sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Há boas razões para acreditar que Deus existe? ii


Parte II
O Argumento da Primeira Causa
Os argumentos da primeira causa resultam das nossas observações quotidianas das maneiras pelas quais as coisas ou acontecimentos da vida de todos os dias parecem ser causados para ser ou para ocorrer. Observamos, por exemplo, que pôr açúcar na chávena do café causa a doçura do seu gosto, que pôr água na planta causa o seu crescimento e que riscar um fósforo na presença de oxigénio o faz arder. No entanto, parece impossível explicar a existência de tudo em termos de causa e efeito, porque isso significaria que deveria haver uma série infinita (ou sem fim) de causas, o que parece impossível.
Eis uma maneira pela qual estas ideias têm sido usadas para argumentar a favor da existência de Deus:
1. Na vida de todos os dias, descobrimos que tanto os objectos como os acontecimentos são causados por outros (tal como o crescimento das plantas é provocado pela absorção de nutrientes).
2. Mas uma série infinita de causas desse tipo é impossível porque então não haveria uma primeira causa, e, portanto, não haveria uma segunda, terceira, etc.
3. Logo, deve haver uma primeira causa: Deus.
Objecções ao argumento da Causa Primeira
Em termos aproximados, podemos dizer que um argumento é conclusivo (deve persuadir-nos a aceitar a respectiva conclusão) apenas se satisfaz duas condições:
1. As suas premissas são aceitáveis ou estão justificadas.
2. As suas premissas (justificadas) fornecem provas ou razões suficientes para justificar a aceitação da conclusão (neste caso o argumento é dito válido).
Muitas pessoas que rejeitam o argumento da primeira causa acreditam que argumentos deste tipo sofrem todos de um de dois defeitos: ou as suas premissas são tão inaceitáveis ou questionáveis como as suas conclusões; ou as respectivas conclusões não se seguem validamente das premissas. Por exemplo, uma objecção levantada contra o argumento da primeira causa é o de que a segunda premissa não é aceitável (quase todas as pessoas aceitam a sua primeira premissa). Os matemáticos em particular têm argumentado a favor da possibilidade de séries infinitas de eventos ou causas em termos técnicos e alguns filósofos têm aceitado o seu raciocínio.
Suponhamos, no entanto, que rejeitamos a ideia de que pode haver uma série infinita de causas, de tal modo que ambas as premissas do argumento da causa primeira se tornam aceitáveis. Apesar disso o argumento ainda falharia em ser válido e, portanto, a aceitação da sua conclusão também não se justificaria.
Em primeiro lugar, o argumento apenas provaria que cada série de causas tem uma causa primeira ou incausada, mas não prova que todas as causas sejam parte de uma série única de causas que tenha a única primeira causa, porque é possível que nem todas as causas sejam partes de uma série única de causas. Por outras palavras, o argumento provaria que há uma ou mais causas primeiras, mas não que exista apenas uma.
Em segundo lugar, apenas provaria, no melhor dos casos, que a primeira causa existe, não que essa primeira causa seja Deus. Em vez disso, a primeira causa poderia ter sido o Diabo (um candidato plausível, dada a natureza do universo). E mesmo que o argumento tivesse provado que a primeira causa tinha de ser um deus, não provaria que ele tivesse de ser o seu Deus (se for um crente) ou um deus que encaixasse na imagem padrão que os cristãos, judeus ou muçulmanos têm de Deus. Poderia ser qualquer um dos milhares de deuses diferentes em que os seres humanos acreditam ou, talvez, um em que um ser humano nunca tenha pensado. De facto, o argumento da primeira causa abre a possibilidade de que tenha existido um Deus que criou o universo (ou talvez muitos deuses), mas que agora Deus esteja morto.
Qual é a causa da existência de Deus?
Para além das duas objecções que acabámos de levantar contra o argumento da primeira causa, há uma objecção geral a todas as espécies de provas cosmológicas da existência de Deus. Lembremos que a força do argumento cosmológico reside na ideia de que não é plausível pensar que o universo tenha brotado para a existência apenas por si mesmo. Por outras palavras, parece a muitos crentes que uma coisa tão grandiosa como o universo requer, como seu criador, um ser que seja pelo menos tão grandioso.
Mas esta linha de raciocínio põe-nos em apuros. Se um universo requer um deus para explicar a sua existência, o que explica a existência do próprio Deus? Da mesma maneira, ou Deus existiu desde sempre ou apenas apareceu ou então deve ter tido uma causa. No entanto, é tão implausível pensar que Deus sempre existiu ou que tenha simplesmente surgido, como pensar que também foi assim com o universo. O próprio raciocínio que nos leva a propor um deus como causa do universo deve levar-nos a propor um supradeus como sendo a causa de Deus. E, claro, o supradeus também precisa de uma causa, o suprasupradeus e assim infinitamente.
Portanto, sejam quais forem as voltas que dermos, o que obtemos no fim é igualmente implausível. É tão implausível um deus incausado como um universo incausado, e é tão incrível uma série infinita de causas como uma série infinita de deuses.
Em resumo, podemos desafiar as provas cosmológicas da existência de Deus de, pelo menos, três maneiras importantes. Primeiro, podemos desafiar a ideia de que uma série infinita de causas não seja possível. Segundo, podemos questionar a validade da conclusão de que há apenas uma primeira causa e de que a primeira causa seja Deus. Terceiro, podemos defender que qualquer deus proposto como primeira causa para explicar o universo precisa tanto de uma causa como o próprio universo e, assim, o argumento, se provar a existência de um deus, provará a existência de uma série infinita de deuses.
Os argumentos cosmológicos tentam explicar a existência do universo postulando um criador. Outros argumentos concluem por um deus, não para explicar o universo como um todo mas apenas para explicar alguns dos seus aspectos, tais como a existência do bem ou o facto de o universo ser ordenado em vez de ser caótico.

Howard Kahane

3 comentários:

Nicolai Pessoa disse...

De certa forma seu texto parece querer confirmar o que digo:

Não dá para provar a existência ou inexistência de Deus

Volpi Pessoa

diariodephilosofia.blogspot.com

Hermes disse...

Mas contra a sua afirmação poderei dizer que o facto de na actualidade não se conseguir provar que Deus existe ou que não existe, não se segue que não se conseguirá provar a sua (in)existência.
António Paulo

Nicolai Pessoa disse...

Claro, afirmo isso com base no atual conhecimento sobre a razão humana.

Volpi Pessoa

diariodephilosofia.blogspot.com