segunda-feira, 21 de julho de 2008

O VALOR DA FILOSOFIA

Parte I
Tendo agora chegado ao fim da nossa análise breve e muito incompleta dos problemas da filosofia, será vantajoso que, para concluir, consideraremos qual é o valor da filosofia e porque deve ser estudada. É da maior necessidade que examinemos esta questão, tendo em conta que muitas pessoas, sob a influência da ciência ou de afazeres práticos, se inclinam a duvidar de que a filosofia seja algo melhor do que frivolidades inocentes mas inúteis, distinções demasiado subtis e controvérsias sobre matérias acerca das quais o conhecimento é impossível.
Esta visão da filosofia parece resultar em parte de uma concepção errada dos fins da vida e em parte de uma concepção errada do género de bens que a filosofia procura alcançar. A física, por meio de invenções, é útil a inúmeras pessoas que a ignoram completamente, pelo que o seu estudo é recomendado, não apenas, ou principalmente, devido ao efeito no estudante, mas sim devido ao efeito na humanidade em geral. A filosofia não tem esta utilidade. Se o estudo da filosofia tem algum valor para os que não estudam filosofia, tem de ser apenas indirectamente, por intermédio dos seus efeitos na vida daqueles que a estudam. Portanto, se o valor da filosofia deve ser procurado em algum lado, é principalmente nestes efeitos.
Mas mais, se não queremos que a nossa tentativa para determinar o valor da filosofia fracasse, temos de libertar primeiro as nossas mentes dos preconceitos daqueles a que se chama erradamente homens "práticos". O homem "prático", como se usa frequentemente a palavra, é aquele que reconhece apenas necessidades materiais, que entende que os homens devem ter alimento para o corpo, mas esquece-se da necessidade de fornecer alimento à mente. Mesmo que todos os homens vivessem desafogadamente e que a pobreza e a doença tivessem sido reduzidas ao ponto mais baixo possível, ainda seria necessário fazer muito para produzir uma sociedade válida; e mesmo neste mundo os bens da mente são pelo menos tão importantes como os do corpo. É exclusivamente entre os bens da mente que encontraremos o valor da filosofia; e somente aqueles que não são indiferentes a estes bens podem ser convencidos de que o estudo da filosofia não é uma perda de tempo.
Como todos os outros estudos, a filosofia, aspira essencialmente ao conhecimento. O conhecimento a que aspira é o que unifica e sistematiza o corpo das ciências e o que resulta de um exame crítico dos fundamentos das nossas convicções, dos nossos preconceitos e das nossas crenças. Mas não se pode dizer que a filosofia tenha tido grande sucesso ao tentar dar respostas exactas às suas questões. Se perguntarmos a um matemático, a um mineralogista, a um historiador ou a qualquer outro homem de saber, que corpo exacto de verdades a sua ciência descobriu, a sua resposta durará o tempo que estivermos dispostos a escutá-lo. Mas se colocarmos a mesma questão a um filósofo, se for sincero terá de confessar que o seu estudo não chegou a resultados positivos como aqueles a que chegaram outras ciências. É verdade que isto se explica em parte pelo facto de que assim que se torna possível um conhecimento exacto acerca de qualquer assunto, este assunto deixa de se chamar filosofia e passa a ser uma ciência separada. A totalidade do estudo dos céus, que pertence actualmente à astronomia, esteve em tempos incluído na filosofia; a grande obra de Newton chamava-se "os princípios matemáticos da filosofia natural". Analogamente, o estudo da mente humana, que fazia parte da filosofia, foi agora separado da filosofia e deu origem à ciência da psicologia. Assim, a incerteza da filosofia é em larga medida mais aparente do que real: as questões às quais já é possível dar uma resposta exacta são colocadas nas ciências, e apenas aquelas às quais não é possível, no presente, dar uma resposta exacta, formam o resíduo a que se chama filosofia.
No entanto, por muito pequena que seja a esperança de descobrir uma resposta, a filosofia tem o dever de continuar a examinar estas questões, a consciencializar-nos da sua importância, a examinar todas as respostas que lhes são dadas e a manter vivo o interesse especulativo pelo universo, que pode ser destruído se nos limitarmos ao conhecimento que podemos verificar com exactidão.
Tradução de Álvaro Nunes
Bertrand Russell, Os Problemas da Filosofia, Oxford University Press, Oxford, 2001, pp. 89-94
Retirado de http://www.criticanarede.com/

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