segunda-feira, 14 de julho de 2008

O MITO DE SÍSIFO ii

No capítulo final do seu livro intitulado Good and Evil, Richard Taylor, filósofo americano, recorre igualmente ao mito de Sísifo para explorar a natureza do sentido da vida. Taylor coloca uma questão inteligente: de que forma seria necessário alterar o destino de Sísifo, para conferir sentido à sua vida? Taylor considera duas possibilidades. A primeira é que, em vez de tentar indefinidamente levar a mesma pedra até ao cimo do monte, sem nada que prove o seu esforço, Sísifo poderia empurrar várias pedras até ao cume e construir aí um templo nobre. A segunda é que, embora Sísifo continue a empurra apenas a mesma pedra, e o faça sempre em vão, os deuses, numa disposição perversamente misericordiosa, implantam-lhe um desejo feroz de fazer apenas aquilo que o condenaram a fazer: empurra pedras!
As duas possibilidades de Taylor para conferir sentido à vida de Sísifo têm origem em duas visões diferentes da base da ética. Na primeira, podemos ter uma vida com sentido trabalhando para alcançar metas que são objectivamente merecedoras. Construir um templo que perdure e acrescentar beleza ao mundo é uma dessas metas. Esta perspectiva da ética pressupõe a existência de valores objectivos, de acordo com os quais podemos julgar como bom a criação de grandes obras de arte como os templos da antiga Grécia. A segunda possibilidade encontra sentido não em algo objectivo mas nalguma coisa em nós mesmos: a nossa motivação. Neste caso, são os nossos desejos que determinam se o que fazemos vale a pena. Segundo este ponto de vista, qualquer coisa pode constituir uma actividade com sentido, se a quisermos realizar. Assim, empurrar uma pedra monte acima, apenas para a ver rolar quando nos aproximamos do cume, começar de novo, e fazer a mesma coisa eternamente, não tem nem mais nem menos sentido do que construir um templo, porque o pressuposto aqui é a inexistência de valor ou sentido objectivos, independentemente daquilo que desejarmos. O sentido é subjectivo: uma actividade terá significado para mim se estiver de acordo com os meus desejos; de outro modo, não terá.
SINGER, Peter, Como Havemos de Viver – a ética numa época de individualismo, 1ª edição, 2006. Lisboa: Dinalivro, pp. 342-343

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