sexta-feira, 4 de julho de 2008

CUIDAR DOS NOSSOS FAMILIARES

É fácil compreender que:
a) a evolução é uma questão de transmissão dos nossos genes à geração seguinte; e
b) uma forma de transmitir os nossos genes é ter filhos, e fazer os possíveis para que os nosso filhos sobrevivam.
Não é óbvio que haja outras formas de agir que também aumentarão a sobrevivência dos nossos genes na geração seguinte – em particular, que:
c) possamos aumentar o número dos nossos genes existentes na geração seguinte fazendo os possíveis para garantir a sobrevivência de irmãos, irmãs, sobrinhas, sobrinhos e outros familiares que partilhem muitos dos seus genes connosco.
Uma razão porque algumas pessoas não vêem isto é que os genes que sobrevivem quando os nossos familiares transmitem os seus genes são genes parecidos com os nossos, ou seja, são conjuntos de genes semelhantes aos nossos, e não os nossos genes. Se pensássemos os genes enquanto conjuntos de instruções – semelhantes a programas informáticos – e não enquanto formas físicas nas quais estas instruções se encontram inscritas, deveríamos ser capazes de ver que para a sobrevivência dos nossos genes não faz qualquer diferença que os genes passem através do nosso corpo ou do corpo de outrem com genes semelhantes aos nossos.
É claro que transmitir genes não é o mesmo que copiar programas num computador, pois os computadores fazem cópias exactas, ao passo que a reprodução heterossexual inclui na mistura novos genes e deixa os antigos de fora. É por isso que somos todos diferentes. Numa conversa de ocasião, ao tomar uma bebida, alguém perguntou a Haldane se, enquanto biólogo da evolução, ele poderia alguma vez sacrificar voluntariamente a vida pelo seu irmão. Após um rápido cálculo, o biólogo respondeu que sacrificaria a vida por dois irmãos ou irmãs, quatro sobrinhos ou sobrinhas, ou oito primos direitos.
A base para esta forma de heroísmo peculiarmente calculado é o grau de parentesco entre nós e os nossos familiares ou, para ser mais específico, a percentagem dos nossos genes que partilhamos com eles. As minhas irmãs e os meus irmãos terão, em média, 50 por cento dos meus genes, uma vez que, como eu, têm metade dos genes da minha mãe e metade dos genes do meu pai. Partilho 25 por cento de genes com os meus sobrinhos e sobrinhas e 12,5 por cento com os meus primos direitos. A troca da sua vida pela de oito primos direitos não resultaria em qualquer perda dos seus genes na população total. Assim, salvar as vidas dos meus familiares aumentará, num grau que corresponde à proximidade da relação genética, as probabilidades de sobrevivência de genes como os meus.
Podemos encontrar aqui uma base genética para uma extensão do altruísmo para além dos nossos próprios filhos. Na luta da evolução pela “sobrevivência dos mais aptos”, um gene ou grupo de genes que aumente a probabilidade de eu salvar as vidas dos meus parentes próximos, se tiver a oportunidade de o fazer, tornará o meu genótipo mais “apto” a sobreviver do que se lhe faltasse esse gene ou grupo de genes.
SINGER, Peter, Como Havemos de Viver – a ética numa época de individualismo, 1ª edição, 2006. Lisboa: Dinalivro, pp. 174-176

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