O Desafio de Trasímaco
Trasímaco tem o infortúnio de ser recordado sobretudo a partir da descrição de alguém que o desprezava. Foi um dos sofistas gregos, os professores profissionais que floresceram em Atenas na época de Sócrates. Contrariamente a Sócrates, os sofistas cobravam pelo seu ensino, e Platão não hesita em insinuar que estavam mais interessados no dinheiro do que na verdade. Platão é especialmente duro com Trasímaco, apresentando-o desta forma na Républica:
Enquanto conversávamos «diz Sócrates», Trasímaco tentara interromper-nos com frequência, mas fora impedido de o fazer pelos que estavam sentados junto de si, que queriam escutar o argumento até ao fim. Mas, quando parámos, ele não foi capaz de se conter e, num salto, atirou-se sobre nós como uma fera, como se quisesse fazer-nos em pedaços. Polemarco e eu ficámos assustados enquanto Trasímaco irrompeu e disse: «Que absurdo é este Sócrates?»
O «absurdo» era uma discussão sobre a justiça. Trasímaco estava impaciente porque Sócrates e os seus amigos estavam a presumir que a justiça era algo real e importante. Trasímaco negava isso. Em seu entender, as pessoas acreditavam no certo e no errado apenas por terem sido ensinadas a obedecer às regras da sua sociedade. No entanto, essas regras não passavam de invenções humanas. Trasímaco acrescentou que o código ético de uma sociedade reflectiria os interesses das suas classes dominantes, pelo que as pessoas comuns estavam a ser simplesmente estúpidas quando pensavam ter de «fazer aquilo que está certo».
Trasímaco desafiou Sócrates a provar que a ética tinha um fundamento objectivo. Obviamente, gostaríamos de acreditar que tem esse fundamento. Gostaríamos de pensar que algumas coisas são realmente boas e que outras são realmente más, sejam quais forem as nossas atitudes e convenções sociais. Mas como será possível msotrar isso? No mundo antigo, a ideia de que a ética é apenas uma questão de opinião era um lugar-comum. Com a ascensão da ciência moderna, o cepticismo quanto à ética tornou-se ainda mais atraente. A ciência moderna mostra-nos o mundo como um lugar frio e indiferente que não se importa connosco ou com os nossos projectos. O universo é visto como um domínio de factos alheios ao que está certo ou errado. Como Hume disse,» A vida de um homem não tem mais importância para o universo do que a de uma ostra». Deste modo, parece natural concluir que a ética não pode passar de uma invenção humana. Uma forma de enfrentar o desafio de Trasímaco pode consistir em introduzir noções religiosas. Se o universo foi criado por Deus segundo um plano divino, e se Deus produz mandamentos sobre como devemos viver, podemos encontrar aqui um fundamento objectivo para os nossos juízos sobre o que está certo e errado. Mas suponha-se que pomos de parte esta possibilidade. Haverá alguma forma de defender a objectividade da ética sem invocar considerações religiosas. Veremos que sim. Os argumentos a favor do cepticimo ético não são tão poderosos como parecem.
Problemas da Filosofia, James Rachels, Gradiva (Colecção Filosofia Aberta, pp. 235-7)
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