sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A NOSSA ESCOLHA É A ESCOLHA DO MUNDO

Se a existência precede a essência, o homem, não tendo uma natureza prefixa, faz-se fazendo-se, constrói-se o que é, determina-se essência por aquilo que realiza. Partindo do nada, sem leis inscritas numa vontade divina, abandonado a si, dotado além disso de uma liberdade necessária e total, o homem tem de constituir-se numa Tábua de Valores e de assumi-los em responsabilidade. Escolhe porque tem de escolher; mas escolhendo implica aí o destino dos outros homens, já que à sua escolha, uma vez que a realiza, julga-a por força a melhor para os outros, implica nela uma imagem do homem como julga dever ser. Existindo Deus, haveria apenas que assumir os valores por ele decretados. Mergulhados no mundo, sinais alguns poderão orientar-nos, já que temos de interpretá-los e de assumi-los como sinais orientadores. Daí que a “angústia” se apodere de nós em face de uma responsabilidade total: a nossa “escolha” é a escolha do mundo, como vimos; assim nós somos “responsáveis” por nós e pelos outros. Mas essa “angústia” não é sinal de inibição, de quietismo: é o sinal precisamente da grave responsabilidade que pesa sobre nós como pesa habitualmente sobre um chefe. E é exactamente porque não é quietismo é por isso que a angústia existe: quem não age não corre riscos. Como é exactamente porque se mede a responsabilidade, porque desejamos ser autênticos e jogar-nos integralmente numa acção, que a angústia se apodera de nós. Idêntico sentimento ou tonalidade afectiva nos invade – o “desespero” – pela impossibilidade em que estamos de avaliar previamente todas as consequências dos nossos actos e bem assim a maneira como os outros (que são livres como nós) assumirão esses nossos actos.
Vergílio Ferreira
SARTRE, Jean-Paul; FERREIRA, Vergílio, O Existencialismo é um Humanismo, Lisboa: Bertrand Editora.

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