quinta-feira, 22 de maio de 2008

A INACESSIBILIDADE DA CONSCIÊNCIA DOS OUTROS

Que sabe do seu vizinho do lado? Provavelmente muitas coisas. O seu nome, sexo, talvez a idade, profissão, a sua altura, tom de pele, cor de cabelo e olhos, sabe os seus horários, etc.
Seja qual for o alcance dos seus conhecimentos e dos seus meios de investigação para os obter, há uma coisa, no entanto, que jamais poderá saber do seu vizinho. E essa coisa é a sensação de ser ele. Para saber qual será a sensação de ser o seu vizinho, seria necessário que ocupasse o seu lugar no mundo, no sentido do seu ponto de vista. Para experimentar o que ele experimenta, seria necessário que se metesse dentro dele, que a boca dele fosse a sua boca, as feridas dele, as suas feridas, a dor dele a sua dor. Seria necessário, numa palavra, que a consciência dele lhe fosse acessível. E é isso, precisamente, que não é possível: toda a consciência é irrevogavelmente inacessível às outras consciências.
A subjectividade não está no corpo do mesmo modo que o leite está no frigorífico. Ela é, antes de mais, uma forma singular de estar no mundo. E essa é a razão pela qual aceder ao cérebro do vizinho em nada contribui para aceder ao seu espírito. Mesmo que lhe abra o crânio, tudo a que terá acesso não passa de uma massa cinzenta e mole com inflorescências de couve-flor. Uma observação minuciosa das circunvoluções dos seus dois hemisférios não lhe traria nada de novo. Mesmo que venha a estabelecer uma relação muito precisa entre o que ele afirma representar – o medo, um sabor de ovos recheados, um desejo sexual – e uma configuração cerebral específica, mesmo assim permanecerá no seu exterior.
Não só nunca saberá o que é ser o seu vizinho, como também parece impossível que alguma vez venha a saber se sente as mesmas coisas que o seu vizinho. Nada garante que você e o seu vizinho estejam a experimentar as mesmas coisas quando adoptam comportamentos análogos.
Evidentemente que não é porque a consciência dos outros nos é inacessível que devemos concluir que as sujas sensações internas não têm nada em comum com as nossas, ou que não existe consciência. Mesmo que não possamos provar que os outros têm consciência, ninguém duvida disso. Ainda assim, não deixa de ser perturbador verificar até que ponto aquilo que geralmente damos por adquirido está, na realidade, longe de o ser. Mais do que qualquer outra consideração filosófica, estas hipóteses metafísicas, por muito inauditas e fantasistas que possam parecer, confrontam-nos com os fundamentos das nossas crenças e remetem-nos inexoravelmente para a nossa solidão.

Stéphane Ferret

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