Por que razão havemos de ser morais? Esta pergunta exige razões para agirmos moralmente. Quem faz esta pergunta pode aceitar que é incorrecto matar crianças por prazer, por exemplo. Essa pessoa não quer saber o que, é correcto ou incorrecto; o que ela quer saber é se há alguma razão para fazer o que é correcto ( e para não fazer o que é incorrecto). Do mesmo modo, uma pessoa pode aceitar que, quando se vai à praia, se deve levar toalha; mas essa pessoa pode perguntar que razões há para ir à praia. Analogamente, pode aceitar-se que, se agirmos moralmente, não devemos matar crianças por prazer; mas ao mesmo tempo pode perguntar-se que razões há para agir moralmente.
O que está em causa não é a justificação moral das nossas acções, ou seja, não se trata de explicar por que razão uma dada acção é correcta ou incorrecta. Uma maneira mais simples de compreender o que está em causa é perguntar o seguinte: por que razão não havemos de fazer o que nos apetece, independentemente de ser correcto ou incorrecto? Geralmente, quando agimos, temos em conta unicamente os nossos próprios interesses: vamos à praia porque nos apetece, bebemos água porque temos cede. Mas agir eticamente parece exigir que tenhamos em conta os interesses alheios: no autocarro, cedemos o nosso lugar a uma grávida, a uma pessoa doente ou idosa, não porque nos apeteça ficar de pé, mas porque temos em consideração os seus interesses. Ora, há quem defenda que na realidade toda a acção é egoísta e que o altruísmo é apenas uma ilusão.
Uma pessoa egoísta só tem em conta os seus próprios interesses.
Uma pessoa altruísta tem também em conta os interesses alheios.
Se for verdade que toda a acção é egoísta, as razões para agir eticamente têm de ser egoístas, ou seja, a razão para ceder o nosso lugar no autocarro a um idoso, por exemplo, poderá ser a seguinte: porque queremos que, quando chegarmos nós a idosos, nos façam o mesmo. Assim, para saber por que razão havemos de ser morais, temos de saber primeiro se toda a acção é egoísta.
Em filosofia discutem-se dois tipos de egoísmo:
O egoísmo psicológico (ou descritivo) é a teoria que defende que as pessoas são, de facto, egoístas, ainda que não o reconheçam.
O egoísmo ético (ou normativo) é a teoria que defende que as pessoas têm o dever de ser egoístas.
Quem defende que só a acção por interesse próprio é racional terá de defender que a ética se baseia de alguma forma no egoísmo, para que a acção moral seja racional. Contudo, pode atacar-se o pressuposto de que só a acção por interesse próprio é racional, argumentando ao invés que é a acção exclusivamente egoísta que é irracional.
A estratégia típica de quem defende o egoísmo psicológico é argumentar que todos os comportamentos que parecem altruístas são, de facto, egoístas se os analisarmos cuidadosamente.
Aires Almeida e Desidério Murcho, orgs. (2006) «O Egoísmo», in Textos e Problemas de Filosofia. Lisboa: Plátano Editora, pp.58-9
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