quarta-feira, 17 de março de 2010

A TEORIA DA JUSTIÇA DE JOHN RAWLS v


Objecções

A teoria de Rawls não compensa as desigualdades naturais
A concepção comum de igualdade de oportunidades não limita a influência dos talentos naturais. Rawls tenta resolver essa falha através do princípio da diferença. Assim, os mais talentosos não merecem ter um rendimento maior e só o têm se com isso beneficiarem os menos favorecidos. Mas talvez Rawls não tenha resolvido o problema. Talvez a sua teoria da justiça deixe ainda demasiado espaço para a influência das desigualdades naturais. E nesse caso o destino das pessoas continua a ser influenciado por factores arbitrários.
Rawls define os menos favorecidos como aqueles que têm menos bens sociais primários. Imagina agora duas pessoas na mesma posição inicial de igualdade: têm as mesmas liberdades, recursos e oportunidades. Uma das pessoas tem o azar de contrair uma doença grave, crónica e incapacitante. Esta desvantagem natural implica custos na ordem dos 200 euros por mês para medicação e equipamentos. O que oferece a teoria de Rawls a esta pessoa? Como esta pessoa tem os mesmos bens sociais que a outra e os menos favorecidos são definidos em termos de bens sociais primários, a teoria de Rawls não prevê a possibilidade de a compensar. Sobre as desigualdades naturais, apenas é dito que os mais agraciados em talentos pela natureza podem ter um rendimento maior se com isso beneficiarem os menos favorecidos.
O princípio da diferença assegura os mesmos bens sociais primários a esta pessoa doente, mas não remove os encargos causados, não pelas suas escolhas, mas pela circunstância de ter contraído uma doença grave, crónica e incapacitante. A crítica à concepção dominante de igualdade de oportunidades devia ter levado Rawls ao princípio de que as desigualdades naturais, tal como as sociais, devem ser compensadas. Não se vê justificação para tratar as limitações naturais de maneira diferente das sociais. Logo, as desvantagens naturais devem ser compensadas (equipamento, transportes, medicina e formação profissional subsidiadas). A teoria de Rawls enfrenta a objecção de não reconhecer como desejável a tentativa de compensação destas desvantagens.

A teoria de Rawls leva a que certas escolhas subsidiem injustamente outras
A intuição que está por detrás da objecção anterior diz-te que não é justo responsabilizar as pessoas pelas circunstâncias em que por acaso se encontram: um deficiente não é responsável pela sua deficiência e um doente crónico pela sua doença crónica. O outro lado da mesma intuição diz-te agora que não é justo desresponsabilizar as pessoas pelas suas escolhas. Mais uma vez, o recurso a um exemplo pode ajudar-te a compreender melhor o que está em jogo.
Imagina duas pessoas que trabalham na mesma empresa de electrodomésticos. Têm, por isso, os mesmos recursos económicos. Mas também têm em comum os mesmos talentos naturais e antecedentes sociais. Uma delas é apaixonada por futebol e gasta uma parte razoável do seu rendimento nas deslocações permanentes que faz para apoiar o seu clube. Somadas as outras despesas inevitáveis de uma família, nada sobra. Por vezes esta família tem de recorrer a apoio social do estado. A outra resolveu estudar sistemas eléctricos depois do expediente normal de trabalho. Após um período de estudo, compra o equipamento necessário e resolve vender os seus serviços de electricista das seis da tarde às nove da noite. Com muitas horas de trabalho, esforço e competência, duplica o rendimento inicial. O princípio da diferença diz que as desigualdades de rendimento são permitidas se beneficiarem os menos favorecidos. Que consequência tem a sua aplicação a este caso? A consequência de fazer o apaixonado por futebol beneficiar do rendimento do electricista esforçado.
Isto viola a tua intuição de justiça. Parece obviamente justo compensar custos não escolhidos (doenças, deficiências, etc.), mas é obviamente injusto compensar custos escolhidos. E é isso o que acontece neste caso; o princípio da diferença leva a que o electricista esforçado pague do seu bolso a escolha que faz e ainda subsidie a escolha do apaixonado por futebol. Corrói assim a igualdade em vez de a promover: cada um tem o estilo de vida que prefere, mas um vê o seu rendimento aumentado e o outro vê o seu rendimento diminuído através dos impostos com que subsidia o outro. Rawls afirma que a sua teoria da justiça tem a preocupação de regular as injustiças que resultam das circunstâncias, e não das escolhas. Mas porque não faz a distinção entre desigualdades escolhidas e desigualdades não escolhidas, o princípio da diferença viola a tua intuição de que é justo que cada um seja responsável pelos custos das suas escolhas. A não ser assim, que sentido fazem ainda o esforço e a ambição das nossas escolhas pessoais?
As duas objecções precedentes foram apresentadas pelo filósofo Ronald Dworkin. Dada a sua importância central, Dworkin formulou uma teoria que visa explicitamente dar-lhes resposta.

A objecção do jogador de basquetebol
Esta objecção foi apresentada pelo filósofo Robert Nozick. Ao contrário das duas objecções anteriores, não procura melhorar o princípio da diferença de maneira a que respeite cabalmente as nossas intuições morais de igualdade e justiça. O objectivo de Nozick é antes derrubar o princípio da diferença e fazer assentar em bases sólidas o seu princípio da transferência — tudo o que é legitimamente adquirido pode ser livremente transferido. Para isso, formula o contra-exemplo que é a seguir submetido à tua avaliação.
Wilt Chamberlain é um jogador de basquetebol em alta. A sociedade em que vive distribui a riqueza segundo o princípio da diferença ou segundo o princípio "a cada um segundo as suas necessidades", ou então segundo o princípio que achares mais correcto — escolhe o princípio que quiseres. A esta distribuição de riqueza vamos chamar D1. Depois de várias propostas, Wilt Chamberlain decide assinar o seguinte contrato com uma equipa: nos jogos em casa, recebe 25 cêntimos por cada bilhete de entrada. A emoção é grande. Todos o querem ver jogar. Chamberlain joga muito bem. Vale a pena pagar o bilhete. A época termina e 1 milhão de pessoas viu os jogos. Chamberlain ganhou 250 000 euros. O rendimento obtido é bem maior que o rendimento médio. Gera-se assim uma nova distribuição de riqueza na sociedade em questão, a que vamos chamar D2.
Por que razão é este caso um contra-exemplo ao princípio da diferença? Dado que cria uma enorme desigualdade, Nozick pergunta por que razão esta nova distribuição de riqueza é injusta. Na situação D1, as pessoas tinham um rendimento legítimo e não havia protestos de terceiros para que se redistribuísse a riqueza. Nenhuma questão se levantava acerca do direito de cada um controlar os seus recursos. Depois as pessoas escolheram dar 25 cêntimos do seu rendimento a Chamberlain e gerou-se a distribuição D2. Haverá agora lugar a reclamações de terceiros que antes nada reclamavam e que continuam a ter o mesmo rendimento? Que razão há para se redistribuir a riqueza? Que razão tem o estado para interferir no rendimento de Chamberlain cobrando-lhe impostos elevados?
Se concordas com Nozick e aceitas que a situação D2 é legítima, então o seu princípio da transferência está mais de acordo com as tuas intuições do que princípios redistributivos como o princípio da diferença. Mas se assim for, o que fazer em relação às desigualdades naturais que condenam à indigência pessoas cujos talentos naturais não são rentáveis no mercado? Nozick aceita que temos intuições poderosas a favor da compensação de desigualdades não escolhidas; o problema é que os nossos direitos particulares sobre as nossas posses e rendimentos não deixam espaço para direitos gerais. A propriedade é absoluta. E se o é, que meios materiais tem o estado para garantir outros direitos? É a ti que cabe fazer um juízo sobre este problema.
Retirado de Textos de Apoio ao Manual a Arte de Pensar, 10 Ano - Didáctica Editora

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