domingo, 15 de fevereiro de 2009

Duas perspectivas sobre o problema do mal ii


Parte II
A resposta teísta de Swinburne ao problema do mal
As qualidades de Deus
Em Será que Deus Existe?, Richard Swinburne começa por procurar explicar em que se traduz a afirmação da existência de Deus e como Deus agiria e quais seriam as suas qualidades, se existisse. No primeiro capítulo do livro, intitulado "Deus", Swinburne apresenta as qualidades de Deus, começando por falar da sua omnipotência:
O que o teísta afirma acerca de Deus é que ele, de facto, tem o poder de criar, conservar ou aniquilar o que quer que seja, grande ou pequeno. [...] Deus não está limitado pelas leis da natureza; fá-las e pode mudá-las ou suspendê-las — se assim o escolher. Para usar o termo técnico, Deus é omnipotente: pode fazer tudo. (p. 14)
É também no primeiro capítulo desta obra que Swinburne se refere à liberdade de Deus:
Os seres humanos têm um livre arbítrio limitado. Mas Deus, supostamente, não é limitado desta forma. É perfeitamente livre, no sentido em que os desejos nunca exercem sobre ele qualquer espécie de influência causal. Sendo omnipotente, não só pode fazer tudo o que quiser, como é perfeitamente livre ao fazer as suas escolhas. (p. 15)
Ainda que afirme a omnipotência de Deus, assim como a sua perfeita liberdade de escolha, Swinburne não o faz sem estabelecer um limite para esta omnipotência e para esta liberdade de escolha:
Deus é, portanto, afirma o teísmo, uma pessoa, omnipotente, omnisciente e perfeitamente livre. Mas, chegados a este momento, devemos ter cuidado com o modo como entendemos estas afirmações. Um ser omnipotente pode fazer tudo. Mas significa isso que ele pode fazer o universo existir e não existir ao mesmo tempo, fazer 2 + 2 ser igual a 5, fazer uma forma simultaneamente quadrada e redonda ou mudar o passado? De modo geral, a tradição religiosa tem afirmado que Deus não pode fazer estas coisas; não porque Deus seja fraco, mas porque as palavras — por exemplo, "fazer uma forma simultaneamente quadrada e redonda" — não descrevem nada que faça sentido. Não há nada que pudesse constituir uma forma simultaneamente quadrada e redonda. Faz parte de dizer que algo é quadrado dizer que essa coisa não é redonda. Portanto, em termos técnicos, Deus não pode fazer o que é logicamente impossível (ou que envolva uma autocontradição). Deus pode fazer o universo existir e Deus pode fazer o universo não existir, mas Deus não pode fazer o universo existir e não existir ao mesmo tempo. (pp. 15-16)
Destes elementos pode-se estabelecer que, para este filósofo, Deus é omnipotente e perfeitamente livre, embora, mesmo na sua omnipotência e na sua perfeita liberdade, não possa fazer o que não é logicamente possível fazer. Poder-se-ia objectar que, se a omnipotência de Deus está limitada às possibilidades lógicas, então não é uma omnipotência em sentido próprio, uma vez que o significado de "omnipotência" é o poder ilimitado de fazer tudo. Ainda assim, e porque até faz bastante sentido a explicação que Swinburne oferece quanto à impossibilidade lógica de "fazer o universo existir e não existir ao mesmo tempo", o ateísta terá que conceder neste ponto.
Do mesmo modo que Swinburne afirma que a omnipotência de Deus se circunscreve àquilo que é logicamente possível fazer, ele também afirma que a omnisciência de Deus se limita àquilo que é logicamente possível saber. Assim, segundo este filósofo, Deus não pode saber o que é que uma pessoa fará no dia seguinte, dada a liberdade de escolha e de decisão dessa pessoa. Swinburne afirma que, embora seja omnisciente, Deus não pode saber qual a próxima decisão ou acção de uma pessoa, pois tal não é logicamente possível. Uma vez mais, poderia objectar-se que, se a omnisciência de Deus está limitada àquilo que é logicamente possível saber, então, tal como no que respeita à omnipotência, não é uma omnisciência em sentido próprio, pois quando se diz que um ser é omnisciente, diz-se que esse ser sabe e pode saber tudo. Contudo, ao invocar a liberdade de decisão e de acção das pessoas, Swinburne faz com que tenha também de se ceder neste ponto, uma vez que as pessoas não são absolutamente determinadas e só elas mesmas saberão aquilo que quererão fazer no momento seguinte.

Miguel Moutinho

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