domingo, 25 de maio de 2008

UM TRIUNFO SOBRE A MORTE

A angústia da morte está precisamente na impossibilidade de cessar, na ambiguidade de um tempo que falta e de um tempo misterioso que resta ainda. Morte que, por conseguinte, não se reduz ao fim de um ser. O que “ainda resta” é inteiramente diferente do futuro que se acolhe, que se projecta e que, numa certa medida, se tira de si próprio. A morte é, para um ser a quem tudo acontece de acordo com projectos, um acontecimento absoluto, absolutamente a posteriori, que não se oferece a nenhum poder, nem mesmo à negação. O morrer é angústia, porque o ser ao morrer não acaba ao terminar. Não tem mais tempo, ou seja, já não pode conduzir a sítio nenhum os seus passos, mas vai assim onde não se pode ir, sufoca; mas até quando? A não-referência ao tempo comum da história significa que a existência mortal se desenrola numa dimensão que não corre paralelamente ao tempo da história e que não se situa em relação a esse tempo, como em relação a um absoluto. É por isso que a vida entre o nascimento e a morte não é uma loucura nem absurdo, nem fuga, nem fraqueza. Flui numa dimensão que lhe é própria e onde pode ter sentido um triunfo sobre a morte. Esse triunfo não é uma nova possibilidade que se oferece depois do fim de toda a possibilidade – mas ressurreição no filho em que se engloba a ruptura da morte – abafamento na impossibilidade do possível – abre uma passagem para descendência.

LEVINAS, Emmanuel, Totalidade e Infinito, 1988. Lisboa: Edições 70, p. 44

2 comentários:

Anónimo disse...

Fazemos parte da Natureza e depois da morte acaba-se tudo. O morrer é angústia mas por outros motivos diferentes daqueles que aponta Levinas. A angústia permanece nos que ficam vivos e são confrontados tenazmente com a ideia de que tudo ficou por dizer e viver. Discordo da posição de Levinas.Não acredito em ressurreições.
Isabel

Hermes disse...

Eu também concordo com a Isabel. Também não concordo muito com a posição de Levinas. Coloquei-a no blog para podermos ter várias posições sobre um mesmo problema. A pluralidade é sempre bem vinda. Contudo podemos interpretar o texto de Levinas, que intitulei "um triunfo sobre a morte" de maneira ligeiramente diferente da que a Isabel interpretou. Esse triunfo pode não ser interpretado de uma forma transcendente - ressurreição - mas de uma forma bastante terrena - descendência. A minha angústia perante a minha finitude pode ser atenuada porque sei que parte de mim (genes) permanecerá a povoar a terra através da descendência que deixo.
António Paulo