domingo, 15 de novembro de 2009

PSICOLOGIA



Pode parecer estranho que o argumento básico contra o livre-arbítrio apele a princípios da física. Afinal, é a psicologia, e não a física, que estuda o comportamento humano, pelo que podemos interrogar-nos acerca do que a psicologia tem a dizer. Será que as teorias psicológicas sobre o comportamento humano deixam espaço para a noção de livre-arbítrio, ou será que apoiam o Determinismo?
Antes de nos virarmos para a psicologia, no entanto, vale a pena mencionar como, de várias maneiras, a nossa compreensão de senso comum dos seres humanos contém já elementos favoráveis ao Determinismo. Cada um de nós nasceu de pais específicos numa época e num lugar específicos, e não é preciso pensar muito para compreender que, se essas circunstâncias tivessem sido diferentes, também nós poderíamos ter sido diferentes. Um jovem "escolhe" tornar-se corretor da bolsa — será coincidência que o seu pai tenha sido corretor da bolsa? O que teria ele escolhido se os seus pais tivessem sido missionários?
Sabemos também que as condições sociais influenciam as nossas decisões de formas que escapam à nossa consciência, mas que se revelam nas estatísticas. As condições sociais influenciam a proporção de pessoas que decidem tornar-se engenheiras, mudar-se para a Costa Oeste, jogar golfe e cometer suicídio. (No início dos anos 80 do século passado, por exemplo, descobriu-se que a taxa de suicídio nos Estados Unidos variava directamente com a taxa de desemprego. Além disso, em 1986 um estudo mostrou que há uma maior probabilidade de os adolescentes se suicidarem nos dias que se seguem à cobertura televisiva nacional de histórias de suicídio.) Em cada caso particular, pode parecer que o indivíduo está a fazer uma escolha livre e independente. Todavia, se as circunstâncias sociais se alteram, a proporção de pessoas que tomam essas decisões também muda.
Considere-se um exemplo parecido: nos Estados Unidos, existem hoje dois milhões de pessoas na prisão, e outros doze milhões irão passar provavelmente algum tempo atrás das grades em alguma fase da sua vida. (A América tem a maior taxa de presidiários do mundo.) Um número desproporcionado dos que estão encarcerados são jovens negros ou hispânicos do sexo masculino. Talvez alguns destes homens fossem sempre parar à prisão, mas é óbvio que alguns deles não estariam presos se tivessem vivido em circunstâncias sociais diferentes. Ao nível do indivíduo, pode parecer que cada homem "decidiu livremente" infringir a lei. Talvez isso seja verdade. Ainda assim, é razoável entender que há pessoas dos mais variados tipos que nunca estiveram na prisão e se consideram moralmente superiores, mas que simplesmente têm a sorte de nunca ter vivido em condições sociais em que teriam agido de forma diferente.
James Rachels
Tradução de Pedro Galvão, retirada de Problemas da Filosofia, de James Rachels (Lisboa: Gradiva, Colecção Filosofia Aberta, 2009-pp. 163-4)

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