domingo, 30 de outubro de 2011

UM INVERNO BEM FRIO

Era outono e os índios da reserva perguntaram ao novo chefe se o inverno ia ser frio. Educado segundo o estilo do mundo moderno, o chefe nunca tinha aprendido os antigos segredos e não fazia ideia se o inverno seria frio ou ameno. Para jogar pelo seguro, aconselhou a tribo a apanhar lenha e preparar-se para um inverno frio. Alguns dias mais tarde, lembrou-se de telefonar para o Serviço nacional de meteorologia e perguntar se previam um inverno frio. O meteorologista replicou que, de facto, pensava que o inverno seria bastante frio. O chefe aconselhou a tribo a armazenar mais lenha.
Duas semanas mais tarde, o chefe ligou de novo para o Serviço de meteorologia.
- Continuam convencidos que o inverno vai ser frio? – perguntou.
- Continuamos – respondeu o meteorologista. Tudo indica que vai ser um inverno muito frio.
O chefe aconselhou a tribo a apanhar toda a lenha que conseguissem encontrar.
Passadas duas semanas, o chefe telefonou uma vez mais para o Serviço de meteorologia e perguntou com pensavam que o inverno seria naquele momento.
- Agora, estamos a prever que será um dos invernos mais frios de que há registo! – informou o meteorologista.
- A sério? – perguntou o chefe. – Como é que podem ter tanta certeza?
-Os Índios andam a apanhar lenha como loucos! – replicou o meteorologista.
CATHCART, Thomas e KLEIN, Daniel, Platão e um ornitorrinco entram num bar…, 1ª edição, 2008.  Lisboa: Publicações D. Quixote, pp. 58-59

TAREFA:
Identifica a falácia que está presente no texto.

O que é uma acção?

A teoria causal da acção
Um bom modo para começar a nossa investigação acerca da natureza da acção é a partir da questão levantada por Wittgenstein: "O que sobra se eu subtrair o facto de o meu braço se ter erguido ao facto de eu ter erguido o meu braço?" (1953: §621). Evidentemente, o teu braço pode ter-se erguido sem que o tenhas feito intencionalmente subir; talvez o teu cotovelo se tenha mexido, alguém puxe por fios amarrados ao teu pulso ou alguém esteja a dar choques eléctricos aos músculos do teu braço. Nem todas as ocasiões em que o teu braço se ergue são ocasiões em que tu agiste: por isso o que marca a diferença entre o erguer do braço que corresponde a acções genuínas das que não o são?

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Lógica informal

A lógica informal é o estudo dos aspectos lógicos da argumentação que não dependem exclusivamente da forma lógica, contrastando assim com a lógica formal, que estuda apenas esses aspectos. Os aspectos lógicos em causa são os que contribuem para a validade e a força da argumentação, distinguindo-se dos aspectos psicológicos, históricos, sociológicos ou outros.
A argumentação é um encadeamento de argumentos. Um argumento é um conjunto de proposições em que se pretende que uma delas (a conclusão) seja justificada ou sustentada pela outra ou outras (a premissa ou premissas). “Argumento”, “inferência” e “raciocínio” são termos aproximados, pois em todos os casos se trata de procurar chegar a uma afirmação com base noutras. Contudo, um argumento é diferente de um raciocínio ou inferência porque envolve a persuasão de alguém (incluindo nós mesmos), ao passo que um raciocínio ou inferência não envolve tal aspecto.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

TAUTOLOGIAS E CONTRADIÇÕES

Há diferentes modos de as afirmações serem verdadeiras ou falsas. Vejamos os seguintes exemplos:
1.    Sócrates era grego.
2.    Sócrates era egípcio.
3.    Se Sócrates era grego, era grego.
4.    Sócrates era e não era grego.
As afirmações 1 e 3 são verdadeiras; 2 e 4 são falsas. Mas há uma diferença crucial entre as afirmações 1 e 3. Essa diferença é a seguinte: a afirmação 1 é verdadeira, mas a sua verdade não pode ser determinada logicamente, ao passo que a verdade da afirmação 3 pode ser determinada logicamente. Isto acontece porque 3 é verdadeira em qualquer circunstância logicamente possível, ao passo que 1 só é verdadeira nas circunstâncias em que Sócrates era grego; diz-se por isso que 3 é uma verdade lógica, ao passo que 1 não o é; chama-se “tautologias” às verdades lógicas.
O mesmo acontece relativamente a 2 e 4; a afirmação 2 é falsa, mas a sua falsidade não pode ser determinada logicamente. Isto acontece porque 4 é falsa em qualquer circunstância logicamente possível, ao passo que 2 só é falsa nas circunstâncias em que Sócrates não era egípcio; diz-se por isso que 4 é uma falsidade lógica, ao passo que 2 não o é; chamam-se “contradições” às falsidades lógicas.
Às afirmações cuja verdade cuja verdade ou falsidade não pode ser determinada unicamente por meios lógicos, como é o caso das afirmações 1 e 2, chama-se “proposições logicamente contingentes”.
MURCHO, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, 2003. Lisboa: Plátano Editora, pp. 53-54

sábado, 15 de outubro de 2011

O QUE É UM ARGUMENTO?

Os filósofos procuram resolver problemas. É por isso que apresentam teorias, ideias ou teses. Estas três coisas não são exactamente o mesmo, mas para simplificar iremos falar apenas de teorias. A diferença é a seguinte: ao passo que uma teoria é uma forma completamente articulada de resolver um problema, uma ideia ou uma tese é algo mais vago. Mas o que há de comum entre as ideias, as teorias e as teses é que todas elas procuram resolver problemas.
Ora, sempre houve boas e más teorias, seja qual for o problema que procuram resolver. As teorias dos filósofos não podem constituir excepção. Assim, também há boas e más teorias filosóficas. Mas, como é óbvio, apenas estamos interessados nas boas teorias filosóficas. Por isso se torna crucial saber distinguir as boas das más teorias. Há duas maneiras de avaliarmos teorias, para procurarmos saber se são boas ou más: 1) podemos procurar saber se a teoria resolve o problema que pretendia resolver, e se essa solução é aceitável; 2) podemos procurar saber quais são os argumentos em que essas teorias se apoiam e verificar se tais argumentos constituem boas razões a favor daquilo que nelas se defende. Assim, 2 obriga-nos a pensar deste modo: «Que razões me dá o autor para aceitar a teoria dele?». E 1 obriga-nos a pensar assim: «Se eu aceitar a teoria dele, consigo explicar melhor o que a teoria procurava explicar, ou consigo resolver o problema que a teoria queria resolver? Será que há alternativas melhores a esta teoria?». Ora, tanto no primeiro como no segundo caso, temos de saber avaliar argumentos. Temos de saber se os argumentos que apoiam a teoria são bons ou não, e temos de saber se são bons ou não os argumentos que mostram que a teoria explica o que queria explicar e resolve o problema que queria resolver.

sábado, 8 de outubro de 2011

O que é a filosofia?

As nossas capacidades analíticas estão muitas vezes já altamente desenvolvidas antes de termos aprendido muita coisa acerca do mundo, e por volta dos catorze anos muitas pessoas começam a pensar por si próprias em problemas filosóficos — sobre o que realmente existe, se nós podemos saber alguma coisa, se alguma coisa é realmente correta ou errada, se a vida faz sentido, se a morte é o fim. Escreve-se acerca destes problemas desde há milhares de anos, mas a matéria-prima filosófica vem directamente do mundo e da nossa relação com ele, e não de escritos do passado. É por isso que continuam a surgir uma e outra vez na cabeça de pessoas que não leram nada acerca deles.

ALEGORIA DA CAVERNA

Depois disto – prossegui eu – imagina a nossa natureza, relativamente à educação ou à sua falta, de acordo com a seguinte experiência. Suponhamos uns homens numa habitação subterrânea em forma de caverna, com uma entrada aberta para a luz, que se estende a todo o comprimento dessa gruta. Estão lá dentro desde a infância, algemados de pernas e pescoços, de tal maneira que só lhes é dado permanecer no mesmo lugar e olhar em frente; são incapazes de voltar a cabeça, por causa dos grilhões; serve-lhes de iluminação um fogo que se queima ao longe, numa eminência, por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros há um caminho ascendente, ao longo do qual se construiu um pequeno muro, no género dos tapumes que os homens dos "robertos" colocam diante do público, para mostrarem as suas habilidades por cima deles.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

ARGUMENTOS SÓLIDOS

Um argumento válido pode ter uma conclusão falsa desde que pelo menos uma das suas premissas seja falsa. Dado que o que interessa na argumentação é chegar a conclusões verdadeiras, os argumentos meramente válidos não têm interesse. É por isso importante compreender a noção de argumento sólido.
Um argumento sólido obedece a duas condições: é válido e as suas premissas são verdadeiras. É impossível que um argumento dedutivo sólido tenha uma conclusão falsa. Vejamos o seguinte exemplo:

Todos os animais ladram.
Os pardais são animais.
Logo, os pardais ladram.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

OPERADORES VEROFUNCIONAIS

A lógica proposicional estuda os argumentos cuja validade depende exclusivamente dos cinco operadores de formação de frases: negação, conjunção, disjunção, condicional e bicondicional. Um operador de formação de frases, a que também se pode chamar “operador proposicional”, é um dispositivo linguístico que serve para gerar frases a partir de outras frases. Por exemplo, pode-se acrescentar o operador de negação à frase “Sócrates é mortal”, obtendo-se assim a frase “Sócrates não é mortal”. A negação é um operador unário: aplica-se a uma só frase. A condicional (“se P, então Q”), bicondicional (“P se, e só se, Q”), conjunção (“P e Q”) e disjunção (“P ou Q”) são operadores binários: aplicam-se a duas frases. Por exemplo, para se poder aplicar o operador “se…, então…” são necessárias duas frases (que podem ser iguais); tomem-se as frases “O João é alto” e “O João é saudável”. Pode-se aplicar o operador a estas duas frases e obtém-se a frase “Se o João é alto, então o João é saudável” (ou sem a repetição desnecessária “Se o João é alto, é saudável”).

domingo, 2 de outubro de 2011

A filosofia não é "adversarial"

Porque em filosofia argumentamos uns com os outros sobre questões filosóficas é natural pensar que a filosofia é um processo "adversarial" [antagónico] como dois advogados (o de acusação e o de defesa) que argumentam um contra o outro num tribunal. Contudo, há duas razões pelas quais esta comparação dos filósofos com os advogados não é boa. Em primeiro lugar, o objectivo de cada advogado é ganhar a causa do seu cliente — quer o seu cliente esteja inocente quer não. Pelo contrário, o objectivo de dois filósofos que se encontrem a argumentar um com o outro é chegar à verdade — seja ela qual for e seja quem for que tenha razão. Como um estudante afirmou, eloquentemente, o objectivo de cada advogado é ganhar a causa, quer ele tenha a verdade quer não, ao passo que o objectivo de cada filósofo é chegar à verdade, quer ele ganhe o argumento quer não. (Sendo os filósofos seres humanos, nem sempre são assim tão imparciais, mas o ideal é este.)
Em segundo lugar, num julgamento há uma autoridade (o juiz ou o júri) que os advogados tentam persuadir, e que em última análise determina se o acusado está ou não inocente. Em filosofia, pelo contrário, não há qualquer juiz ou júri com autoridade para tornar uma posição incorrecta e a outra correcta. Só existimos nós. Claro que alguns de nós sabem mais do que outros sobre questões filosóficas, e o mais sábio é ficar atento e aprender com quem sabe mais do que nós, mas quando chega o momento de tomar decisões relativamente a um tema filosófico somos todos igualmente responsáveis pelas nossas crenças e devemos por isso tomar, cada um de nós, as suas próprias decisões.
Richard E. Creel
Tradução de Desidério Murcho
Thinking Philosophically, Blackwell, Oxford, 2001, p. 88