Existe uma coisa que seja o Nada? Podemos dizer que as meias estão na gaveta, ou que nada lá está. Mas, se é possível que nada esteja na gaveta, então o Nada terá, de algum modo de existir. Mas, se assim for, ocupa ao mesmo tempo o mesmo espaço que as coisas que não são nada?
Quantas mãos tem? Duas? Ou será três? A sua mão esquerda, a sua mão direita, e a terceira mão, não existente, que está agarrada à sua cabeça?
É óbvio que esta última “mão” não deve contar. Dizer que não tem uma terceira mão não é dizer que possui uma mão que tem a propriedade da não existência. Estaremos metidos numa grande embrulhada se entendermos afirmações de não existência como significando que existem objectos que têm a propriedade da não existência. Isto porque, se assim não fosse, tais objectos teriam de existir e não existir simultaneamente, o que não pode ser. Assim, quando dizemos que ninguém veio à festa, queremos deste modo negar que alguém tenha vindo à festa – e não afirmar que pelo menos uma pessoa apareceu (a saber, “ninguém”, a “não pessoa”)
Esta confusão torna-se inevitável quando se parte do princípio de que todos os substantivos de uma linguagem referem, necessariamente, coisas. Se partir deste princípio, ao deparar com uma frase como “Nada bate um
às de trunfo”, vê-se forçado a concluir que afinal existe algo que bate o às de trunfo, a saber, nada. Contudo, nem todos os substantivos contribuem da mesma maneira para o sentido de uma frase. Nomeadamente, existem substantivos (como por exemplo”nada”) que não referem coisa alguma, existindo outros (como por exemplo “Manhattan”) que referem.
Concluindo, pensar que nada é algo que compete com uma coisa pelo mesmo espaço denota confusão. Em qualquer espaço dado, ou há uma coisa, ou não há uma coisa. Se não há coisa alguma, se nada lá está, isto não quer dizer que haja lá uma coisa, a saber, uma coisa chamada “Nada”.
GEORGE, Alexander (org), Que Diria Sócrates, 1ª edição, 2008. Lisboa: Gradiva, pp.19-20
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