domingo, 28 de março de 2010

ACÇÃO E ATITUDE



Nelson Goodman
Uma tradição persistente retrata a atitude estética como uma contemplação passiva do imediatamente dado, uma apreensão directa do que é apresentado, não contaminada por qualquer conceptualização, isolada de todos os ecos do passado e de todas as ameaças e promessas do futuro, dispensada de todos os afazeres. Através de ritos de descomprometimento e desinterpretação purificadores vamos procurar uma visão do mundo prístina, imaculada. Dificilmente preciso enumerar os defeitos filosóficos e absurdos estéticos de uma perspectiva destas até alguém ir ao ponto de defender seriamente que a atitude estética apropriada perante um poema equivale a olhar fixamente para a página impressa sem a ler.
Defendi, pelo contrário, que temos de ler a pintura tão bem quanto o poema, e que a experiência estética é dinâmica e não estática. Envolve a discriminação delicada e o discernimento de relações subtis, a identificação de sistemas de símbolos e de caracteres nesses sistemas e o que estes caracteres denotam e exemplificam, interpretar obras e reorganizar o mundo em termos das obras e as obras em termos do mundo. Grande parte da nossa experiência e muitas das nossas competências são chamadas a intervir e podem ver-se transformadas pelo encontro. A "atitude" estética é agitada, inquisitiva, experimentadora — é menos atitude do que acção: criação e recriação.
O que distingue, contudo, tal actividade estética de outros comportamentos inteligentes como a percepção, a conduta corrente e a investigação científica? Uma resposta imediata é que o estético não se dirige a qualquer fim prático, não se ocupando da autodefesa ou da conquista, da aquisição de bens primários ou de luxos, da previsão e do controlo da natureza. Mas se a atitude estética repudia fins práticos, dificilmente a ausência de fins é, mesmo assim, suficiente. A atitude estética é inquisitiva, contrastando com o aquisitivo e a autoprotecção, mas nem toda a investigação que não seja prática é estética. Pensar que a ciência é em última análise motivada por fins práticos, avaliada e justificada por pontes, bombas e o controlo da natureza, é confundir ciência com tecnologia. A ciência procura o conhecimento sem atender a consequências práticas, ocupando-se da previsão enquanto teste da verdade e não enquanto guia do comportamento. A investigação desinteressada compreende simultaneamente a experiência científica e a estética.
Tenta-se muitas vezes distinguir o estético em termos de prazer imediato; mas esta ideia levanta e multiplica problemas. É evidente que a pura quantidade ou intensidade de prazer não pode ser o critério. Não é de forma alguma claro que uma imagem ou poema dá mais prazer do que uma demonstração; e algumas actividades humanas que não têm relação com estas dão suficientemente mais prazer para tornar insignificantes quaisquer diferenças em quantidade ou grau entre vários tipos de investigação. A afirmação de que o prazer estético é de uma qualidade diferente e superior é a esta hora uma escapatória demasiado transparente para ser levada a sério. A inevitável sugestão seguinte — que a experiência estética não se distingue de maneira alguma pelo prazer mas por uma emoção estética especial — pode ser deitada no cesto dos papéis das explicações do tipo das "virtudes dormitivas".

Nelson Goodman, Linguagens da Arte, 1968, trad. de Vítor Moura et at., pp. 255–257.
Retirado de Textos de Apoio ao manual A Arte de Pensar, 10ºAno -Didáctica Editora

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