sábado, 12 de julho de 2008

O “SER” DAS COISAS

Quando eu vejo este papel branco, verifico um “estado de coisa”. Trata-se de facto de uma qualidade que observo no papel. Paralelo ao acto sensível de ver o papel branco, eu consciencializo esse acto de ver e introduzo uma pequena-enorme alteração no acto de ver, realizando uma operação que é ideal e estranha ao acto sensível, e penso “este papel é branco”. Aqui incluo um conceito de ser que não se consegue por reflexão sobre o exemplo verificado, mas que é dado com ele. Quando eu consciencializo que o papel é branco, não é por ter reflectido sobre isso que deduzo o “estado de coisa”: “tal estado de coisa” é dado nesse juízo. Quer dizer: esta consciencialização de que o papel é branco não a deduzo de ver que ele é branco. Porque o que lá está é apenas “o papel branco” ou mais rigorosamente, decerto, um objecto uno em que eu distingo a qualidade de brancura. Mas a afirmação ou a reflexão de que o “papel é branco” é minha, representa ou explicita um certo modo de ver. E no entanto, foi na própria coisa que eu li o “ser” branco do papel. No intuir o papel, eu verifiquei a percepção do “papel e da brancura” com o juízo de que “o papel é branco”. Os princípios lógicos são pois objectivos e subjectivos, existem na coisa e são lá postos por nós, são intrínsecos à coisa e todavia não estão lá - como lá não está o simples conceito de “ser”, pois que o “ser” não existe na realidade.
Vergílio Ferreira
SARTRE, Jean-Paul; FERREIRA, Vergílio, O Existencialismo é um Humanismo, 2004. Lisboa: Bertrand Editora, pp. 24-25

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