quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

UMA DEFESA DO UTILITARISMO



Peter Singer
Vou sugerir que o aspecto universal da ética proporciona uma razão persuasiva, ainda que inconclusiva, para adoptarmos, em termos gerais, uma posição utilitarista. […]
Ao aceitar que os juízos éticos têm de ser feitos de um ponto de vista universal, estou a aceitar que os meus interesses não podem, pelo simples facto de serem os meus interesses, contar mais do que os interesses de qualquer outro indivíduo. Assim, a minha preocupação muito natural em defender os meus interesses tem de ser estendida, quando penso eticamente, aos interesses dos outros. Ora, imaginemos que estou a tentar escolher um de dois cursos de acção possíveis — por exemplo, comer todos os frutos que eu próprio colhi ou partilhá-los com outros. Imaginemos também que estou a tomar esta decisão num total vazio ético, que nada sei acerca de quaisquer considerações éticas — estou, por assim dizer, num estádio de pensamento pré-ético. Como me decidiria? Uma coisa relevante seria o modo como os cursos de acção possíveis iriam afectar os meus interesses. Na verdade, […] parece que neste estádio pré-ético só os nossos interesses poderão ser relevantes para a decisão.
Suponha que depois começo a pensar eticamente, ao ponto de reconhecer que os meus próprios interesses não podem contar mais do que os interesses dos outros simplesmente por serem meus. Em vez dos meus próprios interesses, agora levo em conta os interesses de todos os que serão afectados pela minha decisão. Isto exige que eu pondere todos esses interesses e adopte o curso de acção que tenha maior probabilidade de maximizar a satisfação dos interesses de todos os afectados. Assim, pelo menos num certo nível do meu pensamento moral, tenho de escolher o curso de acção que, ponderadas as coisas, terá as melhores consequências para todos os afectados. […]
O modo de pensar que acabei de esboçar é uma forma de utilitarismo. […]
O que mostra tudo isto? Não mostra que o utilitarismo pode ser deduzido do aspecto universal da ética. Existem outros ideais éticos — os direitos individuais, a santidade da vida, a justiça, a pureza e assim por diante — que são universais no sentido exigido, mas que, pelo menos em algumas versões, são incompatíveis com o utilitarismo. Mostra, isso sim, que chegamos muito depressa a uma posição inicialmente utilitarista logo que aplicamos o aspecto universal da ética à tomada de decisões simples, pré-ética. Creio que isto coloca o ónus da prova naqueles que querem ir além do utilitarismo. A posição utilitarista é minimalista, é uma primeira base que atingimos ao universalizar a tomada de decisões baseada no interesse pessoal. Se queremos pensar eticamente, não podemos recusar dar este passo. Se estamos convencidos de que devemos ir além do utilitarismo e aceitar regras morais ou ideais não utilitaristas, temos de apresentar boas razões para dar mais esse passo. Enquanto essas razões não surgem, temos alguns fundamentos para permanecer utilitaristas.

Peter Singer, "Sobre a Ética", 1993, trad. de Pedro Galvão.
Retirado de textos de apoio ao Manual Arte de Pensar - Didáctica Editora

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