Uma resposta utilitarista
Suponhamos que A decide fazer M, isto é, matar a pessoa inocente. O resultado, vamos presumir, será que dezanove pessoas que de outro modo seriam mortas pelo seu captor permanecerão vivas. É concebível que uma das dezanove agradeça a A. «Eu sei que tiveste de fazer uma coisa terrível, mas impediste que mais pessoas morressem. Isso teria sido inútil. Salvaste a minha vida e a dos outros, e estou-te grato. És responsável por eu estar vivo.»
A última afirmação precisa de ser esclarecida. O nosso sobrevivente não está a dizer que A tinha a obrigação de salvar as dezanove pessoas. Pode acreditar nisso, mas não precisa de acreditar. Nem está a sugerir que, se A se tivesse recusado a fazer M, teria sido responsável pelas dezanove mortes. Uma vez mais, tanto pode acreditar nisso como não. O sobrevivente está simplesmente a dizer que A é responsável por ele estar vivo em virtude de A ter feito M. Graças ao que A fez ele está vivo. Obviamente, o sobrevivente não precisa de pensar que tem o direito de lucrar com a morte de outra pessoa. Mas que ele lucrou é algo que, ainda assim, se deve ao facto de A ter morto a pessoa inocente.
Aceitei que o absolutista tem razão quando rejeita, por ser demasiado paradoxal, a perspectiva de que, se ele se recusa a fazer M, torna-se responsável pelas mortes. Por outro lado, como vimos, a tese de que, se fizer M, será responsável por salvar dezanove vidas, é perfeitamente inteligível. É esta assimetria, sugiro, que complica a situação moral, pois, embora seja verdade que A não será responsável por quaisquer mortes caso se recuse a fazer M, ainda assim ele pode pensar que poderá ser responsável por assegurar a sobrevivência de dezanove pessoas. A questão «Deverá ele fazer isso?» é claramente uma questão moral.
Disto resulta, creio, que o debate sobre a responsabilidade no dilema de Williams dificilmente será produtivo. O utilitarista pode reformular a sua posição: se A fizer M poderá ser responsável por salvar dezanove vidas. O utilitarista não está agora a basear-se na responsabilidade negativa, isto é, na ideia de que, se A se recusar a fazer M, será responsável pela morte das vinte pessoas. Por isso, a habitual rejeição absolutista da responsabilidade negativa está, nesta ocasião, fora de questão. Numa perspectiva moral, se A deve ou não tornar-se responsável pela continuação da existência de dezanove pessoas é uma questão em aberto. Se A não matar a pessoa inocente, isso é perfeitamente compreensível, mas também é verdade que ele desperdiçou a possibilidade de salvar dezanove vidas. Se por vezes é moralmente certo tornarmo-nos responsáveis por certos resultados, é concebível que este seja um desses casos. Há muitas diferenças óbvias entre o dilema de Williams e a situação em que alguém decide saltar para cima de uma granada de mão para salvar a vida de outros, mas as situações são semelhantes pelo menos num aspecto importante. Em ambos os casos o agente torna-se responsável por salvar vidas, embora não tivesse sido reponsável pelas mortes caso tivesse agido de maneira diferente.
Conclusão
A minha conclusão é que a refutação do utilitarismo apresentada pelo absolutista (pode-se encontrar uma boa formulação da mesma em Alan Gewirth, «Are there any absolute rights?») é incompleta, pois não leva em conta as diversas maneiras como as questões sobre responsabilidade estão envolvidas no dilema de Williams. No domínio da moral, além de estarmos interessados naquilo por que somos responsáveis, podemos também precisar de considerar aquilo por que podemos tornar-nos responsáveis. Isto não é estar a fazer o juízo moral de que A deve fazer M. A ideia é que, numa perspectiva moral, isso é uma questão em aberto mesmo que concordemos com a rejeição absolutista da responsabilidade negativa.
Segundo a minha interpretação, a escolha entre M e não M não é — como o absolutista tende a representá-la — entre ser responsável e não ser responsável por uma morte inocente. É antes entre não ser reponsável por uma morte ao mesmo tempo que não se minimiza o número de mortes e ser reponsável (pelo menos parcialmente, devido ao constrangimento) pela morte de uma pessoa, mas ser também responsável pela continuação da existência de dezanove. Um aspecto a favor desta interpretação é que ela preserva a estrutura do dilema. Faz com que seja fácil perceber por que razão alguém deve agonizar perante o dilema. Como poderemos decidir se a nossa prioridade deve ser garantir nunca sermos responsáveis por matar uma pessoa ou sermos responsáveis por salvar dezanove matando uma?
Suponhamos que A decide fazer M, isto é, matar a pessoa inocente. O resultado, vamos presumir, será que dezanove pessoas que de outro modo seriam mortas pelo seu captor permanecerão vivas. É concebível que uma das dezanove agradeça a A. «Eu sei que tiveste de fazer uma coisa terrível, mas impediste que mais pessoas morressem. Isso teria sido inútil. Salvaste a minha vida e a dos outros, e estou-te grato. És responsável por eu estar vivo.»
A última afirmação precisa de ser esclarecida. O nosso sobrevivente não está a dizer que A tinha a obrigação de salvar as dezanove pessoas. Pode acreditar nisso, mas não precisa de acreditar. Nem está a sugerir que, se A se tivesse recusado a fazer M, teria sido responsável pelas dezanove mortes. Uma vez mais, tanto pode acreditar nisso como não. O sobrevivente está simplesmente a dizer que A é responsável por ele estar vivo em virtude de A ter feito M. Graças ao que A fez ele está vivo. Obviamente, o sobrevivente não precisa de pensar que tem o direito de lucrar com a morte de outra pessoa. Mas que ele lucrou é algo que, ainda assim, se deve ao facto de A ter morto a pessoa inocente.
Aceitei que o absolutista tem razão quando rejeita, por ser demasiado paradoxal, a perspectiva de que, se ele se recusa a fazer M, torna-se responsável pelas mortes. Por outro lado, como vimos, a tese de que, se fizer M, será responsável por salvar dezanove vidas, é perfeitamente inteligível. É esta assimetria, sugiro, que complica a situação moral, pois, embora seja verdade que A não será responsável por quaisquer mortes caso se recuse a fazer M, ainda assim ele pode pensar que poderá ser responsável por assegurar a sobrevivência de dezanove pessoas. A questão «Deverá ele fazer isso?» é claramente uma questão moral.
Disto resulta, creio, que o debate sobre a responsabilidade no dilema de Williams dificilmente será produtivo. O utilitarista pode reformular a sua posição: se A fizer M poderá ser responsável por salvar dezanove vidas. O utilitarista não está agora a basear-se na responsabilidade negativa, isto é, na ideia de que, se A se recusar a fazer M, será responsável pela morte das vinte pessoas. Por isso, a habitual rejeição absolutista da responsabilidade negativa está, nesta ocasião, fora de questão. Numa perspectiva moral, se A deve ou não tornar-se responsável pela continuação da existência de dezanove pessoas é uma questão em aberto. Se A não matar a pessoa inocente, isso é perfeitamente compreensível, mas também é verdade que ele desperdiçou a possibilidade de salvar dezanove vidas. Se por vezes é moralmente certo tornarmo-nos responsáveis por certos resultados, é concebível que este seja um desses casos. Há muitas diferenças óbvias entre o dilema de Williams e a situação em que alguém decide saltar para cima de uma granada de mão para salvar a vida de outros, mas as situações são semelhantes pelo menos num aspecto importante. Em ambos os casos o agente torna-se responsável por salvar vidas, embora não tivesse sido reponsável pelas mortes caso tivesse agido de maneira diferente.
Conclusão
A minha conclusão é que a refutação do utilitarismo apresentada pelo absolutista (pode-se encontrar uma boa formulação da mesma em Alan Gewirth, «Are there any absolute rights?») é incompleta, pois não leva em conta as diversas maneiras como as questões sobre responsabilidade estão envolvidas no dilema de Williams. No domínio da moral, além de estarmos interessados naquilo por que somos responsáveis, podemos também precisar de considerar aquilo por que podemos tornar-nos responsáveis. Isto não é estar a fazer o juízo moral de que A deve fazer M. A ideia é que, numa perspectiva moral, isso é uma questão em aberto mesmo que concordemos com a rejeição absolutista da responsabilidade negativa.
Segundo a minha interpretação, a escolha entre M e não M não é — como o absolutista tende a representá-la — entre ser responsável e não ser responsável por uma morte inocente. É antes entre não ser reponsável por uma morte ao mesmo tempo que não se minimiza o número de mortes e ser reponsável (pelo menos parcialmente, devido ao constrangimento) pela morte de uma pessoa, mas ser também responsável pela continuação da existência de dezanove. Um aspecto a favor desta interpretação é que ela preserva a estrutura do dilema. Faz com que seja fácil perceber por que razão alguém deve agonizar perante o dilema. Como poderemos decidir se a nossa prioridade deve ser garantir nunca sermos responsáveis por matar uma pessoa ou sermos responsáveis por salvar dezanove matando uma?
Gerry Wallace
Tradução de Pedro Galvão.
Retirado de Textos de Apoio ao Manual A Arte de Pensar, 10º Ano - Didáctica Editora
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