quinta-feira, 29 de maio de 2008

CONHECIMENTO E ACÇÃO

Um primeiro trabalho preparatório consiste em isolar acções como se isolam proposições; assim, o mesmo gesto de levantar o braço, na série de quadros de Giotto na capela Arena de Pádua, significa alternadamente o baptismo de Jordão, o milagre de Caná, a expulsão dos vendilhões do Templo, a saudação à cidade de Jerusalém, etc. A acção “levantar o braço” interpreta-se de cada vez em contextos diferentes.
Mas a distinção principal é a que permite isolar as acções de “base” das acções “mediatas” que sobre elas se edificam. Assim como se conhece algo através de alguma coisa que se conhece directamente, assim também se faz acontecer alguma coisa (mover uma pedra) por meio de uma outra coisa que se faz simplesmente e que desempenha em relação à primeira acção o mesmo papel que a evidência.
Ora, a arquitectura do mediato e do imediato é muito mais fácil de discernir na ordem do conhecer do que na do agir: um homem (m) conhece que s se se satisfazerem três condições: m crê que s (condição representativa), s é verdadeiro (condição semântica), m tem uma prova material (condição explicativa). Esta terceira condição contém a diferença entre conhecimento mediato e imediato: conhecer algo (s) porque se conhece (e) (evidência).
As condições paralelas às do modelo cognitivo são então: m tem a intenção de que a suceda (condição representativa); a acontece (condição semântica); ao fazer b, b é adequado para a (condição explicativa). O paralelismo exprime-se no vocabulário: “através de”, “porque”…, que, por ambos os lados, exclui a relação fortuita e requer a concatenação da explicação. A única diferença entre crença racional e acção racional consiste na inversão do paralelismo: por um lado, explica-se a crença pela evidência; por outro, explica-se o acontecimento pela intenção. Num caso, ligamos as nossas representações às coisas; no outro, as coisas às nossas representações.
RICOEUR, Paul, O Discurso da Acção, 1ª edição, 1988. Lisboa: Edições 70, pp.35-36

2 comentários:

Anónimo disse...

O que significa o quadro? É parecido com os de Magritte.
A desordem das coisas? O sonho? Ou mais terreno - devia estar a dormir em vez de estar a corrigir testes às seis da manhã?
Isabel

Hermes disse...

A maior parte das imagens que utilizo no blog é de um pintor do Canadá, que encontrei nas navegações da Net, Rob Gonsalves representante da escola Magic realism. Mestre da arte fantástica, as suas obras criam ilusões e interagem entre o mundo real e o imaginário fazendo com que o espectador reflicta sobre o que está vendo e tente desvendar os mistérios destas obras. Por isso tem razão quando afirma que ele faz lembrar Magritte, mas também faz lembrar Escher. Eu gosto imenso destes pintores, bem como de Dali, por isso este gosto particular por Rob Gonsalves.
Ora, como interpreto esta pintura?
O branco predominante, cor de luz intensa, mas também cor da loucura. Por isso o quadro representa um paradoxo: a luz e o acto de dormir. Dormir para a luz só pode ser interpretado como um acto de loucura, Mas também ao branco é associado a pureza. Daí a alvura dos lençóis, e a pureza do corpo de quem se entrega ao mundo dos sonhos. O quadro representa, não a continuidade, mas a contradição entre crença e acção, entre saber que há luz e o acto de dormir.
António Paulo