Será a ética apenas uma questão de convenções sociais?
A ideia de que a ética é apenas uma questão de convenções sociais atraiu sempre as pessoas educadas. Culturas diferentes têm códigos morais diferentes, diz-se, e pensar que há um padrão universal que se aplica em todas as épocas e lugares não passa de uma ingenuidade. É fácil encontrar exemplos. Nos países islâmicos, os homens podem ter mais do que uma mulher. Na Europa medieval, pensava-se que emprestar dinheiro a juros era pecado. Os povos nativos do Norte da Gronelândia por vezes abandonavam as pessoas velhas, deixando-as morrer ao frio. Ao pensar em exemplos como estes, os antropólogos concordam há muito com a afirmação de Heródoto:« O costume é o rei de todos nós.»
Hoje a ideia de que a moralidade é um produto social é atraente por uma razão adicional. O multiculturalismo é agora uma questão importante, especialmente nos Estados Unidos. Dada a posição dominante dos Estados Unidos no mundo, diz-se, e dada a forma como as acções americanas afectam os outros povos, os americanos estão especialmente obrigados a respeitar e a apreciar as diferenças entre culturas. Em particular, diz-se, temos de evitar a suposição arrogante de que os nossos costumes são «certos» e de que os costumes dos outros povos são inferiores. Isto significa, em parte, que devemos abster-nos de fazer juízos morais sobre as outras culturas. Devemos adoptar uma política de vive e deixa viver.
Superficialmente, esta atitude parece esclarecida. De facto, a tolerância é uma virtude importante e é óbvio que muitas práticas culturais não passam de costumes sociais - por exemplo, padrões de vestuário, de alimentação, de organização doméstica.
No entanto as questões fundamentais de justiça são diferentes. Quando pensamos em exemplos como a escravatura, o racismo e os maus tratos infligidos às mulheres, encolher os ombros e dizer «Eles têm os seus costumes e nós temos os nossos» já não parece tão esclarecido. (...)
(...) Temos a ideia, já mencionada, de que devemos respeitar as diferenças entre culturas. Por muito questionáveis que as práticas de outra sociedade possam parecer-nos, temos de reconhecer que as pessoas que vivem nessas culturas têm o direito de seguir as suas próprias tradições. (E acrescentar-se-á, as nossas tradições podem parecer-lhes igualmente questionáveis.) Será isto verdade? Como já observámos, esta ideia exerce uma certa atracção superficial. No entanto, caí por terra quando a analisamos.
Respeitar uma cultura não implica que tenhamos de considerar aceitável tudo o que nela existe. Podemos pensar que uma cultura tem uma história maravilhosa e que produziu grandes obras de arte e ideias belas. Podemos pensar que as suas figuras cimeiras são nobres e admiráveis. Podemos pensar que a nossa própria cultura tem muito a aprender com ela. Ainda assim, isto não significa que tenhamos de considerá-la perfeita. Pode incluir elementos terríveis. A maior parte de nós adopta precisamente esta atitude em relação à sua própria sociedade - se formos americanos, provavelmente pensamos que a América é um grande país, mas que alguns aspectos da vida americana são maus e precisam de ser corrigidos. Por que razão não devemos pensar o mesmo sobre o Paquistão ou a Nigéria? Se o fizermos, estaremos a concordar com muitos paquistaneses e negerianos.
Além disso, é um erro conceber o mundo como uma colecção de culturas discretas e unificadas que existem isoladamente. As culturas sobrepõem-se e interagem.
Problemas da Filosofia, James Rachels- Gradiva, (Colecção Filosofia Aberta, pp 237-240)
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