parece necessário que as pessoas tenham livre –arbítrio.
Outros sentimentos humanos importantes, como o orgulho e a vergonha, também pressupõem o livre-arbítrio. Alguém que conquista uma vitória ou tem sucesso num exame pode sentir-se orgulhoso, enquanto alguém que desiste ou faz batota pode sentir-se envergonhado. Porém, se as nossas acções se devem sempre a factores que não controlamos, os sentimentos de orgulho e de vaidade são infundados. Estes sentimentos são uma parte inescapável da vida humana. Assim, uma vez mais, parece inescapável que nos concebamos como livres.
Podemos, portanto, raciocinar desta forma:
1. Não conseguimos deixar de admirar ou de censurar as pessoas pelo que fazem, nem conseguimos deixar de, por vezes, sentir orgulho ou vergonha pelo que fazemos.
2. Estas reacções – admiração, censura, orgulho e vergonha – não seriam apropriadas se as pessoas não tivessem livre-arbítrio.
3. Logo, temos de acreditar que as pessoas têm livre-arbítrio.
4. Dado que temos de ter essa crença, temo-la de facto: as pessoas têm livre-arbítrio.

Este é um exemplo daquilo que Immanuel Kant (1724-1804) designou por «argumento transcendental». Kant, que muitos consideram o maior dos filósofos modernos, observou que não conseguimos deixar de acreditar em certas coisas. Sendo assim, não conseguimos deixar de acreditar também naquilo que é necessário para que essas crenças sejam verdadeiras. Suponha-se que não conseguimos deixar de acreditar que X. Mas X pressupõe Y. Logo, disse Kant, não temos escolha: temos de presumir que é verdade que Y.
O problema dos argumentos deste tipo é óbvio. As crenças originais podem ser falsas, ainda que sejam psicologicamente inescapáveis. Se soubéssemos que as crenças originais são verdadeira – que as pessoas são censuráveis e que o orgulho é justificado - , poderíamos concluir que tudo o que essas crenças implicam também é verdade. Contudo, se não sabemos se as crenças são verdadeiras, não podemos extrair justificadamente quaisquer conclusões a partir delas. Não podemos concluir que temos livre-arbítrio a partir do simples facto de o livre-arbítrio ser implicado por crenças que temos, mas que não constituem conhecimento.

Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva - (Colecção Filosofia Aberta - pp.189 -191)

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

A RESPOSTA LIBERTISTA iii


O argumento de que não podemos prever as nossas próprias decisões. Um tipo de argumento diferente a favor do Libertismo baseia-se na ideia de que tudo o que está causalmente determinado é previsível, pelo menos em princípio. Como é óbvio, algo pode estar determinado mas não ser previsível na prática em virtude de não termos conhecimento suficiente. A árvore que vejo da janela está cada vez mais inclinada e mais tarde ou mais cedo vai cair. Não posso prever quando ocorrerá a queda, pois não sei o suficiente, por exemplo, sobre a árvore, o solo ou a quantidade de chuva que teremos nos próximos dias. Mas se soubesse todas essas coisas e compreendesse perfeitamente as Leis da Natureza, poderia presumivelmente prever quando irá cair a árvore.
Se as acções humanas estão causalmente determinadas, então deve ser possível, em princípio, prevê-las da mesma forma. Precisamos apenas de conhecer os factos pertinentes sobre a pessoa, as suas circunstâncias e as leis causais relevantes.
Mas há aqui um problema. Isto parece plausível apenas se estivermos a prever o comportamento de outra pessoa. Suponha-se que o nosso amigo, João, está a decidir se há-de aceitar um emprego noutra cidade. Se tivermos informação suficiente sobre ele – sobre os acontecimentos que ocorrem no seu cérebro, entre outras coisas -, poderemos ser capazes de prever qual será a sua decisão e quando irá tomá-la. Poderemos dizer, por exemplo, que amanhã às 22:07 João irá decidir aceitar o emprego. Deste modo, saberíamos o que João iria fazer antes de ele ter agido. Até aqui tudo bem.
No entanto, as coisas são diferentes quando se trata de prever as nossas próprias decisões. Suponha que é a pessoas que está a tentar decidir se há-de aceitar o emprego fora da cidade. Se possuir toda a informação relevante sobre si próprio, será capaz de prever o que irá decidir? Conseguirá prever que irá continuar a deliberar até amanhã às 22:07, altura em que irá decidir aceitar o emprego? Esta é uma ideia estranha. Para começar, se souber à partida o que vai decidir, as suas deliberações podem terminar já. Por que razão há-de continuar a pensar se já sabe o que vai fazer? Mas, nesse caso, a previsão de que vai continuar a deliberar será falsa. Além disso, o leitor pode ser uma pessoa maliciosa que detesta ser previsível. Assim, seja qual for a conclusão atingida acerca do seu comportamento futuro, poderá fazer o contrário apenas para provar a falsidade da previsão. A previsão, poderemos dizer, derrota-se a si mesma. Isto parece mostrar que há uma grande diferença entre prever o comportamento humano e prever outros acontecimentos do mundo físico.
Podemos resumir o argumento desta maneira:
1. Se o comportamento humano está causalmente determinado, então é previsível em princípio.
2. Mas uma previsão sobre o que alguém irá fazer pode ser contrariada se a pessoa cujo o comportamento está a ser previsto souber qual é a previsão e escolher agir de outra forma.
3. Logo, nem todas as acções humanas são previsíveis em princípio.
4. E, por isso, nem todas as acções humanas estão causalmente determinadas.
Este é um argumento inteligente, mas será sólido? Há vários problemas nele. A primeira coisa que podemos observar é que as pessoas por vezes prevêem as suas próprias decisões, sem que por isso as impeça de continuar a deliberar. Isto está sempre a acontecer. Podemos prever correctamente que vamos acabar por recusar o emprego por não ser especialmente atraente, sabendo do que já recusámos empregos melhores fora da cidade. Apesar de sabermos isto, podemos continuar a ponderar a oferta.
No entanto, é verdade que uma previsão introduz um novo elemento na situação e as pessoas podem reagir-lhe. Mas isto não significa que o resultado não esteja determinado. Precisamos apenas de esclarecer o que significa «previsível» neste contexto. Devemos distinguir dois tipos de previsibilidade:
a) Previsível por um hipotético observador ideal que permanece fora do sistema e observa os acontecimentos, mas não interfere neles.
b) Previsível pelos seres humanos no mundo real.
O determinismo implica a previsibilidade no sentido a), mas não no sentido b). Com isto em mente, consideremos o caso em que prevejo que uma pessoa irá fazer algo e ela faz o oposto só para me contrariar. A minha previsão pode revelar-se errada. Ainda assim, um observador ideal poderia saber exactamente o que ia acontecer, incluindo a minha previsão e a resposta maliciosa dessa pessoa.
Este argumento, então, não prova que o nosso comportamento não esteja determinado. Mas há mais um argumento para apreciar.

Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva - (Colecção Filosofia Aberta, pp. 186-9)

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

A RESPOSTA LIBERTISTA ii


O argumento de que o universo não é um sistema determinista. O Determinismo, poder-se-á dizer, não está de acordo com a ciência actual. No apogeu da física newtoniana, pensava-se que o universo operava estritamente segundo leis causais. Acreditava-se que as leis da Natureza eram leis causais. Acreditava-se que as Leis da Natureza eram leis causais que especificavam as condições em que um estado de coisas tinha de esse seguir a outro – o movimento das bolas numa mesa de bilhar era um modelo para o universo inteiro. Porém, a física newtoniana foi substituída por uma imagem diferente do funcionamento do universo.
Segundo a mecânica quântica, uma pedra angular da física actual, as regras que governam o comportamento das partículas sub-atómicas são irredutivelmente probabilísticas. As leis da teoria quântica não nos dizem «Dado X, Y tem de se seguir»; dizem-nos antes. «Dado X, há uma certa probabilidade de Y se seguir» Assim, as Leis da Natureza podem dizer-nos que, em certas condições, uma certa percentagem de átomos radioactivos irá decair, mas não nos dizem que átomos irão decair. O facto de que uma certa percentagem vai decair pode estar determinado, mas o facto de que um acto particular via decair não está determinado.
Alguns cientistas acreditam, por razões filosóficas, que a teoria quântica tem de acabar por ser suplantada por uma teoria diferente, ainda desconhecida, que seja determinista. Consideram repugnante a ideia de que o universo opera segundo princípios de acaso. Einstein, que fez a célebre afirmação «Deus não joga aos dados com o universo», foi um desses cientistas. No entanto não se entrevê nenhuma nova teoria e, tanto quanto sabemos, a teoria quântica está aí para ficar.
Significará isto que não precisamos de nos preocupar com o Determinismo? Por vezes saúda-se a teoria quântica como uma boa notícia para o livre – arbítrio. Se nem tudo está causalmente determinado, diz-se, então afinal podemos ser livres, já que as nossas acções podem contar-se entre aquilo que não está determinado.
No entanto, a física quântica na verdade não ajuda muito a defender o livre-arbítrio. Afinal as implicações da indeterminação quântica para o comportamento humano são tão reduzidas que, na prática, não fazem a menor diferença. Comparemo-las com as implicações da teoria quântica para os computadores. Os outputs de um computador são determinados pelos seus inputs e pelo seu programa. A mecânica quântica não implica que devemos deixar de confiar nos computadores – as operações de um computador, mesmo que não estejam completamente determinadas, estão suficientemente perto disso para que não haja diferença. Continuamos a obter os outputs esperados, dados os inputs correctos e o programa correcto. Poder-se-á dizer algo semelhante dos seres humanos, o que será suficiente para o Argumento Determinista.

Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva - (Colecção Filosofia Aberta, pp 185 - 6)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

A RESPOSTA LIBERTISTA


O Libertismo é a perspectiva de que pelo menos algumas das nossas acções são livres porque, na verdade, não estão causalmente determinadas. Segundo esta teoria, as escolhas humanas não estão constrangidas da mesma forma que outros acontecimentos do mundo. Uma bola de bilhar, quando é atingida por outra bola de bilhar, tem de se mover numa certa direcção a uma certa velocidade. Não tem escolha. As leis causais determinam rigorosamente o que irá acontecer. Contudo, uma decisão humana não é assim. Neste preciso momento, o leitor pode decidir continuar a ler ou parar de ler. Pode fazer qualquer uma destas coisas e nada o faz escolher uma delas. As leis causais não têm poder sobre si
Isto não é muito plausível. Ainda assim, esta forma de pensar foi defendida por diversos filósofos e propuseram-se vários argumentos a seu favor.

O argumento da experiência.
Podemos começar com a ideia de que sabemos que somos livres porque cada um de nós apercebe-se imediatamente de ser livre cada vez que faz uma escolha consciente. Pense novamente no que está a fazer neste momento: ler uma página que está diante de si. Pode continuar a ler ou parar de ler. O que irá fazer? Pense na sensação que tem agora, enquanto pondera estas opções. Não sente constrangimentos. Nada o impede de seguir numa direcção nem o força a fazê-lo. A decisão é sua. A experiência de liberdade, poder-se-á dizer, é a melhor prova que podemos ter.
Isto pode não parecer muito um argumento, dado que a sua «sensação de ser livre» pode ser uma ilusão. Talvez se sinta livre apenas porque não está consciente das forças causais em acção. Ainda assim, considere o seguinte: antes de rejeitarmos uma crença em que temos uma grande confiança, devemos dispor de provas da sua falsidade em que tenhamos ainda mais confiança. E podemos ter uma confiança na nossa experiência de liberdade maior do que a que poderemos ter em quaisquer argumentos contra o livre-arbítrio.
Na sua discussão com Boswell, Samuel Johnson avançou esta ideia quando disse: «Estás mais certo de poder levantar o teu dedo como te apetecer do que de qualquer conclusão de uma dedução ou raciocínio. (…) Toda a teoria está contra o livre-arbítrio; toda a experiência está a seu favor.» E a experiência, pensava o Dr. Johnson, é mais certa do que meras teorias.
Aqui a ideia geral pode ser inatacável. Quando temos experiência directa de uma coisa, devemos querer provas muito fortes antes de deixarmos de acreditar nela. No entanto, o problema é que as provas contra o livre-arbítrio tendem a destruir a confiança na nossa experiência. José Delegado descobriu que podia levar as pessoas a fazer coisas estimulando electricamente o seu cérebro, como olhar por cima do seu ombro, e que depois elas davam razões para o que tinham feito, como «Estava à procura da minha almofada». Os pacientes de Delegado, que não sabiam que o seu cérebro estava a ser estimulado, tinham experiência de que os seus movimentos eram voluntários. Talvez sejamos como eles. Que diferença existirá entre nós e eles, a não ser o facto de sabermos qual é, no contexto experimental, o acontecimento electroquímico que causa a acção, enquanto na vida quotidiana ignoramos o que está a acontecer no nosso cérebro? Perante estas provas, não faz sentido insistir com o Dr. Johnson que pura e simplesmente sabemos que somos livres. É preciso um argumento melhor para defender a liberdade.

Problemas da Filosofia, James Rachels - Gradiva, (Colecção Filosofia Aberta, 2009, pp 183-5)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O DEBATE SOBRE O LIVRE - ARBÍTRIO


O Argumento Determinista
Perto do fim da sua vida, Isaac Bashevis Singer (1904-1991) concebeu um conjunto de respostas padrão para as questões que os entrevistadores lhe faziam. Quando lhe perguntavam qual era a sua filosofia de vida, Singer respondia: «Acredito no livre -arbítrio. Não tenho escolha»
Singer sabia que este pequeno gracejo colocava uma questão filosófica séria. É difícil não pensar que temos livre-arbítrio. Quando estamos a decidir o que fazer, a escolha parece inteiramente nossa. A sensação interior de liberdade é tão poderosa que podemos ser incapazes de abandonar a ideia de livre-arbítrio, por muito fortes que sejam as provas da sua inexistência.
E, obviamente, existem bastantes provas de que não há livre-arbítrio. Quanto mais aprendemos sobre as causas do comportamento humano, menos provável parece que escolhamos livremente as nossas acções. Nenhuma das provas nos impõe esta conclusão, mas muitas provas de géneros diferentes apontam nessa direcção, e o efeito cumulativo é o «livre - arbítrio» parecer cada vez mais parte de uma forma pré-científica de pensar.
Podemos designar por Argumento Determinista o seguinte:
1. Tudo o que fazemos é causado por forças que não controlamos.
2. Se as nossas acções são causadas por forças que não controlamos, então não agimos livremente.
Logo, nunca agimos livremente.
Esta linha de pensamento é perturbante por causa do que parece implicar para a responsabilidade individual. Se não somos livres, então parece que não somos responsáveis pelo que fazemos.
Mas será que o Argumento Determinista é sólido? Embora seja plausível, há nele muito que pode ser contestado. Vamos examinar duas respostas ao argumento que defendem o livre -arbítrio de formas diferentes. Uma teoria, o Libertismo, nega a primeira premissa do argumento e afirma que nem todas as nossas acções estão causalmente determinadas. Outra teoria, o Compatibilismo, nega a segunda premissa e afirma que somos livres apesar de as nossas acções estarem causalmente determinadas. Vamos discutir estas perspectivas separadamente.
Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva - (Colecção Filosofia Aberta, pp.181-3)

domingo, 15 de novembro de 2009

PSICOLOGIA



Pode parecer estranho que o argumento básico contra o livre-arbítrio apele a princípios da física. Afinal, é a psicologia, e não a física, que estuda o comportamento humano, pelo que podemos interrogar-nos acerca do que a psicologia tem a dizer. Será que as teorias psicológicas sobre o comportamento humano deixam espaço para a noção de livre-arbítrio, ou será que apoiam o Determinismo?
Antes de nos virarmos para a psicologia, no entanto, vale a pena mencionar como, de várias maneiras, a nossa compreensão de senso comum dos seres humanos contém já elementos favoráveis ao Determinismo. Cada um de nós nasceu de pais específicos numa época e num lugar específicos, e não é preciso pensar muito para compreender que, se essas circunstâncias tivessem sido diferentes, também nós poderíamos ter sido diferentes. Um jovem "escolhe" tornar-se corretor da bolsa — será coincidência que o seu pai tenha sido corretor da bolsa? O que teria ele escolhido se os seus pais tivessem sido missionários?
Sabemos também que as condições sociais influenciam as nossas decisões de formas que escapam à nossa consciência, mas que se revelam nas estatísticas. As condições sociais influenciam a proporção de pessoas que decidem tornar-se engenheiras, mudar-se para a Costa Oeste, jogar golfe e cometer suicídio. (No início dos anos 80 do século passado, por exemplo, descobriu-se que a taxa de suicídio nos Estados Unidos variava directamente com a taxa de desemprego. Além disso, em 1986 um estudo mostrou que há uma maior probabilidade de os adolescentes se suicidarem nos dias que se seguem à cobertura televisiva nacional de histórias de suicídio.) Em cada caso particular, pode parecer que o indivíduo está a fazer uma escolha livre e independente. Todavia, se as circunstâncias sociais se alteram, a proporção de pessoas que tomam essas decisões também muda.
Considere-se um exemplo parecido: nos Estados Unidos, existem hoje dois milhões de pessoas na prisão, e outros doze milhões irão passar provavelmente algum tempo atrás das grades em alguma fase da sua vida. (A América tem a maior taxa de presidiários do mundo.) Um número desproporcionado dos que estão encarcerados são jovens negros ou hispânicos do sexo masculino. Talvez alguns destes homens fossem sempre parar à prisão, mas é óbvio que alguns deles não estariam presos se tivessem vivido em circunstâncias sociais diferentes. Ao nível do indivíduo, pode parecer que cada homem "decidiu livremente" infringir a lei. Talvez isso seja verdade. Ainda assim, é razoável entender que há pessoas dos mais variados tipos que nunca estiveram na prisão e se consideram moralmente superiores, mas que simplesmente têm a sorte de nunca ter vivido em condições sociais em que teriam agido de forma diferente.
James Rachels
Tradução de Pedro Galvão, retirada de Problemas da Filosofia, de James Rachels (Lisboa: Gradiva, Colecção Filosofia Aberta, 2009-pp. 163-4)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

DETERMINISMO


A defesa que Clarence Darrow fez de Leopold e Loeb ocorreu no primeiro grande julgamento criminal em que se usou a ideia moderna de que a nossa personalidade resulta da "hereditariedade-mais-ambiente" para alegar que os réus não eram responsáveis pelas suas acções. Contudo, Darrow não foi o primeiro a duvidar de que o destino está nas nossas mãos.
Aristóteles preocupou-se com a possibilidade de as leis da lógica implicarem que não temos controlo sobre o que fazemos. Toda a proposição, raciocinou, tem de ser verdadeira ou falsa. Por isso, neste momento ou é verdade que amanhã vamos vestir uma camisa azul, ou é falso que amanhã vamos vestir uma camisa azul. Se isso é verdade, então nada podemos fazer para o evitar — afinal, isso irá acontecer. Se isso é falso, então nada podemos fazer para que aconteça, pois isso não vai acontecer. Seja como for, o futuro está estabelecido e não temos poder para o mudar. Isto tornou-se conhecido por problema do Fatalismo. De Santo Agostinho em diante, os teólogos compreenderam que o pressuposto da omnisciência de Deus cria uma dificuldade similar. Se Deus sabe tudo, sabe o que vamos fazer amanhã. Mas, se Deus já sabe o que vamos fazer amanhã, então não podemos agir de outra forma.
Embora o problema do Fatalismo seja sério, não constitui o desafio mais preocupante à liberdade humana. A ameaça maior provém do Determinismo, que já era conhecido no mundo antigo, mas só se tornou preeminente com a ascensão da ciência moderna. Dizer que um sistema é determinista é afirmar que tudo o que nele acontece resulta de causas anteriores, e que logo que as causas ocorrem os efeitos têm de se seguir inevitavelmente, dadas as circunstâncias circundantes e as Leis da Natureza. Provavelmente, vemos o edifício em que vivemos como um sistema determinista. Se as luzes se apagam, pensamos que isso tem de ter uma causa. Supomos que, logo que a causa ocorreu, o efeito tinha de se seguir. Se o electricista nos dissesse "isso pura e simplesmente aconteceu", sem qualquer razão, essa afirmação violaria a nossa concepção do funcionamento das coisas.
Com a ascensão da ciência moderna, tornou-se comum conceber o universo inteiro como um grande sistema determinista. A natureza consiste em partículas que obedecem às leis da física, e tudo o que acontece é governado pelas leis causais invariáveis.
A expressão mais vívida desta ideia foi-nos dada pelo matemático francês Pierre-Simon Laplace (1749-1827). Em 1819, Laplace afirmou que, se um observador supremamente inteligente conhecesse a localização e a velocidade exactas de todas as partículas do universo, bem como todas as leis da física, conseguiria prever sem margem para dúvidas todos os estados futuros do universo. Nada o surpreenderia; ele saberia tudo antes de as coisas acontecerem. Obviamente, nós não conseguimos fazer tais previsões, mas isso deve-se apenas ao facto de não termos a informação e a inteligência necessárias.
O universo inclui-nos. Fazemos parte da natureza e aquilo que acontece dentro da nossa pele está sujeito às mesmas leis físicas que tudo o resto. Os movimentos dos nossos braços, pernas e língua são desencadeados por acontecimentos que ocorrem no nosso cérebro, que por sua vez são causados por outros acontecimentos físicos. Deste modo, o observador perfeito de Laplace conseguiria prever as nossas acções da mesma forma que prevê tudo o resto. Na verdade, recuando o suficiente na cadeia causal, ele conseguiria prever, mesmo antes de termos nascido, se amanhã vamos ou não usar uma camisa azul. Pode parecer-nos que fazemos as escolhas livre e espontaneamente, mas Laplace defendeu que a nossa "liberdade" é apenas uma ilusão criada pela nossa ignorância. Como não nos apercebemos das causas subjacentes ao nosso comportamento, presumimos que este não as tem.
O que serão exactamente "as causas subjacentes ao nosso comportamento"? Como Clarence Darrow observou, as causas "últimas" podem ser remotas. Porém, as causas imediatas são acontecimentos que ocorrem no nosso cérebro. Os acontecimentos neurológicos causam tanto os nossos estados mentais como os movimentos do nosso corpo.
A ideia de que os nossos estados conscientes são causados por acontecimentos neurológicos não é mera especulação. Realizam-se por vezes cirurgias cerebrais apenas com anestesia local, pelo que o paciente pode dizer ao cirurgião que experiências está a ter enquanto várias partes do seu cérebro são sondadas. Como vimos no Capítulo 6, esta técnica foi introduzida há mais de meio século pelo Dr. Wilder Penfield, que a descreveu vividamente no seu livro The Excitable Cortex in Conscious Man (1958). Desde então, os neurocirurgiões utilizam a técnica de Wilder. Sabem que, se sondarmos um lugar, o paciente sentirá um formigueiro na mão; se sondarmos outro lugar, o paciente sentirá o cheiro do alho; se sondarmos outro lugar ainda, ele pode ouvir uma canção dos Guns N' Roses.
Também é possível induzir acções com a estimulação eléctrica do cérebro. Jose Delgado, que desenvolveu a sua investigação na Universidade de Yale há quatro décadas atrás, descobriu que, estimulando várias regiões do cérebro, conseguia causar todos os tipos de movimentos corporais, incluindo franzir as sobrancelhas, abrir e fechar os olhos, mover a cabeça, os braços, as pernas e os dedos. Quando começou a experimentar este procedimento, usando gatos e macacos, reparou que os animais não se mostravam surpreendidos nem assustados quando o seu corpo se movia. Aparentemente, os animais sentiam os movimentos como se estes fossem voluntários. Num caso particular, a estimulação do cérebro de um macaco fê-lo levantar-se e andar. O efeito repetiu-se várias vezes, e em cada uma delas o animal começou a vaguear, sem surpresa nem desconforto, como se tivesse decidido passear um pouco.
Alguns filósofos diriam que o procedimento de Delgado não causa acções, mas apenas movimentos corporais. As acções implicam razões e decisão, e não apenas movimentos. Mas isto não é tudo. Quando Delgado fez a sua experiência com seres humanos, eles foram ainda mais complacentes do que os animais — além de terem realizado os movimentos sem surpresa nem medo, também deram razões para os terem realizado. Num paciente, a estimulação eléctrica do cérebro produziu "um virar de cabeça e um deslocamento lento do corpo para cada um dos lados numa sequência bem orientada e aparentemente normal, como se o paciente estivesse à procura de algo". Repetiu-se isto seis vezes ao longo de dois dias, o que confirmou que a estimulação produzia efectivamente o comportamento. Mas o paciente, que ignorava a estimulação eléctrica, considerava a actividade espontânea e justificava-a com razões. Quando lhe perguntavam "O que está a fazer?", ele respondia "Estou à procura dos meus chinelos", "Ouvi um barulho", "Estou impaciente" ou "Estava a olhar para debaixo da cama".
Será que as nossas decisões também são produzidas por disparos de neurónios? Há também alguns resultados experimentais sobre isto, que se devem ao cientista alemão H. H. Kornhuber. Suponha-se que ficamos quietos e que, durante o próximo minuto, vamos mover espontaneamente o dedo. Subjectivamente, podemos estar bastante certos de que a decisão de mover o dedo está inteiramente sob o nosso controlo. Mas suponha-se agora que nos ligam alguns eléctrodos ao couro cabeludo e nos pedem para repetir a acção. Um técnico que esteja a olhar para uma electroencenfalografia seria capaz de observar um padrão característico de actividade cerebral quando movemos o dedo. A actividade cerebral inicia-se um segundo e meio antes do movimento, e inicia-se antes de tomarmos a decisão. Olhando para o monitor, o técnico sabe assim que vamos mover o dedo antes de nós o sabermos. A uma escala reduzida, ele é como o observador perfeito de Laplace. Kornhuber realizou esta experiência pela primeira vez nos anos 70 do século passado.

James Rachels

Tradução de Pedro Galvão, retirado de Problemas da Filosofia, de James Rachels, (Lisboa: Gradiva - Colecção Filosofia Aberta, 2009, pp. 159-163)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

As PESSOAS SERÃO RESPONSÁVEIS PELO QUE FAZEM?


Em 1924, dois adolescentes de Chicago, Richard Loeb e Nathan Leopold, raptaram e assassinaram um rapaz chamado Bobby Franks apenas para provar que conseguiam fazê-lo. O crime impressionou o público. Apesar da brutalidade do seu acto, Leopold e Loeb não pareciam especialmente perversos. Provinham de famílias ricas e eram ambos estudantes excelentes. Aos dezoito anos, Leopold era o licenciado mais jovem na história da Universidade de Chicago, e, aos dezanove anos, Loeb era a pessoa mais nova que se tinha licenciado na Universidade de Michigan. Leopold estava prestes a entrar na Escola de Direito de Harvard. Como era possível que tivessem cometido um assassinato absurdo? O seu julgamento iria receber o mesmo tipo de atenção que o de O. J. Simpson, setenta anos mais tarde.
Os seus pais contrataram Clarence Darrow, o advogado mais famoso da altura, para os defender. Darrow era conhecido como o paladino das causas impopulares — tinha defendido sindicalistas, comunistas e um negro acusado de ter morto um membro de uma turba racista. Três anos depois, no seu caso mais famoso, defendeu John Scopes, do Tennessee, da acusação de ter ensinado a evolução numa aula do ensino secundário. Darrow era também o adversário da pena de morte mais conhecido no país. Em 1902, tendo sido convidado pelo director da Prisão de Cook County para dar uma conferência aos presidiários, disse-lhes o seguinte:
Na verdade, não acredito minimamente no crime. No sentido habitual da palavra, não existem crimes. Não acredito em qualquer distinção entre as verdadeiras condições morais das pessoas que estão dentro e das que estão fora da prisão. São iguais. Do mesmo modo que as pessoas que estão aqui dentro não poderiam ter evitado estar aqui, as pessoas que estão lá fora também não poderiam ter evitado estar lá fora. Não acredito que as pessoas estejam na prisão porque o mereçam. Estão na prisão apenas porque não puderam evitá-lo, devido a circunstâncias que ultrapassam inteiramente o seu controlo e pelas quais não são minimamente responsáveis.
Estas ideias iriam figurar preeminentemente na defesa de Leopold e Loeb. [...]
Leopold e Loeb tinham já admitido a sua culpa, pelo que o trabalho de Darrow era apenas mantê-los longe da forca. Não haveria um júri. O juiz escutaria os argumentos dos advogados e decidiria depois se os réus seriam enforcados.
Darrow falou durante mais de doze horas. Não sustentou que os rapazes eram loucos. Ainda assim, disse, não eram responsáveis pelo que tinham feito. Darrow apelou a uma nova ideia que os psicólogos tinham proposto, nomeadamente que o carácter humano é moldado pelos genes do indivíduo e pelo ambiente. Disse ao juiz: «As pessoas inteligentes sabem agora que todo o ser humano é o produto de uma hereditariedade infindável que o precede e de um ambiente infinito que o rodeia».
Não sei o que levou estes rapazes a realizar esse acto louco, mas sei que houve uma razão para que o tenham realizado. Sei que não o produziram por si. Sei que qualquer uma de um número infindável de causas que remontam ao começo pode ter actuado na mente destes rapazes — que vos pedem para enforcar por malícia, ódio e injustiça — porque, no passado, alguém pecou contra eles.
Os psiquiatras tinham atestado que os rapazes não tinham sentimentos normais, pois não mostravam qualquer reacção emocional ao seu acto. Darrow tirou partido disto:
Deveremos censurar Dickie Loeb por causa das forças infinitas que conspiraram para o formar, das forças infinitas que actuaram na sua criação muito antes de ele ter nascido, sabendo que, por causa dessas combinações infinitas, ele nasceu sem [o tipo correcto de emoções]? Se devemos, então tem de haver uma nova definição de justiça. Deveremos censurá-lo pelo que não teve e nunca teve?
Darrow descreve Loeb como alguém que, na infância, esteve privado do afecto de que um rapaz precisa, tendo passado os dias a estudar e as noites a ler secretamente histórias de crimes enquanto fantasiava cometer o crime perfeito e enganar a polícia. Quanto a Leopold, ele era fraco e não tinha amigos. Cresceu obcecado com a filosofia do «super-homem» de Nietzsche, desprezando as outras pessoas e querendo desesperadamente provar a sua superioridade. Depois os dois rapazes conhecerem-se e, juntos, cometeram um crime que nenhum deles poderia ter cometido sozinho. Porém, estavam apenas a jogar com a mão que a natureza lhes dera. «A natureza é forte e impiedosa», concluiu Darrow. «Trabalha de uma forma misteriosa que lhe é própria e nós somos as suas vítimas. Nós próprios não temos muito a ver com ela.»
O juiz deliberou durante um mês e depois condenou Leopold e Loeb a prisão perpétua. Doze anos mais tarde, Richard Loeb, que fora o instigador do crime, foi morto numa contenda com outro prisioneiro. Nathan Leopold passou trinta e quatro anos na prisão, durante os quais deu aulas a outros prisioneiros, ofereceu-se como cobaia para experiências médicas com a malária, dirigiu a biblioteca da prisão e trabalhou no hospital da prisão. Depois ficar em liberdade condicional, foi viver para Porto Rico, onde continuou a esforçar-se até ao fim da vida por se «tornar novamente um ser humano», sobretudo através de trabalhos que implicavam ajudar os outros. Morreu em 1971.
James Rachels, Problemas da Filosofia, Gradiva, Colecção Filosofia Aberta 2009, pp. 155-9)

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

ACÇÃO


Jennifer HornsbyBirkbeck College, Universidade de Londres

Define-se por vezes uma acção como o fazer intencional de alguém. O fenómeno da acção humana deve a sua importância tanto a questões sobre o estatuto metafísico dos agentes, como a questões éticas e legais sobre a liberdade e responsabilidades humanas. Recentemente, muitos filósofos pensaram que uma explicação (do fenómeno) da acção devia passar por uma explicação das acções (enquanto acontecimentos). Quando se define uma acção como o fazer intencional de alguém, as acções são entendidas como um género de acontecimento, sendo estes entendidos como particulares que podem ser descritos de múltiplas maneiras. Deste ponto de vista, o movimento dos dedos de Jane no teclado, que resulta em sons de piano, é o acto de tocar piano da Jane. Assim, Jane faz duas coisas — movimenta os seus dedos e toca piano — apesar de haver aqui apenas uma acção. Tipicamente, quem faz algo faz várias coisas "ligadas", cada uma das quais é feita fazendo outra ou ao fazer outra. [Chama-se "acção básica" ao que se faz directamente, e não fazendo outra coisa; o movimento dos dedos de Jane no piano constitui uma acção básica; tocar piano, não.] De acordo com a definição, para existir uma acção uma pessoa só tem de ter feito intencionalmente pelo menos uma das coisas que fez. Assim, quando Jane acorda os vizinhos isso pode ser uma acção, ainda que não os tenha acordado intencionalmente: é uma acção se os acordou porque estava a tocar piano e se estava a tocar piano intencionalmente. [Ainda que não os tenha acordado intencionalmente, acordá-los é uma acção de Jane.]
Quando se combina esta definição com a ideia que é ao mover os seu corpo que uma pessoa faz algo, afirma-se que as acções são movimentos corporais: toda a acção é um acontecimento de uma pessoa movimentar o seu corpo (todo ou em parte).
A definição não é incontroversa. Alguns filósofos (como Goldman) negam que uma pessoa fazer uma coisa possa ser o mesmo do que ela fazer outra; pensam que os acontecimentos devem ser "estritamente individuados", e não "latamente individuados", de modo que só algumas acções, mas não todas, são movimentos corporais. Outros filósofos negam que as acções sejam acontecimentos, de todo em todo: ou pensam que não há acontecimentos particulares, ou aceitam a existência de acontecimentos mas declaram que as acções não são acontecimentos.
Mesmo um proponente da definição aceita que ela não abrange todos os casos em que se podem fazer atribuições de acção responsável.
1. Pode-se dizer que uma pessoa fez algo ao manter-se totalmente quieta — não ocorrendo, aparentemente, quaisquer acontecimentos. Em tais casos, parece intuitivamente correcto dizer que há uma acção particular só se a pessoa ficou intencionalmente quieta. Assim, pode-se ainda pensar que "fazer algo intencionalmente" é a marca da acção: pode-se pensar que a definição original está basicamente correcta, mas tem de se admitir que nem sempre há um acontecimento quando há uma acção particular, e que nenhuma ligação completamente geral existe entre as acções e os movimentos corporais.
2. Uma pessoa pode ser responsável por fazer algo que não fez intencionalmente: por exemplo, quando ela dá origem a um fogo ao deitar fora, descuidadamente, o seu cigarro acesso. Para abranger casos como este, são necessários mais recursos do que a palavra "intencionalmente". Mas uma elucidação complementar de "intencionalmente" pode pôr a nu uma série de conceitos que podem por sua vez iluminar uma concepção lata da acção responsável.
Pode-se argumentar que quando uma pessoa faz algo intencionalmente isso resulta sempre de essa pessoa ter uma crença qualquer e um desejo, que conjuntamente constituem a razão que ela tem para fazer o que fez. A definição de acção pode então ser parte de uma perspectiva de acordo com a qual é um certo género de história causal que distingue as acções de outros acontecimentos. Esta perspectiva caiu em descrédito nas décadas de cinquenta e sessenta do séc. XX, mas a sua credibilidade foi entretanto restabelecida. Esta perspectiva tem muitas variantes. Numa versão empirista tradicional, toda a acção é causada por uma volição. Por vezes, a versão tradicional é substituída pela tese de que toda a acção é em si o acontecimento de alguém tentar fazer algo: a sugestão é que uma pessoa é levada a tentar fazer o que tem razões para fazer e, então, quando a sua tentativa tem realmente o efeito que ela quer, como acontece geralmente, é ela que faz isso intencionalmente.
Apresentar as razões de uma pessoa é uma questão de dizer por que razão ela fez o que fez, de modo que a ideia de que há um tipo especial de explicação — a explicação de acções — entra em jogo quando se concebem as acções como o resultado de alguém ter razões. [E é um problema filosófico adicional saber qual é a diferença, se existir alguma, entre ter razões para fazer algo e ser causado a fazer algo.] Introduz-se também a ideia de que há um tipo especial de raciocínio a partir da qual se gera a acção — o raciocínio, deliberação ou razão prática, a explicação do qual exige compreender (pelo menos) a crença, o desejo, a valorização, a intenção e a escolha.

Jennifer Hornsby
Tradução de Desidério Murcho
Retirado de Crítica -Revista de Filosofia online

terça-feira, 10 de novembro de 2009

O QUE É UMA ACÇÃO?


O que é uma acção? - A teoria causal da acção

Peter Smith e O.R. Jones Universidade de Cambridge

Um bom modo para começar a nossa investigação acerca da natureza da acção é a partir da questão levantada por Wittgenstein: "O que sobra se eu subtrair o facto de o meu braço se ter erguido ao facto de eu ter erguido o meu braço?" (1953: §621). Evidentemente, o teu braço pode ter-se erguido sem que o tenhas feito intencionalmente subir; talvez o teu cotovelo se tenha mexido, alguém puxe por fios amarrados ao teu pulso ou alguém esteja a dar choques eléctricos aos músculos do teu braço. Nem todas as ocasiões em que o teu braço se ergue são ocasiões em que tu agiste: por isso o que marca a diferença entre o erguer do braço que corresponde a acções genuínas das que não o são?
Como resposta inicial, podemos dizer algo deste tipo: "De modo a que o meu braço se erga sem que eu activamente o erga, tem de haver uma causa exterior para esse movimento — uma rajada de vento que arraste o guarda-chuva que eu seguro, alguém que mexa no meu cotovelo, ou outras situações do género. Se eu próprio erguer o braço, contudo, não há necessidade de uma causa exterior que mova o meu braço: a causa será interna. O movimento dever-se-á à contracção dos meus músculos, que por sua vez se deverá a impulsos nervosos, e por aí fora. Em resumo, a diferença entre um mero movimento corporal e uma acção genuína é a diferença entre causalidade interna e externa." Mas, certamente, esta perspectiva não é suficiente; contracções musculares, espasmos, tiques nervosos e movimentos reflexos têm causas internas mas ainda não são o tipo de coisas a que queremos designar por acções. De facto, se não houvesse mais qualquer coisa numa acção do que causalidade interna, não haveria nenhuma razão pela qual o movimento das plantas causado internamente ou mesmo os movimentos de um relógio, não contassem como verdadeiras acções. Ainda assim, parece fácil emendar a nossa definição de acção de modo a evitar tais abstrusidades: as acções intencionais são, num certo sentido, coisas em que a nossa mente está envolvida — portanto seguramente aquilo que necessitamos de dizer é que, num sentido último, as acções têm de ter causas mentais internas. Um espasmo muscular reflexo, como o movimento de uma planta ou de um relógio, tem (num sentido amplo) uma causa interna: mas uma acção genuína tem antecedentes mentais — a tua mente tem um papel a desempenhar na execução da acção.
Note-se que, enquanto podemos dizer que todas as acções têm causas mentais, não podemos reverter esta afirmação e dizer que todos os movimentos com causas mentais são acções. Como tal, a ansiedade pode fazer a tua mão tremer ou o embaraço pode provocar-te contracções musculares, mas estas tremuras e contracções não são acções, apesar dos seus antecedentes mentais. Portanto a presença de causas mentais é apenas uma condição necessária da acção genuína, mas não é uma condição suficiente.
[…]
Quais são os antecedentes mentais da acção? Que tipo de acontecimentos ou estados mentais são as causas iniciadoras de uma acção intencional?
O nosso primeiro pensamento pode ser que a acção resulta sempre do desejo. Por outras palavras, as acções são coisas que fazes ou porque queres fazê-las ou porque acreditas que elas são o meio para chegares a outras coisas que desejas. Quando activamente ergueste o braço, o teu braço ergue-se porque simplesmente queres que ele se erga (talvez porque estejas a experimentar se ele ainda se move depois de teres tido um acidente), ou porque o subir do braço seja necessário para outra coisa qualquer que desejas (talvez porque queiras votar e penses que necessitas de levantar o braço para votar, ou queres dar início a uma corrida e penses que levantar a mão é o modo de o fazer, ou queres apontar para a estrela polar, …). Por contraste, as não-acções, como espasmos ou contracções musculares, acontecem independentemente dos teus desejos, isto é, quer queiras quer não que elas ocorram.
Mas existe uma aparente dificuldade com este primeiro pensamento plausível que pode ser explicitado pelo seguinte argumento:
(D) Os nossos desejos — ou pelo menos os mais básicos — não são estados sobre os quais tenhamos muito controlo; não depende usualmente de nós sentirmos sede e querermos beber, ou desejarmos estar mais quentes, ou termos desejos sexuais. As nossas crenças, de igual modo, não estão sobre o nosso controlo voluntário; muitas são adquiridas perceptivamente e a percepção envolve um processo causal que não depende de nós. Portanto, se caracterizarmos as acções como fazeres causados por desejos (em conjunto com as crenças apropriadas), isto sugere que há estados que não dependem de nós automaticamente que produzem acções sem a nossa intervenção; e isto implicaria que as nossas acções também não dependem de nós. Esta conclusão põe em causa todo o conceito de acção tal como o definimos até agora.
[…]
Seguindo Anscombe, a nossa sugestão fundamental é que uma acção é intencional apenas se é feita com razões à luz das quais o comportamento de um agente pode ser compreensível. Especificar as razões que fazem um comportamento ser compreensível é especificar o desejo ou pró-atitude relevantes e uma crença de que o efeito da acção conduza ao desejo esperado. Necessitamos, contudo, de destacar um aspecto que até agora foi deixado implícito. De modo a explicar a acção de alguém, não é suficiente especificar um desejo e uma crença que o agente tenha que torna a acção compreensível; se queremos ter uma explicação correcta, a acção tem que ter sido feita por causa desse desejo e dessa crença. Suponhamos, por exemplo, que Jack abriu a janela porque desejava ter ar fresco e acreditava que teria ar fresco se abrisse a janela. Essa crença e esse desejo evidentemente fazem o abrir da janela algo que se faz numa situação dessas — mas essa crença e desejo podem não ter funcionado como as razões para abrir a janela nesta ocasião. Ele pode ter aberto a janela porque queria falar com a Jill que está no exterior e porque acreditava que isso facilitaria a conversa. Em termos mais gerais, podemos ter, numa dada situação, um conjunto de diferentes crenças e desejos de tal modo que cada conjunto tornaria razoável o mesmo curso de acção: ao explicar uma acção temos de escolher um (ou mais) dos conjuntos como efectivamente decisivo na produção da acção. Repetindo: para explicar uma acção temos de fazer mais do que simplesmente especificar crenças e desejos que tornariam a acção compreensível; temos de dizer que o agente agiu por causa dessas crenças e desejos. […]
O pensamento essencial em D, era que se tentarmos definir acções como fazeres que explicamos recorrendo a desejos, dado que os desejos não "dependem de nós" o mesmo se aplicará supostamente às nossas acções intencionais. Bom, aceitemos que as nossas necessidades mais básicas não estão sob o nosso controlo — não podemos fazer nada quando temos sede, por exemplo. Mas muitos dos desejos ou pró-atitudes envolvidos na explicação da acção humana, ou talvez mesmo a maior parte, dependem de algum modo de nós (pelo menos no sentido vulgar dessa expressão).
Juntando os fios da nossa discussão, podemos concluir dizendo que um fazer é uma acção apenas se envolve algo feito intencionalmente, isto é, algo realizado por causa de uma pró-atitude apropriada e de uma crença respectiva. Parece, portanto, que chegamos finalmente […] à formulação correcta do núcleo de uma teoria causal da acção — as causas mentais desses episódios comportamentais que contam como acções intencionais são simplesmente crenças e desejos. De modo a responder à questão de Wittgenstein: a diferença entre o teu braço se erguer e tu ergueres o teu braço é uma questão de causalidade através de crenças e desejos.
Peter Smith e O.R. Jones

Tradução de João D. Fonseca
Retirado de Crítica -Revista de Filosofia online

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

ACÇÃO, INTENÇÃO E RACIOCÍNIO PRÁTICO




Na teoria da acção, existe uma distinção fundamental entre as acções que são premeditadas, que são resultado de alguma espécie de planificação prévia, e as acções que são espontâneas, em que fazemos alguma coisa sem qualquer reflexão anterior.

Um erro comum que existe na teoria da acção é supor que todas as acções intencionais são o resultado de alguma espécie de deliberação, que são o produto de uma cadeia de raciocínio prático. Mas, obviamente muitas coisas que fazemos não são assim. Simplesmente fazemos alguma coisa sem qualquer reflexão prévia. Por exemplo, numa conversa normal, não se reflecte sobre o que se vai dizer a seguir, simplesmente se diz. Em tais casos, há decerto uma intenção, mas não é uma intenção formada antes da realização da acção. É o que eu chamo uma intenção na acção. Noutros casos, porém, formamos intenções antecedentes. Reflectimos sobre o que queremos e sobre qual é a melhor maneira de o levar a cabo. Este processo de reflexão (Aristóteles chamou-o «raciocínio prático») resulta caracteristicamente na formação de uma intenção prévia ou, como também Aristóteles sublinhou, por vezes resulta na própria acção.

A formação de intenções prévias é, pelo menos geralmente, o resultado de raciocínio prático. O raciocínio prático é sempre raciocínio acerca da melhor maneira de decidir entre desejos antagónicos. A força motriz que está por detrás da maior parte das acções humanas( e animais) é o desejo. As crenças funcionam apenas para nos capacitar a representar o melhor modo de satisfazer os nossos desejos. Assim, por exemplo, quero ir a Paris e creio que a melhor maneira, depois de considerar todas as coisas, é ir de avião, pelo que formo a intenção de ir por via aérea. Eis um processo típico e de sentido comum de raciocínio prático. Mas o raciocínio prático difere crucialmente do raciocínio teórico, do raciocínio acerca do que sejam as coisas; no raciocínio prático, porém, trata-se sempre de como melhor decidir entre os vários desejos antagónicos que temos. Assim, por exemplo, suponhamos que eu quero ir a Paris e que imagino que o melhor modo de ir é ir de avião. Contudo, não existe maneira de eu poder fazer isto sem frustar muitos outros desejos que tenho. Não quero gastar dinheiro; não quero entrar em bichas nos aeroportos; não quero sentar-me em assentos de avião; não quero tomar refeições de avião, não quero que as pessoas ponham o seu cotovelo onde eu tento pôr o meu cotovelo; e assim por diante, indefinidamente. Porém, apesar de todos os desejos que serão frustrados se for a Paris de avião, posso ainda pensar que, depois de tudo considerado, o melhor é ir a Paris por avião. Isto é não só típico do raciocínio prático, mas penso que é universal no raciocínio prático que ele diga respeito à decisão a propósito de desejos conflitivos.
(...) Explicar uma acção é fornecer as suas causas. As suas causas são estados psicológicos. Estes estados relacionam-se com a acção, quer por serem passos do raciocínio prático que levou às intenções, quer porque são as próprias intenções.

Mente , Cérebro e Ciência, John Searl, Edições 70, pp. 80 - 82

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

ARGUMENTOS


É necessário procurar os argumentos ou razões que os filósofos apresentam a favor das suas ideias. Um argumento é muito diferente de uma simples afirmação. Uma afirmação ou proposição não nos dá qualquer razão para a aceitarmos; limita-se a declarar algo que pode ser verdadeiro ou falso (ainda que ninguém saiba se é verdadeiro ou falso) Eis alguns exemplos de afirmações:

O livre-arbítrio é uma ilusão.
A ética é relativa à sociedade.
Não é possível definir a arte

Como se vê, podemos concordar ou discordar destas afirmações, mas as próprias afirmações não oferecem qualquer razão para as aceitarmos. As afirmações contrastam com os argumentos:
Um argumento é um conjunto de afirmações de tal modo organizadas que se pretende sustentar uma delas (a conclusão) recorrendo às outras (as premissas).
Eis um exemplo de um argumento:

1. A ciência mostra-nos que, à excepção de mundo atómico, tudo está causalmente determinado.
2. Se tudo está causalmente determinado, não pode haver livre-arbítrio.
3. Logo, não há livre-arbítrio.

As afirmações 1 e 2 são as premissas, a afirmação 3 é a conclusão. Os argumentos, ao contrário das premissas e conclusões, não são verdadeiros nem falsos. Os argumentos são válidos ou inválidos.
Um argumento é válido quando é impossível, ou muitíssimo improvável, que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa.
Isto significa que quando um argumento é válido não podemos aceitar as premissas e rejeitar a conclusão. Mas quando um argumento é inválido podemos aceitar as premissas e recusar a conclusão.
Não basta, que um argumento seja válido para ser bom. É preciso que seja também sólido:

Um argumento sólido é um argumento válido com premissas verdadeiras.

Um argumento sólido não pode ter conclusão falsa. Isto significa que, se estamos perante um argumento sólido, temos de aceitar a sua conclusão.
Não basta, contudo, que um argumento seja sólido para ser bom. É preciso que: além de sólido, tenha permissas mais plausíveis do que a sua conclusão.
Assim, para argumentar correctamente, é necessário usar argumentos sólidos com premissas mais plausíveis do que a conclusão. Quando as premissas não são mais plausíveis do que a conclusão, quem não concorda com a conclusão também não irá concordar com as premissas. É por isso que alguns argumentos sólidos não são bons. Por exemplo, o seguite argumento não é bom, mesmo que seja sólido, porque as suas premissas não são mais plausíveis do que a sua conclusão:

Se Deus existe, a vida faz sentido.
Deus existe.
Logo, a vida faz sentido.

Neste caso, as premissas não oferecem boas razões para aceitar a conclusão, pois aquelas são, no mínimo, tão discutíveis como esta. Assim, é difícil fazer alguém aceitar a conclusão com base em premissas que suscitam tão grande discussão. A força de um argumento nunca é superior à força da mais discutível das suas premissas.
Um argumento bom ou forte obedece a três condições:

1. É válido;
2. É sólido;
3. Tem premissas mais plausíveis do que a conclusão.

Assim, ao discutir os argumentos dos filósofos é necessário não apenas saber se os seus argumentos são válidos, mas também se partem de premissas palusíveis - mais plausíveis do que a conclusão a que desejam chegar.


Textos e Problemas da Filosofia, Organização de Aires Almeida e Desidério Murcho, Plátano Editora - pp.15-16

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Um pouco de Lógica


As partes relevantes de um argumento são, em primeiro lugar as suas premissas. As premissas são o ponto de partida, ou o que se aceita ou presume, no que respeita ao argumento. Um argumento pode ter uma ou várias premissas. A partir das premissas, os argumentos derivam uma conclusão. Se estamos a reflectir sobre um argumento, talvez por termos relutância em aceitar a sua conclusão, temos duas opções. Em primeiro lugar, podemos rejeitar uma ou mais das suas premissas. Em segundo lugar, podemos também rejeitar o modo como a conclusão é extraída das premissas. A primeira reacção é que uma das premissas não é verdadeira. A segunda é que o raciocínio não é válido. É claro que o mesmo argumento pode estar sujeito a ambas as críticas: as premissas não são verdadeiras e o raciocínio aplicado é inválido. Mas as duas críticas são distintas ( e as duas expressões, «não é verdadeira» e «não é válido» marcam bem a diferença.
No dia-a-dia, os argumentos também são criticados noutros aspectos. As premissas podem não ser muito sensatas. É uma tolice apresentar um argumento intrincado a partir da premissa de que eu vou ganhar a lotaria da próxima semana se não houver qualquer hipótese de isso acontecer. É muitas vezes inapropriado recorrermos a premissas que sejam, elas mesmas, controversas. Não revela qualquer tacto nem é de bom gosto argumentar a favor de certas coisas em certas circunstâncias. Mas «lógico» não é sinónimo de «sensato». A lógica interessa-se em saber se os argumentos são válidos, e não se são sensatos. E vice-versa, muitas das pessoas a que chamamos «ilógicas» podem até usar argumentos válidos, mas que são patetas por outros motivos.
A lógica só tem uma preocupação: saber se não há maneira de as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa.
Foi Aristóteles (384-322 a.C.) quem primeiro tentou fornecer uma taxonomia sistemática dos argumentos válidos e inválidos. Aristóteles compreendeu que qualquer tipo de teoria precisaria de classificar os argumentos pelos padrões de raciocínio que estes exibem, ou aquilo a que se chama a sua forma. Por exemplo, uma das formas argumentativas mais famosas, que se regozija sob o título modus ponendo ponens ou, abrevidamente, modus ponens, é simplesmente a seguinte

p;

Se p, então q,

Logo, q.

p e q estão no lugar de qualquer pedaço de informação, ou proposição, que quisermos. A forma argumentativa será a mesma, quer o argumento seja sobre vacas, quer sobre filósofos. Assim , a lógica estuda formas de informação, e não as exemplificações das formas, mas um lógico está interessado na forma ou estrutura, do mesmo modo que um matemático está interessado nas formas numéricas e na estrutura, mas não em saber se estamos a contar bananas ou os lucros.
Queremos que o nosso raciocínio seja válido. Dissemos o que isso significa: queremos que não haja maneira de a nossa conclusão ser falsa se as nossas premissas forem verdadeiras. Deste modo, precisamos estudar se há «alguma maneira» de um conjunto de coisas, as premissas, serem verdadeiras sem que outra coisa, a conclusão, também o seja. Para investigarmos isso precisamos de construir uma ciência acerca das maneiras como as coisas podem ser verdadeiras. Em relação a algumas maneiras simples de acumular informação podemos fazer tabelas de verdade.

Pense, Uma Introdução à Filosofia, Simon Blackburn, Gradiva - Colecção Filosofia Aberta, pp 201-203

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

PORQUÊ ESTUDAR FILOSOFIA? ii


A vida examinada


Um razão importante para estudar filosofia é o facto de esta lidar com questões fundamentais acerca do sentido da nossa existência. A maior parte das pessoas, num ou noutro momento da sua vida, já se interrogou a respeito de questões filosóficas. Por que razão estamos aqui? Há alguma demonstração da existência de Deus? As nossas vidas têm algum propósito? O que faz com que algumas acções sejam moralmente boas ou más? Poderemos alguma vez ter justificação para violar a lei? Poderá a nossa vida ser apenas um sonho? É a mente diferente do corpo, ou seremos apenas seres físicos? Como progride a ciência? O que é a arte? E assim por diante.
A maior parte das pessoas que estudam filosofia acha importante que cada um de nós examine estas questões. Alguns até defendem que não vale a pena viver a vida sem a examinar. Persistir numa existência rotineira sem jamais examinar os princípios na qual esta se baseia pode ser como conduzir um automóvel que nunca foi à revisão. Podemos justificadamente confiar nos travões, na direcção, e no motor, uma vez que sempre funcionaram suficientemente bem até agora; mas esta confiança pode ser completamente injustificada: os travões podem ter deficiência e falharem precisamente quando precisamos deles. Analogamente, os princípios nos quais a nossa vida se baseia podem ser inteiramente sólidos; mas, até os termos examinado, não podemos ter a certeza disso.
Contudo, mesmo que não duvidemos seriamente da solidez dos princípios em que baseamos a nossa vida, podemos estar a empobrecê-la, ao recusarmos usar a nossa capacidade de pensar. Muitas pessoas acham que dá demasiado trabalho ou que é excessivamente inquietante colocar este tipo de questões fundamentais: podem sentir-se satisfeitas e confortáveis com os seus preconceitos. Mas há outras pessoas que têm um forte desejo de encontrar respostas a questões filosóficas que representem um desafio.

Aprender a pensar

Outra razão para estudar filosofia é o facto de isso nos proporcionar uma boa maneira de aprender a pensar mais claramente sobre um vasto leque de assuntos. Os métodos do pensamento filosófico podem ser úteis em variadíssimas situações, uma vez que, ao analisar os argumentos a favor e contra qualquer posição, adquirimos aptidões que podem ser aplicadas noutras áreas da vida. Muitas pessoas que estudam filosofia aplicam depois as suas aptidões em profissões tão diferentes quanto o direito, a informática, a consultoria de gestão, o funcionalismo público e o jornalismo - áreas onde a clareza de pensamento é um grande trunfo. Os filósofos usam também a perspicácia que adquirem acerca da natureza da existência humana quando se voltam para as artes. Alguns filósofos foram também romancistas, críticos, poetas, realizadores de cinema e dramaturgos de sucesso.


Elementos Básicos de Filosofia, Nigel Warburton, Gradiva - Colecção Filosofia Aberta, pp 19-20

PORQUÊ ESTUDAR FILOSOFIA?


Defende-se por vezes que não vale a pena estudar filosofia uma vez que tudo o que os filósofos fazem é discutir sofisticadamente o significado das palavras; nunca parecem atingir quaisquer conclusões de qualquer importância e a sua contribuição para a sociedade é virtualmente nula. Continuam a discutir acerca dos mesmos problemas que cativaram a atenção dos gregos. Parece que a filosofia não muda nada, a filosofia deixa tudo tal e qual.
Qual é afinal a importância de estudar filosofia? Começar a questionar as bases fundamentais da nossa vida pode até ser perigoso: podemos acabar por nos sentir incapazes de fazer o que quer que seja, paralizados por fazer demasiadas perguntas. Na verdade, a caricatura do filósofo é geralmente a de alguém que é brilhante a lidar com pensamentos altamente abstractos no confronto de um sofá, numa sala de Oxford ou Cambridge, mas incapaz de lidar com as coisas práticas da vida: alguém que consegue explicar as mais complicadas passagens da filosofia de Hegel, mas que não consegue cozer um ovo.

Elementos Básicos de Filosofia, Nigel Warburton, Gradiva - Colecção Filosofia Aberta