Mostrar mensagens com a etiqueta RESPONSABILIDADE. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta RESPONSABILIDADE. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Livre-arbítrio e Determinismo v

Parte V
Será o determinismo compatível com a responsabilidade moral?
CAROLINA: Penso que não é necessário, para defender o determinismo, afirmar tudo aquilo que o Daniel diz. Julgo que uma pessoa pode acreditar no determinismo, como eu acredito, sem ter de negar a responsabilidade moral, como faz o Daniel.
LÁZARO: É um ponto de vista interessante.
CAROLINA: Concordo com o Daniel quando ele afirma que os indícios a favor do determinismo são de tal modo fortes que temos de acreditar que o determinismo é verdadeiro. E concordo contigo, Lázaro, quando dizes que a legitimidade da culpa, do castigo e da moralidade mostra que somos responsáveis por aquilo que fazemos. Nem o determinismo, nem a responsabilidade moral podem ser negados sem que se neguem também factos evidentes.
LÁZARO: Depreendo que acreditas que a responsabilidade moral é compatível com o determinismo, certo?
CAROLINA: Sim. Uma pessoa pode acreditar em ambas sem se contradizer.
LÁZARO: Gostaria que te explicasses melhor, pois parece-me haver aí uma contradição. O determinismo implica que as pessoas não podem agir de modo diferente daquele que agem, e a responsabilidade moral pressupõe que as pessoas podem agir de forma diferente daquela que de facto agem.
CAROLINA: Concordo contigo quando dizes que a responsabilidade moral pressupõe que as pessoas podem agir de modo diferente, mas não penso que essa possibilidade entre em conflito com o determinismo. O que queremos dizer quando afirmamos que podemos agir de modo diferente daquele que realmente agimos é apenas que nenhuma pessoa ou circunstância nos força a agir ou nos impede de fazer algo diferente. Mesmo que as nossas acções sejam causadas pelas nossas crenças, desejos ou escolhas, isto não significa que a tal tenhamos sido forçados.
LÁZARO: Por que é que defines "a capacidade de agir de outro modo" dessa forma?
CAROLINA: Defino-a assim porque é assim que, normalmente, a entendemos. Por exemplo, um assaltante de um banco que poderia não ter assaltado o banco é alguém que não foi forçado agir dessa maneira... É este sentido típico da "capacidade de agir de outro modo" que é necessário para haver responsabilidade moral e que é compatível com o determinismo.
LÁZARO: Podes explicar isso melhor?
CAROLINA: Claro. As nossas acções podem ser causadas pelas nossas crenças, desejos e escolhas e, ao mesmo tempo, não serem forçadas por nenhuma pessoa ou circunstância. O exemplo do ladrão de bancos é esclarecedor. Ele poderia não ter assaltado o banco uma vez que ninguém o forçou a isso, no entanto, a acção de assaltar o banco foi causada pela sua crença de que poderia escapar e pelo seu desejo de ficar rico. Ele é moralmente responsável por aquilo que fez, ainda que a sua acção tenha sido causada...
Clifford Williams

Retirado de http://www.criticanarede.com/

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Livre-arbítrio e Determinismo iv

Parte IV
Culpa e castigo
DANIEL: Sim. Começo com o primeiro ponto. Quando culpamos alguém por essa pessoa ter feito algo de errado, ou quando castigamos alguém por ter infringido a lei, fazemo-lo porque queremos, por um lado, impedir que essa pessoa o volte a fazer e, por outro, porque queremos impedir que outras pessoas façam o mesmo. Quando elogiamos alguém por ter feito algo de bom ou o recompensamos por ter feito algo de benéfico para a sociedade, fazemo-lo porque queremos encorajá-lo, a ele e aos outros, a fazer o mesmo. Estes motivos são a razão pela qual julgamos as pessoas que infringiram a lei; e são a razão pela qual educamos os nossos filhos e os elogiamos as suas boas acções.
LÁZARO: Como é que isso refuta a minha afirmação de que a culpa e o castigo só fazem sentido se as pessoas forem moralmente responsáveis por aquilo que fazem?
DANIEL: Encorajar as pessoas para agir de um certo modo, tentar modificar os seus padrões de comportamento, e impedi-los de magoar as outras pessoas, não pressupõe que as pessoas sejam moralmente responsáveis por aquilo que fazem. Estas acções pressupõem apenas que há uma forte probabilidade de que o sujeito a quem elas se dirigem seja forçado a agir de outro modo. É por isso que é não de todo absurdo culpar uma pessoa pelos seus delitos, e é por isso que é absurdo culpar uma pedra por ter partido uma janela, apesar de nem a pessoa nem a pedra serem moralmente responsáveis por aquilo que fazem. Tudo o que isto significa é que a culpa, o elogio, e o castigo fazem sentido mesmo que tudo aquilo que fazemos seja causado por acontecimentos sobre os quais nós não temos controlo, e mesmo que nós não sejamos seres moralmente responsáveis.
LÁZARO: Parece-me que discordarias da estratégia de Clarence Darrow de utilizar o determinismo para tentar salvar os seus clientes de serem enforcados.
DANIEL: Claro, tens razão. Ainda que concorde com a crença de Darrow no determinismo, eu não penso que o determinismo possa ser usado como uma desculpa para evitar a culpa e o castigo.
LÁZARO: Concordo contigo quando afirmas que utilizamos a culpa e o castigo para fazer as pessoas mudar o seu comportamento e para proteger as outras pessoas do mal que lhes possa ser infligido. Mas, se isso é tudo o que queremos fazer quando culpamos e castigamos as pessoas, então penso que te esqueces de uma condição crucial para a legitimação do seu uso.
DANIEL: A que condição te referes?
LÁZARO: A condição que nos diz que uma pessoa deve ser culpada e condenada por uma determinada acção apenas se a puder evitar. Supõe, por exemplo, que uma pessoa é forçada, porque tem uma arma apontada à cabeça, a conduzir o carro da fuga de um assalto a um banco. Ou supõe que uma pessoa, acidentalmente, tropeça noutra e que esta, em resultado do choque, parte um braço. Em nenhum destes casos a pessoa poderia evitar a sua acção. Por conseguinte, em nenhum dos casos seria legítimo culpar essa pessoa e afirmar que o que ela fez é moralmente condenável. Nem seria legítimo acusar a pessoa do primeiro exemplo por cumplicidade no assalto a um banco, assim como não seria legítimo acusar a segunda pessoa de agressão. Esta condição é tão amplamente aceite que qualquer concepção de culpa e castigo que a negue deve ser seriamente questionada. Deves notar, também, que a condição da acção evitável torna a culpa e a punição incompatíveis com o determinismo. Se o determinismo fosse verdadeiro, então nada daquilo que fazemos poderia ser diferente; tudo aquilo que fazemos teria de ser feito e não poderia ser evitado. Assim, se o determinismo fosse verdadeiro, a culpabilização e o castigo deveriam ser abandonados uma vez que violariam o requisito da acção evitável.
DANIEL: Concordo contigo quando dizes que o determinismo implica que nada daquilo que fazemos pode ser evitado. Mas isto não significa que a culpa e o castigo deveriam ser abandonadas, e isto porque o princípio da acção evitável não é um requisito necessário para legitimar a culpa e o castigo. Os únicos requisitos são os seguintes: que o comportamento em questão seja indesejável; e que a culpabilização ou a punição ajudem a prevenir esse tipo de comportamento. Estes requisitos não são satisfeitos nos teus dois exemplos, e não o são porque em nenhum dos casos a culpabilização e o castigo ajudam a prevenir as pessoas de fazerem essas coisas. Por exemplo, nós não punimos alguém que, acidentalmente, tropeça e derruba outra pessoa, precisamente porque a culpabilização a e a punição não o impediriam, a ele ou a qualquer outra pessoa, de tropeçar novamente. Por contraste, a culpabilização e o castigo impediriam as pessoas de, deliberadamente, derrubar outras pessoas...
LÁZARO: O que pensas disto tudo Carolina?

Clifford Williams
Retirado de http://www.criticanarede.com/

sábado, 25 de outubro de 2008

LIVRE ARBÍTRIO ii

Parte II
Algumas pessoas pensam que nunca é possível fazermos qualquer coisa diferente daquilo que de facto fazemos neste sentido absoluto. Reconhecem que aquilo que fazemos depende das nossas escolhas, decisões e desejos e que fazemos escolhas diferentes em circunstâncias diferentes. Mas afirmam que, em cada caso, as circunstâncias que existem antes de agirmos determinam as nossas acções e tornam-nas inevitáveis. O total das experiências, desejos e conhecimentos de uma pessoa, a sua constituição hereditária, as circunstâncias sociais e a natureza da escolha com que a pessoa se defronta, em conjunto com outros factores dos quais pode não ter conhecimento, combinam-se todos para fazerem com que uma acção particular seja inevitável nessas circunstâncias.
A ideia não consiste em que podemos conhecer todas as leis do universo e usá-las para prevermos o que irá acontecer. Em primeiro lugar, não podemos conhecer todas as circunstâncias complexas que afectam uma escolha humana. Em segundo lugar, mesmo quando chegamos a saber alguma coisa acerca dessas circunstâncias e tentamos fazer uma previsão, isso já é uma alteração nas circunstâncias, o que pode alterar o resultado previsto. Mas a previsibilidade não é o que está em questão.
A hipótese é que existem leis da natureza, tal como aquelas que governam o movimento dos planetas, que governam tudo o que acontece no mundo.
Se isso é verdade, então mesmo quando estavas a decidir que sobremesa irias comer já estavas determinado pelos muito factores que operavam sobre ti e em ti que irias escolher o bolo. Não poderias ter escolhido o pêssego, apesar de pensares que podias fazê-lo: o processo de decisão é apenas a realização do resultado determinado no interior da tua mente.
Se o determinismo é verdadeiro para tudo o que acontece, já estava determinado antes de nasceres que havias de escolher o bolo. A tua escolha foi determinada pela situação imediatamente anterior, e essa situação foi determinada pela situação anterior a ela, e assim sucessivamente, até ao momento em que quiseres recuar.
Mesmo que o determinismo não seja verdadeiro para tudo o que acontece – mesmo que algumas coisas aconteçam simplesmente, sem serem determinadas por causas que já existiam – continuaria a ser significativo se tudo aquilo que fizemos estivesse determinado antes de o fazermos.
Algumas pessoas pensam que, se o determinismo é verdadeiro, ninguém pode ser razoavelmente elogiado ou condenado por nada, tal como a chuva não pode ser elogiada ou condenada por cair. Outras pessoas pensam que continua a fazer sentido elogiar as boas acções e condenar as más, ainda que elas sejam inevitáveis. Afinal de contas, o facto de alguém estar determinado à partida a comportar-se mal não quer dizer que não se tenha comportado mal. Se rouba os teus discos, isso revela falta de consideração e desonestidade, quer tenha sido determinado, quer não. Além do mais, se não o condenarmos, ou talvez até se não o castigarmos, voltará, provavelmente a fazê-lo.
Por outro lado, se pensarmos que aquilo que fez estava determinado à partida, isso parece-se mais com o castigo de um cão que roeu o tapete. Não quer dizer que o consideramos responsável por aquilo que fez: estamos apenas a tentar influenciar o seu comportamento no futuro. Por mim, não penso que faça sentido condenar alguém por algo que lhe era impossível não fazer.
Muitos cientistas acreditam hoje que o determinismo não é verdadeiro para as partículas básicas da matéria. – que numa dada situação existe mais de uma coisa que um electrão pode fazer. Se o determinismo também não for verdadeiro para as acções humanas, talvez isso deixe algum espaço para o livre arbítrio e para a responsabilidade. E se as acções humanas, ou pelo menos algumas de entre elas, não estiverem determinadas à partida?
Mas o problema reside em que, se a acção não estava determinada à partida pelos teus desejos, crenças e personalidade, entre outras coisas, parece que foi apenas algo que aconteceu, sem qualquer explicação. Mas, nesse caso, como pode ter sido algo feito por ti?
A acção livre limita-se a ser uma característica básica do mundo e não pode ser analisada. Há uma diferença entre algo que aconteceu, sem uma causa, e uma acção que se limita a ser realizada, sem uma causa.
Portanto, talvez o sentimento de que podias ter escolhido um pêssego em vez de uma fatia de bolo seja uma ilusão filosófica, que não podia ser correcta, fosse qual fosse o caso.

NAGEL, Thomas, Que Quer Dizer Tudo Isto? – uma iniciação à filosofia, 2ª edição, 2007. Lisboa: Gradiva, pp. 46-55

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

LIBERDADE

Porque razão está a ler isto?
Porque quer ler. Mesmo que alguém lhe tenha dito para o fazer, não faz diferença: se não quisesse fazer o que lhe disseram, não estaria a ler isto. Mas está a ler. Portanto, em qualquer dos casos, quer queira simplesmente ler quer lhe tenham dito para ler e agora está a ler porque quer fazer o que lhe disseram, está a fazer o que quer. Mas ao ler estará a agir em liberdade? Isto é, será que depende de si o facto de estar a ler?
A resposta pode parecer óbvia. Está a fazer aquilo que quer. Logo, está a fazê-lo em liberdade. Mas será que aquilo que quer depende de si? Quando está a fazer aquilo que quer, está o leitor em controlo – controla os seus quereres – ou será que são os seus quereres que o controlam?
Suponha que tinha ordens para ler isto. Neste caso, iria rapidamente perceber que não tem liberdade, que estaria sob o controlo das ordens. Uma ordem é uma instrução, normalmente verbal. Mas suponha que as ordens não eram dadas sob a forma de instruções mas antes sob a forma de anseios directos que o faziam agir de determinada forma.
Estar sob o controlo de anseios seria mais subtil do que ser controlado por instruções verbais, pois poderia facilmente pensar que os anseios estavam sob o seu próprio controlo. Poderia fingir que esses anseios dependiam de si. Poderia até chamar-lhes quereres. Quando sentia o impulso para fazer X, poderia dizer para si próprio “Eu quero fazer X”. Poderia assim inteligentemente esconder de si próprio o facto de que seja lá o que for o que impulsiona a agir (seja um programa interno ao qual não tem acesso directo ou um programador externo) se encontra escondido porque o leitor tem quereres em vez de ordens. Para o levar a ler isto, por outras palavras, o programa enviar-lhe-ia o querer – uma instrução não verbal – como uma forma de o levar a agir se,m que se apercebesse disso. Neste caso, será que o que o leitor quer depende de si? Seria livre? Parece que não. Teria no máximo apenas a ilusão da liberdade. Fazer o que quer iria mascarar o facto de os seus quereres estarem a controlá-lo, e não o contrário.
Não estará o leitor exactamente nesta situação? O leitor não faz os seus quereres, apenas os tem. Chegam-lhe à sua consciência despoletando vários comportamentos. Mas, se não escolhemos os nossos quereres e se os nossos quereres determinam as nossas escolhas e as nossas escolhas determinam as nossas acções, então, em última análise, as nossas acções não dependem de nós, e, logo, parece que não as executamos em liberdade. Portanto, mesmo que ao ler isto neste momento esteja a fazer aquilo que quer, dado que os seus quereres não dependem de si, ler isto também não depende de si e, assim, parece que não está a ler isto em liberdade.
Suponha-se que, contudo, quer e não quer fazer algo – por exemplo, que quer comer chocolate e ao mesmo tempo também não quer comer chocolate, isto é, que quer resistir ao seu desejo de comer chocolate. O que irá fazer? Bom, qual é o querer mais forte? Irá agir – tem de agir – de acordo com o seu querer mais forte. Assim, o seu comportamento – seja lá o que for que acabe por fazer – será apenas um mero produto de um querer suplantar outro.
Mas se continua a achar que tem liberdade, então pergunte-se a si próprio: se é livre, quando começou a sê-lo? Pois, se é livre agora, deve ter havido uma primeira acção livre. Certamente que não nasceu livre. Quando acabou de nascer reagiu ao ambiente à sua volta de forma basicamente pré-programada. Tal como não escolheu ter dois olhos, um nariz, um cérebro, cada um dos seus membros e assim por diante – nenhuma desta coisas dependeu de si – também não escolheu como reagir à luz, ao calor, à fome, à dor, ou mesmo à cara sorridente da sua mãe. Todos nós iniciámos a vida sem qualquer liberdade. Assim, as nossas acções não podem de modo algum ser livres a menos que tenha havido uma primeira acção livre executada algum tempo depois de termos nascido. Quando ocorreu a sua primeira acção livre? Se não pode ter executado uma primeira acção livre, então também não pode ter executado uma segunda acção livre, ou uma terceira e assim por diante até à sua acção presente de ler estas palavras.

KOLAK, Daniel e MARTIN, Raymond, Sabedoria sem respostas – uma breve introdução à filosofia, 2004. Lisboa: Temas e Debates, pp. 43-47

sábado, 4 de outubro de 2008

Livre-arbítrio, determinismo e responsabilidade moral iv

Parte iv
5. Determinismo moderado
Parece que ficámos encurralados num canto. Temos de rejeitar o determinismo radical porque nega a validade da responsabilidade moral. Mas temos igualmente de rejeitar o libertarianismo, porque se fosse verdadeiro nunca teríamos justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis pelas suas acções.
O problema está na nossa definição de liberdade. Dissemos antes que chamaríamos livre a uma escolha se ela não fosse causada. Mas há uma outra e mais útil concepção de escolha livre. Para ilustrá-lo, imagina os soldados Silva e Nunes de sentinela durante a guerra, Silva depois de 72 horas acordado em batalha e Nunes depois de um bom descanso. Supõe que Silva tenta ao máximo estar acordado, enquanto que Nunes, digamos, por travessura, se deixa deliberadamente dormir. Parece que neste caso deveríamos repreender Nunes por se ter deixado adormecer, mas não Silva, porque Nunes, se quisesse, poderia ter estado acordado, enquanto Silva não poderia, ainda que de facto o desejasse. Nunes deveria ser considerado culpado porque ele quis fazer a acção maldosa, enquanto Silva deve ser considerado inocente ou, pelo menos, ser perdoado, porque ele quis fazer o seu dever, estar acordado e tentou ao máximo fazê-lo. Podemos dizer que Nunes ter adormecido foi um acto livre, porque não foi compelido ― não foi forçado a adormecer "contra a sua vontade". Mas Silva ter adormecido não foi livre, porque ele foi compelido pela fadiga corporal a fazer o que desesperadamente não queria fazer, a saber, adormecer.
Os deterministas moderados consideram a ausência de compulsão, e não a ausência de causa, como o critério da liberdade de escolha. Em termos gerais, defendem que as pessoas agem livremente quando fazem o que querem e escolhem fazer e não agem livremente quando o que fazem é forçado ou compelido. Por outras palavras, de acordo com os deterministas moderados, uma vontade livre é simplesmente uma vontade não-compelida.
Compulsão interna e externa
As acções compulsivas dividem-se em dois tipos, internas e externas, consoante a origem da força compulsiva. A sentinela que tenta ao máximo estar acordada mas apesar disso adormece é vítima de compulsão interna, porque forças psicológicas no interior do seu corpo são a causa de que adormeça. As crianças fechadas nos quartos pelos pais são vítimas de compulsão externa, porque as forças que constrangem o seu comportamento são externas aos seus corpos. Os deterministas moderados defendem que a ausência de compulsão, e não a ausência de causa, é a marca de um acto livre. Todos os actos são causados, mas apenas alguns são compelidos.
Acções determinadas podem ser livres
Recorda agora os três princípios que conduzem ao determinismo radical, a saber, 1) que o determinismo é verdadeiro, pelo que todas as nossas escolhas e acções são determinadas por circunstâncias passadas; 2) que as acções determinadas por circunstâncias passadas não podem ser livres; e 3) que somos moralmente responsáveis apenas por acções livres. Deve ser óbvio neste momento que os deterministas moderados aceitam os princípios 1) e 3) mas rejeitam o princípio 2). Eles chamam a atenção para que, na vida diária, o critério de escolha livre não é a escolha ser não-causada mas antes a escolha ser não-compelida, não forçada, pelo que a pessoa faz o que ele ou ela quer e escolhe fazer. Os deterministas moderados "salvam" assim a ideia de responsabilidade moral e resolvem o problema do livre-arbítrio versus determinismo defendendo que a liberdade necessária para justificar considerar as pessoas moralmente responsáveis pelas suas acções não é a liberdade do determinismo, que nunca temos, mas a liberdade da compulsão, a liberdade para fazer o que queremos fazer, o que com frequência temos.
Razões para aceitar o determinismo moderado
A razão fundamental para aceitar o determinismo moderado é que parece resolver o problema sem violar quaisquer intuições fortemente arreigadas. Ao contrário do libertarianismo, o determinismo moderado é consistente com a tese determinista muito bem estabelecida segundo a qual tudo tem uma causa. Ao contrário do determinismo radical, é consistente com a ideia de que temos justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis pela maior parte das suas acções. Além disto, diz-nos grosso modo as acções pelas quais somos responsáveis (as que não são compelidas) e pelas quais não somos (as que são compelidas) e fornece-nos um critério para decidir em casos particulares (as acções que queremos fazer não são compelidas, ou livres, as acções que não queremos fazer mas fazemos na mesma são compelidas, ou não livres). E fá-lo de um modo tal que está razoavelmente de acordo com a prática diária. Uma vez que, em geral, na vida diária somos desculpados pelas acções compelidas e considerados responsáveis apenas pelas não-compelidas.

Howard Kahane
Retirado de http://www.filedu.com/

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A NOSSA ESCOLHA É A ESCOLHA DO MUNDO

Se a existência precede a essência, o homem, não tendo uma natureza prefixa, faz-se fazendo-se, constrói-se o que é, determina-se essência por aquilo que realiza. Partindo do nada, sem leis inscritas numa vontade divina, abandonado a si, dotado além disso de uma liberdade necessária e total, o homem tem de constituir-se numa Tábua de Valores e de assumi-los em responsabilidade. Escolhe porque tem de escolher; mas escolhendo implica aí o destino dos outros homens, já que à sua escolha, uma vez que a realiza, julga-a por força a melhor para os outros, implica nela uma imagem do homem como julga dever ser. Existindo Deus, haveria apenas que assumir os valores por ele decretados. Mergulhados no mundo, sinais alguns poderão orientar-nos, já que temos de interpretá-los e de assumi-los como sinais orientadores. Daí que a “angústia” se apodere de nós em face de uma responsabilidade total: a nossa “escolha” é a escolha do mundo, como vimos; assim nós somos “responsáveis” por nós e pelos outros. Mas essa “angústia” não é sinal de inibição, de quietismo: é o sinal precisamente da grave responsabilidade que pesa sobre nós como pesa habitualmente sobre um chefe. E é exactamente porque não é quietismo é por isso que a angústia existe: quem não age não corre riscos. Como é exactamente porque se mede a responsabilidade, porque desejamos ser autênticos e jogar-nos integralmente numa acção, que a angústia se apodera de nós. Idêntico sentimento ou tonalidade afectiva nos invade – o “desespero” – pela impossibilidade em que estamos de avaliar previamente todas as consequências dos nossos actos e bem assim a maneira como os outros (que são livres como nós) assumirão esses nossos actos.
Vergílio Ferreira
SARTRE, Jean-Paul; FERREIRA, Vergílio, O Existencialismo é um Humanismo, Lisboa: Bertrand Editora.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Livre-arbítrio, determinismo e responsabilidade moral iii

Parte iii
Não somos responsáveis por acções não-causadas
Vejamos agora o segundo argumento importante a favor do libertarianismo ― que apenas o libertarianismo torna racional a ideia de responsabilidade moral. Supõe que o Silva decide roubar o Banco de Portugal e que ninguém o forçou a fazê-lo (pelo que a sua acção não envolve qualquer compulsão). Para serem consistentes, os libertarianos têm de dizer que só temos justificação para considerar o Silva moralmente responsável pela sua acção se ela não foi causada, nem mesmo pelos seus próprios motivos, desejos ou objectivos.
O problema é que os libertarianos têm ossos no armário. Só faz sentido considerar uma pessoa moralmente responsável por escolhas que resultem pelo menos em parte de necessidades ou desejos que tentou satisfazer fazendo essas escolhas! Esta inversão impressionante da pretensão libertariana é de crucial importância. Para ver a sua força, imagina que és livre em sentido libertariano. Isto é, imagina que as tuas escolhas não são causadas, nem mesmo pelos teus desejos, motivos ou objectivos. Supõe que vais a descer a rua principal quando de súbito puxas de uma pistola e matas alguém a sangue frio. Se te perguntassem por que fizeste essa coisa horrível, que poderias responder? Unicamente que não tens qualquer ideia da razão por que escolheste fazê-la, porque se soubesses a razão, saberias o que te tinha motivado a fazê-la e, assim, saberias (em parte) a causa de o teres feito. (Algumas pessoas diriam que o teu desejo não foi a causa da acção mas antes um efeito do mesmo processo fisiológico que causou a acção.)
Para perceber a ideia, imagina que dizes que mataste porque querias mostrar que te poderias libertar das limitações vulgares das acções humanas, querias quebrar a regra contra o assassinato unicamente para mostrar que podes fazê-lo (tal como há uns anos algumas pessoas corriam nuas unicamente para provar que o podiam fazer). Por conseguinte, o teu desejo de provar isto seria (parte de) a causa da tua acção. Para que o assassinado seja uma acção verdadeiramente livre, nenhum desejo destes ou de qualquer outro tipo pode ter causado a tua escolha. Assim, se te perguntassem por que razão fizeste aquele acto, terias de responder que não tinhas qualquer razão e te limitaste a escolher fazê-lo.
Portanto, se o libertarianismo estivesse correcto, o que escolhes fazer não poderia ser causado pelo teu carácter ou resultar de algum dos teus desejos, motivos ou valores. Não poderia ser causado pela inveja, pelo teu desejo de provar algo, pelo desejo de vingança ou qualquer outra coisa. Não poderia, por conseguinte, ter qualquer ligação efectiva contigo ou com quem tu és. Assim, se as tuas escolhas fossem verdadeiramente não-causadas, seria um erro elogiar-te, censurar-te, recompensar-te ou punir-te pelo que escolhes fazer, o que é precisamente o inverso de aquilo que os libertarianos pretendem.
Podemos escolher livremente os nossos desejos e motivos?
Confrontados com objecções deste tipo, alguns libertarianos admitem que aquilo que queremos é influenciado pelos nossos desejos e motivos, mas defendem que podemos escolher livremente os nossos desejos e motivos ou, pelo menos, decidir com base em quais agir.
Mas é isto correcto? Em primeiro lugar, como mostramos antes, todas as provas parecem indicar que os nossos desejos e motivos são tão causados como tudo o resto. E, em segundo lugar, se fôssemos realmente livres para escolher coisas como desejos, não haveria nenhuma razão para escolhermos um desejo em vez de outro. Não teríamos mais razões para desejar o amor do que o ódio, tartes de maçã do que veneno, a vingança do que crianças ou a vida do que a morte.
Para ver que as coisas são assim, imagina que és livre de escolher os teus próprios desejos, objectivos e motivos ― não com base nos que tens agora, mas a partir do zero. Digamos que escolhes um conjunto A de desejos em vez de um outro conjunto B. Supõe que o conjunto A contém o desejo de assassinar a tua avó e que o fazes. Se te perguntassem por que desejaste fazer uma coisa tão horrível, o que poderias responder? Unicamente que não tens qualquer ideia da razão por que escolheste esse desejo, porque se soubesses a razão, saberias o que te teria motivado a fazê-lo, e estamos a assumir que começaste do zero, isto é, que escolheste sem ter quaisquer desejos ou motivos anteriores. Portanto, se fosses completamente livre para escolher os teus próprios desejos e motivos, livre até dos desejos e motivos que tens efectivamente agora, os desejos que escolherias não teriam a mínima ligação contigo, como defendemos antes. (Não serviria de nada dizer que poderias escolher livremente os teus próprios desejos com base nos desejos que já tens, porque nesse caso os novos desejos alegadamente "escolhidos livremente" derivariam na realidade dos antigos e não da tua escolha livre.)
Podemos nós escolher resistir aos nossos desejos e motivos?
Confrontados com objecções deste tipo, alguns libertarianos admitem que aquilo que queremos é influenciado pelos nossos desejos e motivos e que não podemos escolher os nossos desejos e motivos independentemente dos que já temos. Mas eles argumentam que podemos escolher livremente resistir a agir com base nos nossos motivos e desejos imorais empregando a nossa força de vontade (ou empregando mais força de vontade) e, portanto, somos moralmente responsáveis pelas acções realizadas para satisfazer esses desejos. (Por exemplo, diz-se frequentemente que não nos podemos libertar dos desejos da carne, mas podemos dominar estes desejos se nos esforçarmos bastante.)
Mas a experiência diária assim como as teorias psicológicas indicam que a quantidade de força de vontade que podemos empregar para resistir à tentação de fazer uma acção imoral depende da força relativa do desejo de cometer a acção má comparada com o desejo de fazer aquilo que é moralmente correcto. Por exemplo, se Silva resistirá ou não à tentação de fazer amor com a mulher (que também está disposta) de um amigo depende da força do seu desejo de fazê-lo comparada com o seu desejo de ser leal ao amigo ou de evitar o que acredita ser errado. É-nos tão impossível escolher livremente a intensidade dos nossos desejos quanto escolher livremente os próprios desejos.
Pensa por um momento no que seria escolher a intensidade dos nossos desejos. Supõe que o desejo de Silva por sexo é o dobro da intensidade do seu desejo de ser leal ao seu amigo e que ele escolhe duplicar a intensidade do desejo de ser leal. Se lhe perguntassem por que razão escolheu aumentar a intensidade do seu desejo de ser leal, o que poderia dizer? Tão somente que não tinha qualquer ideia da razão pela qual o escolheu. Em particular, ele não poderia apelar a nenhum motivo ou desejo de o fazer, porque estamos a assumir que escolheu livremente aumentar o seu desejo, o que significa que escolheu fazê-lo sem um motivo ou desejo como causa para o fazer.
Ou então supõe que ele escolhe duplicar a sua vontade de poder, isto é, escolhe resistir à tentação de pecar com duas vezes mais força. Uma vez mais, se lhe perguntassem por que razão escolheu fazê-lo, que poderia ele responder? Ele não poderia apelar a nenhum motivo ou desejo de tentar com mais força porque estamos a assumir que ele escolhe livremente tentar com mais força.
Estamos presos à conclusão de que as nossas escolhas e acções têm de derivar dos nossos desejos e motivos ou, mais exactamente, do nosso carácter. É óbvio que podemos escolher livrarmo-nos, ou intensificar, um desejo particular, mas apenas baseados em outros desejos e motivos que tenhamos. De outro modo, fazê-lo não teria nenhuma ligação com quem somos ― teria caído do céu ― e certamente que não teríamos nenhuma responsabilidade por o ter feito.Parece, então, que o libertarianismo não é satisfatório.

Howard Kahane
Retirado de http://www.filedu.com/

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Livre-arbítrio, determinismo e responsabilidade moral ii

Parte II
4. Libertarianismo
Ao contrário dos deterministas radicais, os libertarianos (com frequência chamados indeterministas) negam que o determinismo seja verdadeiro. O libertarianismo é o ponto de vista segundo o qual as escolhas morais são em geral livres; isto é, não-causadas (ou autocausadas) e que, portanto, temos razões para considerar que as pessoas são moralmente responsáveis pelas suas acções. Isto é outra forma de dizer que o determinismo é falso, pelo que há liberdade da vontade e, portanto, a moralidade faz de facto sentido.
Como é óbvio, os libertarianos sabem que não podemos fazer exactamente qualquer coisa ― é completamente impossível ter poderes sobre-humanos. Mas, afirmam eles, somos geralmente livres nas situações morais típicas em que podemos escolher fazer ou não o mal, que é o que importa para justificarmos a prática da moralidade.
Razões para aceitar o libertarianismo
Há duas razões fundamentais para o libertarianismo ser tão popular. A primeira é a crença em que de outro modo não temos justificação para considerar as pessoas responsáveis pelas suas acções. (Deste modo, os libertarianos concordam com os deterministas radicais em que se as nossas escolhas morais são determinadas, então não são livres.)
Sentimo-nos livres
A segunda razão importante pela qual os libertarianos acreditam que temos vontades livres (não-causadas) é que sentimos que somos livres. Digamos que, em geral, quando escolhemos mentir sentimos que poderíamos ter escolhido não mentir, que a nossa escolha não nos foi imposta pelo que nos aconteceu no passado. Por outras palavras, sentimos que podíamos ter escolhido caminhos verdadeiramente alternativos.
Argumentos contra o libertarianismo
Infelizmente, estas duas defesas libertarianas são defeituosas. Peguemos na segunda ― de acordo com a qual temos uma sensação de liberdade. Mesmo que isto seja verdade (e alguns deterministas também pensam que é) não prova que temos de facto livre-arbítrio, porque muitas sensações são enganadoras (por exemplo, a sensação de que num dia frio o ar está mais frio do que a água da praia). Assim, o simples facto de nos sentirmos livres não é razão suficiente para acreditarmos que somos realmente livres.
Mas poderia ser uma prova de que somos livres, tal como, digamos, sentirmos que partimos um osso é uma prova de que partimos. Não nos sentimos livres quando escolhemos fazer isto em vez de aquilo? Sim, claro. Mas não no sentido relevante de liberto de causas, porque uma causa não pode ser sentida! Portanto, a ausência de causa também não pode ser sentida.
Peguemos num caso em que toda a gente concorda não existir liberdade de escolha ― digamos, um acto reflexo como o movimento automático da perna. Quando o médico bate no lugar certo do joelho do paciente e a sua perna se eleva, ele não sente a causa do movimento da perna ― sente unicamente o movimento da perna. Em casos deste género, certamente que o movimento do nosso corpo é causado, mas não sentimos essa causa. Por que devemos então acreditar que sentimos a ausência de causa? Contudo, para sentirmos uma escolha como livre temos de senti-la como não-causada, temos de sentir a ausência da causa. E isto é algo que não podemos fazer. (Se pensas que podemos, pergunta a ti mesmo que sensação as causas ― enquanto opostas a vontades ― têm.) É verdade que nos podemos sentir compelidos (forçados) ou não-compelidos (não forçados) a fazer certas escolhas. Mas, como veremos quando discutirmos o determinismo moderado, ser compelido é muito diferente de ser causado e não ser compelido muito diferente de não ser causado.

Howard Kahane
Retirado de http://www.filedu.com/

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Livre-arbítrio, determinismo e responsabilidade moral

Parte I
De acordo com um ser extraterrestre tralfamadoriano, no livro Slaughterhouse Five de Kurt Vonnegut, Jr., os tralfamadorianos viajaram até aos confins do universo e só na Terra se fala de livre-arbítrio. Talvez. Mas fala-se mesmo muito.
1. Livre-arbítrio versus determinismo
O problema do livre-arbítrio versus determinismo surge devido a uma aparente contradição entre duas ideias plausíveis. A primeira é a ideia de que os seres humanos têm liberdade para fazer ou não fazer o que queiram (obviamente, dentro de certos limites ― ninguém acredita que possamos voar apenas por querermos fazê-lo). Esta é a ideia de que os seres humanos têm vontade livre ― ou livre-arbítrio. A segunda é a ideia de que tudo o que acontece neste universo é causado, ou determinado, por acontecimentos ou circunstâncias anteriores. Diz-se de aqueles que aceitam esta ideia que acreditam no princípio do determinismo e chama-se-lhes deterministas. (De aqueles que negam esta segunda ideia diz-se que são indeterministas.)
Pensa-se frequentemente que estas duas ideias conflituam porque parece que não podemos ter livre-arbítrio ― as nossas escolhas não podem ser livres ― se são determinadas por acontecimentos ou circunstâncias anteriores.
2. Somos nós sempre responsáveis pelas nossas acções?
Além disso, algumas pessoas defenderam que se tudo o que fazemos é determinado pelo que aconteceu no passado de uma forma tal que as nossas escolhas nunca são livres, então não somos moralmente responsáveis por nenhuma das nossas acções, porque nesse caso não escolhemos livremente fazê-las. Pode esta ideia estar correcta?
Determinismo radical, determinismo moderado e libertarianismo
Na história da filosofia, foram propostos essencialmente três tipos diferentes de respostas a esta questão. Um consiste em morder o isco e aceitar que o determinismo é verdadeiro e, por conseguinte, que a responsabilidade moral não tem sentido. A este ponto de vista chama-se geralmente determinismo radical, e àqueles que o aceitam deterministas radicais. Um segundo ponto de vista é o de que tem efectivamente sentido sustentar que as pessoas são moralmente responsáveis pelas suas acções, porque o determinismo está errado e nós no fim de contas temos livre-arbítrio. Chama-se com frequência libertarianismo a este ponto de vista e aos seus defensores libertarianos. Finalmente, um terceiro ponto de vista é o de que ao aceitarmos o determinismo e a liberdade da vontade não nos contradizemos, pelo que podemos ser considerados moralmente responsáveis pelas nossas escolhas livres embora elas sejam determinadas. Chama-se geralmente determinismo moderado a este ponto de vista e aos seus advogados deterministas moderados.
3. Determinismo radical
Quando examinado, o determinismo radical revela basear-se em três princípios:
1. O princípio do determinismo ― que tudo o que acontece tem uma causa;
2. O princípio de que se uma acção é determinada, então não é livre (a pessoa não poderia realmente ter escolhido não a fazer); e
3. O princípio de que a pessoa é moralmente responsável apenas por acções livres.
Argumentos a favor do determinismo radical
Os deterministas radicais tendem a acreditar que a segunda e a terceira das afirmações necessárias para apoiar a sua posição são óbvias (e o mesmo fazem os libertarianos). Parece-lhes óbvio que as acções determinadas, digamos, pela hereditariedade e pelo ambiente não podem ser acções livremente escolhidas; e igualmente óbvio que as pessoas são apenas responsáveis pelas acções que escolheram livremente. Por isso, os deterministas radicais concentraram o seu fogo no primeiro princípio ― que o determinismo é verdadeiro. Os seus argumentos são muito fortes.
Em primeiro lugar, as provas a favor do determinismo em geral baseadas na vida diária parecem ser extraordinariamente fortes. Quando pomos açúcar no café, esperamos que o café saiba a doce e ficaríamos muito surpreendidos se não soubesse. Quando passeamos, o solo suporta-nos sempre ― não nos enterramos lentamente na terra. Do mesmo modo, a gravidade nunca falha ― nunca flutuamos suavemente até às estrelas. Quando os astronautas vão para o espaço, milhares de peças de equipamento têm de trabalhar de forma exactamente correcta milhões de vezes ― "exactamente correcta" significa exactamente como foi predito pelas teorias científicas acerca das leis da natureza que explicam como as coisas estão determinadas para acontecer.
A verdade é que nós não podemos fazer um movimento sem confiar em pelo menos algo que funcione como funcionou no passado. Assim, cada experiência que temos parece apoiar a tese geral de que tudo o que acontece neste universo é causado ou determinado pelo que aconteceu no passado.
Mas a questão principal entre os deterministas radicais e os seus opositores não é a propósito do determinismo ou da causalidade em geral. A questão diz respeito apenas a um conjunto limitado de acontecimentos ou circunstâncias no universo, a saber, a escolhas e acções humanas, em particular, a escolhas e acções morais. São as nossas acções livres (não-determinadas)? São as nossas escolhas livres? Há suficiente "folga" nas leis que governam o universo para que estas coisas possam acontecer? Os deterministas dizem que não e as provas parecem estar fortemente a seu favor.
Em primeiro lugar, na vida diária fazemos constantemente predições acerca do que as pessoas irão fazer. Como é óbvio, não podemos fazer predições com 100% de precisão, mas as pessoas perspicazes, de algum modo, fazem-nas razoavelmente bem. Elas rotulam as pessoas de pessoas em quem se pode confiar, egoístas, sem escrúpulos, sociáveis, agressivas, hostis, e tudo o mais, com um sucesso moderado que é difícil explicar se as nossas acções e as nossas escolhas não são determinadas.
Além do mais, sabemos pela vida diária quão facilmente podemos alterar os nossos estados e capacidades mentais tomando drogas. É essa a razão do amplo uso do álcool, da marijuana, da cafeína, da nicotina, da aspirina, do Valium, e de outros modificadores da mente ― alteramos as nossas percepções, libertamos as nossas inibições ou livramo-nos da dor. No caso do álcool, com frequência enfraquecemos a vontade moral ou abalamos, por exemplo, a resolução de nos abstermos de relações sexuais imorais. Tudo isto apoia o ponto de vista dos deterministas e opõe-se à ideia de vontades livres (não-causadas).
Além disso, há as provas decisivas da ciência. Os cientistas assumem que as leis da natureza que descobriram se aplicam a tudo no universo, incluindo as minúsculas partículas que constituem o cérebro e o sistema nervoso humanos. Quando escolhemos fazer algo ― digamos, apertar um dedo indicador contra o gatilho de uma arma carregada apontada a um inimigo ―, impulsos eléctricos viajam do cérebro para os músculos apropriados do corpo. Há uma grande quantidade de provas científicas (e nenhumas contraprovas convincentes) de que estes impulsos eléctricos são causados por outros impulsos no cérebro, que em última instância são causados por interacções químicas algures no corpo (por exemplo, em várias glândulas que segregam hormonas e na retina do olho). A noção de uma vontade livre (não-causada) parece assim contraditar alguns princípios científicos muito bem estabelecidos.
Por último, deve ser notado que os indeterministas, tal como todas as outras pessoas, na vida diária agem como se acreditassem realmente em que o determinismo é verdadeiro. Em particular, eles antecipam as escolhas morais das outras pessoas exactamente como toda a gente. E assumem que a exortação moral, o treino moral e a educação moral serão eficazes, embora o objectivo do treino moral seja influenciar as decisões morais dos estudantes. Se as pessoas tomam efectivamente as suas decisões morais libertos de forças causais, como é que o treino moral tem algum efeito?
O argumento contra o determinismo radical
Como vimos, o determinismo radical baseia-se em três princípios. Não o podemos refutar rejeitando o primeiro destes princípios (o princípio do determinismo), como acabámos de defender. Por isso, para refutá-lo, devemos atacar o segundo e o terceiro princípio (embora praticamente ninguém escolha o terceiro). Como veremos, esta é exactamente a forma como os deterministas moderados refutam o determinismo radical. Mas por detrás desta refutação encontra-se um desejo muito forte de que as pessoas sejam responsáveis pelas suas acções e escolhas e uma enorme necessidade de admirar e premiar aqueles que se sacrificam pelo seu dever e de abominar e punir a obra do diabo. E essa é, em última instância, a razão fundamental para rejeitar o determinismo radical. (Seja o que for que alguns filósofos possam afirmar, a verdade é que quando julgamos moralmente os outros não nos importa se as nossas escolhas morais são determinadas ou não ― uma vez mais, repara no comportamento quotidiano de todos, incluindo os deterministas radicais.)

Howard Kahane
Retirado de http://www.filedu.com/

quarta-feira, 4 de junho de 2008

LIVRE-ARBÍTRIO E RESPONSABILIDADE

Imagina-te a descer por uma rua, metido na tua própria vida, enquanto és subitamente confrontado por um assaltante. Sem consideração pelos teus desejos, ou sentimentos na questão, ele deita-te ao chão, tira-te a carteira, e afasta-se calmamente enquanto tu ficas a tratar das tuas feridas. Se existe tal coisa como uma acção livre, esta foi uma. Tu não te limitas a condenar o assaltante; tu e outros procurarão puni-lo, e sentir-se-ão zangados e ressentidos enquanto ele estiver livre. Ele é responsável pela tua perda, pelas tuas feridas, e pela ruína da tua paz de espírito: ele agiu deliberadamente ao causar-te sofrimento, e não se importou senão com o seu proveito próprio.
Imagina um caso ligeiramente diferente. Entregaste o teu filho por um dia ao cuidado de um amigo, tendo sido chamado a outro sítio por um trabalho urgente e sendo a criança demasiado pequena para cuidar de si. Sem má intenção, mas bebendo mais do que devia, o teu amigo deixa a criança entregue a si própria, tendo como resultado ela ser atraída até à estrada e ferida por um carro que passa. Nesta circunstância ninguém agiu deliberadamente para causar o ferimento à criança. Mas o teu amigo foi ainda assim responsável. A negligência dele foi o factor chave na catástrofe, uma vez que negligenciando o seu dever tornou o acidente mais provável. Dizer que ele negligenciou o seu dever é dizer que há coisas que ele deveria ter feito e que deixou por fazer. Estás zangado e ressentido, censura-lo; e atribuis-lhe as culpas pelo acidente à sua porta.
Imagina ainda um outro caso. Pediste a alguém para olhar pela tua criança, o que essa pessoa faz escrupulosamente até que é subitamente chamada por um grito de aflição vindo da casa da porta ao lado. Enquanto ele está ausente, a ajudar o seu vizinho, que teria morrido sem o seu apoio, a tua criança deambula até à estrada e é ferida. Primeiro declaras a responsabilidade do teu amigo, estás zangado e recriminador; mas ficando a saber de todos os factos, ficas a ter o conhecimento de que ele agiu correctamente, dadas as circunstâncias, e que não é portanto de culpar.
Os três casos ilustram a ideia, fundamental a todas as relações humanas. Mostram que uma pessoa pode ser declarada responsável, não apenas por aquilo que faz deliberadamente, mas também pelas consequências daquilo que não faz. E mostram que a responsabilidade é mitigada por desculpas e aumentada pela negligência ou pela indiferença auto-centrada. Se se estudar a lei da negligência ou o conceito geral da “responsabilidade diminuída”, ver-se-á que a distinção absoluta que podemos ser tentados a desenhar, entre acções livres e não livres, não é mais do que um verniz filosófico numa distinção que não é de todo absoluta, mas uma distinção de grau. As pessoas são a matéria de uma constante contabilidade moral, e as nossas atitudes em direcção a elas são moldadas por isso. Este é o âmago da prática social, o qual confere ao conceito de liberdade o seu sentido.
SCRUTON, Roger, Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes, 2007. Lisboa: Guerra e Paz Editores S.A., pp. 122-123

sexta-feira, 30 de maio de 2008

ACÇÃO E RESPONSABILIDADE

As acções “complexas” é que constituem um problema. Entendemos por acções complexas as que produzem efeitos sobre coisas (deslocação, manipulação, transformação, etc.). É o sentido ordinário de agir; actua-se sobre algo: diz-se então que agir é causar uma mudança. Na medida em que uma acção é idêntica às suas consequências, diz-se que o agente é o autor não só dos seus gestos imediatos, mas dos seus efeitos mais longínquos. A atribuição constitui então um problema porque o autor não está nas consequências longínquas como está no seu gesto imediato. De algum modo a acção separa-se do seu autor como a escrita separa o discurso da palavra e dá-lhe um destino distinto do seu autor.
Dizemos que alguém é responsável pelas consequências dos seus actos: dizemo-lo de todas as acções que têm um grau de complexidade suficiente para que se possam distinguir fases (a, b, c, …, n) ou partes e considera a fase inicial como causa da fase terminal (no sentido da atribuição da causalidade) pode então descrever-se a acção de duas maneiras: pode descrever-se como um todo e nomeá-la como tal – diz-se então “A fez X” (matar); mas pode também descrever-se a acção nomeando a parte inicial da acção (“a” = disparar um tiro) e chamar efeito à parte terminal (“n” = fazer morrer); diz-se então “a” causou “n” (causou a morte); assim a estrutura complexa da acção permite adscrever a responsabilidade em termos de causalidade.

RICOEUR, Paul, O Discurso da Acção, 1ª edição, 1988. Lisboa: Edições 70, pp.62-70