O tolerante deve tolerar a intolerância?
Há, como sugere, qualquer coisa de paradoxal da tolerância. No entanto, esta aparência de paradoxo dissipa-se se distinguirmos duas coisas diferentes que as pessoas poderão ter em mente quando se discute o que é “tolerar” algo. Há uma acepção de “tolerância” que significa “ser indiferente a”, como por exemplo em “Não percebo porque toleram aqueles pais aquele tipo de comportamento dos seus filhos”. Esta é a acepção que penso que as pessoas terão em mente quando dizem, plausivelmente, que ninguém devia tolerar o racismo, o sexismo, ou, já agora, a intolerância.
Mas esta não é a acepção em que a “tolerância” é uma virtude. O tipo de tolerância que se exige a uma sociedade civil é aquele que reconhece a cada pessoa o direito a decidir por ela própria e a formar as suas próprias opiniões, e que torna ilegítima qualquer tentativa no sentido de coagir a mudar de opinião. Neste sentido, não há incompatibilidade entre tolerar uma crença racista e procura, recorrendo a todos os meios de persuasão legítimos, fazer a pessoa que assim pensa mudar de opinião. É nesta acepção que um indivíduo tolerante deve “tolerar” a intolerância; ao indivíduo tolerante cumpre reconhecer o direito que assiste a outra pessoa de discordar dele sobre o valor da tolerância, ou sobre o direito de outros defenderem determinadas opiniões. Todavia, o indivíduo tolerante não está obrigado a ignorar ou a aceitar a intolerância, e pode fazer o seu melhor para argumentar contra ela sempre que isso se proporciona.
GEORGE, Alexander (org), Que Diria Sócrates, 1ª edição, 2008. Lisboa: Gradiva, pp.103-104
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