sexta-feira, 2 de abril de 2010

O QUE É A ARTE?


Três teorias sobre um problema central da estética
Aires Almeida
Introdução
Este ensaio apresenta aos estudantes de filosofia os problemas teorias e argumentos da estética, o que será feito da seguinte maneira:
Em primeiro lugar, procurarei mostrar que a estética é uma disciplina heterogénea, a qual tem sido encarada como teoria do belo, como teoria do gosto e como filosofia da arte. Direi muito rapidamente em que consiste cada uma dessas coisas e orientarei o seu interesse para a estética enquanto filosofia da arte, apresentando razões para isso.
Seguidamente, apresentarei as principais noções de base necessárias à discussão crítica dos problemas, teorias e argumentos da filosofia da arte.
Finalmente, apresentarei criticamente, mas de forma abreviada, algumas teorias e argumentos acerca do problema da definição de arte. A escolha das teorias tem por base o seu carácter intuitivo e a convicção de que traduzem de maneira organizada o que os alunos pensam de maneira desorganizada. Essas teorias são as designadas teorias essencialistas: teoria da imitação, teoria da expressão e teoria formalista.
1. O que é a estética?
O ramo da filosofia a que se dá o nome de «estética» inclui um conjunto de conceitos e de problemas tão variado que, aos olhos daquele que se inicia no seu estudo, pode parecer uma matéria demasiado dispersa e inacessível. Essa primeira impressão é compreensível, mas ultrapassável. Uma maneira de desfazer tal impressão é começar por esclarecer que a estética é a disciplina filosófica que se ocupa dos problemas, teorias e argumentos acerca da arte. A estética é, portanto, o mesmo que filosofia da arte.
Mas há um problema com esta forma de apresentar a estética: o termo «estética» não tem sido sempre utilizado nesse sentido. E isso não ocorre apenas em relação ao uso comum da palavra «estética»; ocorre também no interior da própria tradição filosófica.
Na tentativa de desfazer essa dificuldade, a estética é muitas vezes apresentada como a disciplina filosófica que se ocupa dos problemas e dos conceitos que utilizamos quando nos referimos a objectos estéticos. Só que isso pouco adianta se não soubermos antes o que se entende por «objectos estéticos». Podemos, contudo, acrescentar que os objectos estéticos são os objectos que provocam em nós uma experiência estética. Mas, uma vez mais, ficamos insatisfeitos, pois teremos agora de saber o que é uma experiência estética. Resta-nos insistir e perguntar: «O que é uma experiência estética?» Uma resposta possível, mas sem ser circular ― sem voltar ao princípio e afirmar que uma experiência estética é o que resulta da contemplação de objectos estéticos ―, é apresentar alguns exemplos daquilo que consideramos ser juízos estéticos, isto é, juízos acerca de objectos estéticos e que, portanto, exprimem experiências estéticas.
Eis alguns exemplos de frases que habitualmente proferimos e que qualquer pessoa estaria disposta a reconhecer que exprimem juízos estéticos:
F1: «Aquela casa é bonita»
F2: «O vale do Douro é belo»
F3: «O nascer do dia naquela amena manhã de Maio no Gerês com o cheiro a terra molhada e os pássaros a chilrear foi sublime»
F4: «A decoração desta montra está com muito bom gosto»
F5: «O último andamento da 9ª Sinfonia de Beethoven é emocionante»
F6: «O quadro Mulher-cão de Paula Rego é uma verdadeira obra-prima»
F7: «O livro Ulisses de James Joyce é uma obra complexa»
Estas frases parecem trazer de volta a impressão inicial de que os problemas da estética são heterogéneos.
Assim, frases como F1 e F2 exprimem juízos acerca do que se considera ser bonito ou belo, mas nenhuma das outras o faz. Talvez F1 esteja também a referir alguma obra de arte (se essa casa for, por exemplo, a casa da cascata, de Frank Lloyd Wright) o que não acontece com F2.
Por sua vez, frases como F4, F5, F6 e F7 exprimem a opinião de alguém acerca de algo realizado por outras pessoas, mas enquanto as três últimas referem obras de arte, tal não sucede com F4.
Quanto a F3 e F4 sabemos que não está em causa o conceito de belo nem se refere qualquer obra de arte, mas apenas o que sentimos em relação a algo que simplesmente nos agrada. Isso é também o que acontece em relação a F5, só que desta vez a propósito de uma obra de arte.
O que podemos concluir daqui?
Se os nossos exemplos se limitassem a F1 e F2, então a estética seria entendida apenas como teoria do belo, pois o problema parece consistir em saber o que significa «ser belo».
Caso pensemos apenas em F3, F4 e F5, o que temos como problema já não é rigorosamente o do significado de «ser belo» mas o de saber por que razão e sob que condições acabamos por formar esse tipo de juízos, ou seja, juízos de gosto (nesta perspectiva também F1 e F2 podem simplesmente ser tomados como juízos de gosto).
Finalmente, se pensarmos em F1 (pelo menos em certos casos, como o da referida casa da cascata ), F5, F6 e F7, o problema com que nos deparamos não é o do belo, nem sequer o do juízo de gosto, mas sim o problema de saber o que é e como se avalia uma obra de arte.
Estamos, assim, em condições de concluir que a estética pode ser ― o que de resto é mostrado pela sua história ― uma de três coisas: teoria do belo, teoria do gosto ou filosofia da arte.
Deveria também ficar claro que a teoria do belo não exclui completamente do seu domínio muitas das obras de arte e a filosofia da arte não se desinteressa completamente de algumas obras belas, tal como a teoria do gosto se pode aplicar quer a objectos belos, quer a objectos de arte.
Urinol, de Marcel Duchamp (1887-1968)
Mas não devemos confundir teoria do belo, teoria do gosto e filosofia da arte. Até porque há obras de arte que não são belas, como o célebre Urinol, de Marcel Duchamp; há obras de arte de que não gostamos, como acontece comigo em relação à música dos Madredeus, aos quadros de Júlio Pomar, aos livros de José Saramago e aos filmes de Manoel de Oliveira; há coisas belas que não são arte, como um pôr-do-sol natural e a planície alentejana; e há coisas de que gostamos que não são arte nem são belas, como a nossa caminha e melão com presunto.
Isto significa que os objectos que fazem parte da extensão dos conceitos de belo, de gosto e de arte não são os mesmos, pelo que não estamos a discutir os mesmos problemas quando discutimos cada um desses conceitos.
Em que ficamos, então?
Se bem que a estética tenha sido entendida inicialmente como teoria do belo e só depois como teoria do gosto, é como filosofia da arte que ela é actualmente entendida. Vale a pena, ainda que brevemente, apresentar algumas razões para isso:
Em primeiro lugar, tanto a teoria do belo como a teoria do gosto dirigiram o seu interesse de forma particular para as obras de arte. Para além do problema de saber o que é o belo, um dos problemas colocados pela teoria do belo foi o da distinção entre o belo natural e o belo artístico. No mesmo sentido também os defensores da teoria do gosto procuraram compreender porque é que a arte está na origem de grande parte dos nossos juízos de gosto.
Em segundo lugar, a teoria do belo e a teoria do gosto não conseguem dar conta de muitos dos problemas que se colocam com o conceito de arte. É o caso das obras de arte que dificilmente podemos considerar belas e daquelas de que não gostamos mas não podemos deixar de considerar obras de arte.
Em terceiro lugar, o desenvolvimento da arte consegue levantar problemas acerca dos conceitos de belo e de gosto que estes não conseguem levantar acerca da arte. Isso torna-se evidente quando, por exemplo, os gostos e a própria noção de belo se podem modificar à medida que contactamos com diferentes obras de arte (a ideia de que a arte educa os gostos e influencia a nossa própria noção de belo).

Retirado de Textos de Apoio ao Manual A Arte de Pensar, 10º Ano - Didáctica Editora

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