O que é a nossa responsabilidade?
Uma grande diferença entre as duas abordagens diz respeito à extensão e natureza da responsabilidade moral do agente confrontado com o dilema de Williams. A ênfase utilitarista nos resultados, que têm a forma de estados de coisas melhores ou piores, sustenta a tese comum de que A será pelo menos parcialmente responsável pelas dezanove mortes caso se recuse a matar uma pessoa. Obviamente, o absolutista nega isto. No que se segue defendo que a noção de responsabilidade é mais complexa do que qualquer uma das partes normalmente admite, o que faz com que nenhuma das posições seja convincente. Sendo assim, quando se aborda o dilema de Williams com a noção de responsabilidade, este não proporciona uma maneira satisfatória de escolher entre o absolutismo moral e o utilitarismo.
O utilitarista espera restringir as escolhas de A a M ou não M, ou seja, a matar a pessoa inocente (e assegurar a libertação das outras dezanove pessoas) ou a recusar-se a fazer M, sabendo que todas as vinte morrerão. É possível defender que no mundo real as escolhas nunca estão tão severamente restringidas. Geralmente, enfrenta-se esta objecção com o uso de cenários de «ilha deserta», como o de Williams, em que o isolamento geográfico é utilizado como dispositivo para limitar as escolhas. Pode-se utilizar outros dispositivos, e o utilitarista pode sempre responder a propostas de terceiras escolhas elaborando o cenário do dilema de uma maneira ad hoc com o objectivo de excluí-las. É impossível saber se esta táctica será sempre convincente, mas vamos presumir que sim de modo a examinar a resposta do absolutista.
Como defende que matar pessoas inocentes é sempre errado, o absolutista recusa-se, naturalmente, a matar ou a aprovar a morte de alguém no dilema de Williams. Além disso, não aceita qualquer responsabilidade pelas vinte mortes que resultarão da sua recusa. O seu argumento é poderoso. «Se eu tivesse pegado na arma e a tivesse usado, teria sido a causa da morte de uma pessoa. Mas como pode alguém causar uma morte (quanto mais vinte!) recusando-se a matar uma pessoa? As mortes das vinte pessoas são causadas pelos seres humanos que usaram voluntariamente as suas armas em pessoas inocentes. A recusa de matar uma das vinte pessoas não é uma maneira de causar, nem mesmo de causar parcialmente, dezanove mortes. Imagine o leitor que compilava uma lista das maneiras pelas quais pode matar alguém e que incluía nela "recusar-se a matar uma pessoa no dilema de Williams". Isso seria uma loucura. Mas, se não sou a causa da morte de ninguém, como pode o utilitarista culpar-me pelas dezanove mortes adicionais? Fui descuidado ou negligente? Recorde-se que me recusei a participar na matança e que deixei clara a minha repugnância. Recusar matar por razões de consciência não é negligência — não é como o esquecimento do mecânico que não apertou as porcas das rodas, nem como o acto descuidado do condutor eufórico que faz um peão numa rua cheia de gente. Não, as minhas mãos estão completamente limpas. Suponha que os parentes dos falecidos me culpavam das mortes. Ou que um tribunal fazia isso. Todos sabemos que não haveria qualquer caso para julgar.»
É fácil ver, poderia prosseguir o absolutista, como o utilitarista se engana. A sua estratégia é concluir que devo matar uma pessoa, pois se não o fizer serei responsável — ou pelo menos parcialmente responsável — por dezanove mortes. Mas a premissa é falsa. A escolha entre matar e não matar uma pessoa inocente, isto é, entre M e não M, é uma escolha entre ser responsável num certo grau pela morte de uma pessoa inocente e não ser de maneira nenhuma responsável por quaisquer mortes de pessoas inocentes. (Considera-se o agente «responsável num certo grau» porque a situação envolve algum constrangimento.) Logo, não M é demonstravelmente a resposta moralmente certa.
A posição do absolutista é claramente forte e muitas pessoas aceitam-na. Tanto quanto sei, até hoje os utilitaristas não conseguiram encontrar uma explicação irresistível que mostre como tu podes ser responsável por dezanove mortes provocadas deliberadamente por outras pessoas diante da tua oposição declarada. Mas será isto o fim da questão? O utilitarista não poderá invocar a responsabilidade de outra maneira para defender a sua posição?
Vale a pena fazer notar de passagem que, se isto é o fim da questão, podemos perguntar se o absolutismo não se revelou tão simplista como o utilitarismo. Agora, não estará o utilitarista autorizado a perguntar: para quê agonizar se só precisamos de obedecer a uma proibição absoluta? Se, como os filósofos defenderam, o utilitarismo é errado porque não consegue explicar as complexidades morais do dilema de Williams, estará o absolutismo em melhor posição de o fazer?
Uma grande diferença entre as duas abordagens diz respeito à extensão e natureza da responsabilidade moral do agente confrontado com o dilema de Williams. A ênfase utilitarista nos resultados, que têm a forma de estados de coisas melhores ou piores, sustenta a tese comum de que A será pelo menos parcialmente responsável pelas dezanove mortes caso se recuse a matar uma pessoa. Obviamente, o absolutista nega isto. No que se segue defendo que a noção de responsabilidade é mais complexa do que qualquer uma das partes normalmente admite, o que faz com que nenhuma das posições seja convincente. Sendo assim, quando se aborda o dilema de Williams com a noção de responsabilidade, este não proporciona uma maneira satisfatória de escolher entre o absolutismo moral e o utilitarismo.
O utilitarista espera restringir as escolhas de A a M ou não M, ou seja, a matar a pessoa inocente (e assegurar a libertação das outras dezanove pessoas) ou a recusar-se a fazer M, sabendo que todas as vinte morrerão. É possível defender que no mundo real as escolhas nunca estão tão severamente restringidas. Geralmente, enfrenta-se esta objecção com o uso de cenários de «ilha deserta», como o de Williams, em que o isolamento geográfico é utilizado como dispositivo para limitar as escolhas. Pode-se utilizar outros dispositivos, e o utilitarista pode sempre responder a propostas de terceiras escolhas elaborando o cenário do dilema de uma maneira ad hoc com o objectivo de excluí-las. É impossível saber se esta táctica será sempre convincente, mas vamos presumir que sim de modo a examinar a resposta do absolutista.
Como defende que matar pessoas inocentes é sempre errado, o absolutista recusa-se, naturalmente, a matar ou a aprovar a morte de alguém no dilema de Williams. Além disso, não aceita qualquer responsabilidade pelas vinte mortes que resultarão da sua recusa. O seu argumento é poderoso. «Se eu tivesse pegado na arma e a tivesse usado, teria sido a causa da morte de uma pessoa. Mas como pode alguém causar uma morte (quanto mais vinte!) recusando-se a matar uma pessoa? As mortes das vinte pessoas são causadas pelos seres humanos que usaram voluntariamente as suas armas em pessoas inocentes. A recusa de matar uma das vinte pessoas não é uma maneira de causar, nem mesmo de causar parcialmente, dezanove mortes. Imagine o leitor que compilava uma lista das maneiras pelas quais pode matar alguém e que incluía nela "recusar-se a matar uma pessoa no dilema de Williams". Isso seria uma loucura. Mas, se não sou a causa da morte de ninguém, como pode o utilitarista culpar-me pelas dezanove mortes adicionais? Fui descuidado ou negligente? Recorde-se que me recusei a participar na matança e que deixei clara a minha repugnância. Recusar matar por razões de consciência não é negligência — não é como o esquecimento do mecânico que não apertou as porcas das rodas, nem como o acto descuidado do condutor eufórico que faz um peão numa rua cheia de gente. Não, as minhas mãos estão completamente limpas. Suponha que os parentes dos falecidos me culpavam das mortes. Ou que um tribunal fazia isso. Todos sabemos que não haveria qualquer caso para julgar.»
É fácil ver, poderia prosseguir o absolutista, como o utilitarista se engana. A sua estratégia é concluir que devo matar uma pessoa, pois se não o fizer serei responsável — ou pelo menos parcialmente responsável — por dezanove mortes. Mas a premissa é falsa. A escolha entre matar e não matar uma pessoa inocente, isto é, entre M e não M, é uma escolha entre ser responsável num certo grau pela morte de uma pessoa inocente e não ser de maneira nenhuma responsável por quaisquer mortes de pessoas inocentes. (Considera-se o agente «responsável num certo grau» porque a situação envolve algum constrangimento.) Logo, não M é demonstravelmente a resposta moralmente certa.
A posição do absolutista é claramente forte e muitas pessoas aceitam-na. Tanto quanto sei, até hoje os utilitaristas não conseguiram encontrar uma explicação irresistível que mostre como tu podes ser responsável por dezanove mortes provocadas deliberadamente por outras pessoas diante da tua oposição declarada. Mas será isto o fim da questão? O utilitarista não poderá invocar a responsabilidade de outra maneira para defender a sua posição?
Vale a pena fazer notar de passagem que, se isto é o fim da questão, podemos perguntar se o absolutismo não se revelou tão simplista como o utilitarismo. Agora, não estará o utilitarista autorizado a perguntar: para quê agonizar se só precisamos de obedecer a uma proibição absoluta? Se, como os filósofos defenderam, o utilitarismo é errado porque não consegue explicar as complexidades morais do dilema de Williams, estará o absolutismo em melhor posição de o fazer?
Gerry Wallace
Tradução de Pedro Galvão
Retirado de Textos de Apoio ao Manual A Arte de Pensar, 10º Ano - Didáctica Editora
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