domingo, 18 de outubro de 2009

O VALOR DA FILOSOFIA

(…) É boa ideia considerar, qual é o valor da filosofia e por que deve ser estudada. É tanto mais necessário considerar esta questão quanto muitos homens, sob a influência da ciência ou da vida prática, têm tendência para duvidar se a filosofia é algo melhor do que inocentes mas inúteis frivolidades, distinções capciosas e controvérsias sobre matérias acerca das quais o conhecimento é impossível.
Esta perspectiva da filosofia parece resultar em parte de uma concepção errada dos fins da vida, e em parte de uma concepção errada do tipo de bens que a filosofia procura atingir. A ciência física é recomendável não apenas, ou primeiramente, por causa do efeito que tem na humanidade em geral. Contudo, a utilidade não pertence à filosofia. Se o estudo da filosofia tem realmente algum valor para alguém além dos estudantes de filosofia, tem de ser apenas indirectamente, através dos seus efeitos nas vidas daqueles que a estudam. É nestes efeitos, consequentemente, e não noutro lado, que o valor da filosofia tem de ser primeiro procurado.
Mas além disso, para que não falhemos na nossa diligência para determinar o valor da filosofia, temos primeiro de libertar as nossas mentes dos preconceitos do que erradamente de chama homens «práticos». O homem «prático», tal como esta palavra se usa frequentemente, é aquele que reconhece apenas bem materiais, que vê que os homens têm de ter alimento para o corpo, mas não presta atenção à necessidade de fornecer alimento para a mente. Se todos os homens tivessem uma boa situação financeira, se a pobreza e a doença tivessem sido reduzidas ao seu ponto mais baixo possível, faltaria ainda fazer muito para produzir uma sociedade valiosa; e, mesmo no mundo que temos, os bens da mente são pelo menos tão importantes quanto os bens do corpo. É exclusivamente entre os bens da mente que o valor da filosofia se encontra; só quem não é indiferente a estes bens pode ser persuadido de que o estudo da filosofia não é uma perda de tempo. A filosofia, como todos os outros estudos, visa primariamente o conhecimento que dá unidade e sistema ao corpo das ciências, e o tipo que resulta de um exame crítico dos fundamentos das nossas convicções, preconceitos e crenças. Mas não se pode defender que a filosofia tem tido um enorme sucesso nas suas tentativas de fornecer respostas definitivas para as suas questões. Se perguntarmos a um matemático, a um mineralogista, a um historiador ou a qualquer outro homem instruído que corpo definitivo de verdades foram estabelecidas pela sua ciência, a sua resposta irá durar tanto tempo quanto estivermos dispostos a ouvir. Mas se fizermos a mesma pergunta a um filósofo, ele irá ter de confessar, se for cândido, que o seu estudo não alcançou resultados positivos como os que foram alcançados pelas outras ciências. É verdade que isto se explica em parte pelo facto de que, mal o conhecimento definitivo sobre qualquer assunto se torna possível, tal assunto deixa de se chamar filosofia, e torna-se uma ciência independente. O estudo dos céus, que agora pertence à astronomia, já esteve todo incluído na filosofia: a grande obra de Newton chamava-se «os princípios matemáticos da filosofia natural». De igual modo, o estudo da mente humana, que era parte da filosofia, foi agora separada da filosofia e tornou-se a ciência da psicologia. Assim, em grande parte, a incerteza da filosofia é mais aparência do que realidade: aquelas questões que são já susceptíveis de respostas definitivas são colocadas nas ciências, ao passo que só permanecem para formar o resíduo a que se chama filosofia, aquelas a que, actualmente, nenhuma resposta definitiva se pode dar.
Contudo, isto é apenas uma parte da verdade com respeito à incerteza da filosofia. Há muitas questões – e entre elas as que são do mais profundo interesse para a nossa vida espiritual – que, tanto quanto podemos ver, têm de continuar insolúveis pelo intelecto humano a menos que os seus poderes passem a ser de uma ordem deveras diferente do que são agora. Tem o universo alguma unidade ou plano ou propósito, ou é uma confluência fortuita de átomos? É a consciência uma parte permanente do universo, dando a esperança de um crescimento sem fim em sabedoria, ou é um acidente transitório num pequeno planeta no qual a vida terá de acabar por se tornar impossível? São o bem e o mal importantes para o universo ou apenas para o homem? Tais questões são levantadas pela filosofia, e respondidas de modos diversos por filósofos diversos. Mas parece que, sejam as respostas susceptíveis de ser descobertas de outro modo ou não, nenhuma das respostas sugeridas pela filosofia são demonstrativamente verdadeiras. Contudo, por mais pequena que seja a esperança de descobrir uma resposta faz parte da actividade filosófica continuar a considerar tais questões, para nos tornar cientes da sua importância, para examinar todas as suas abordagens e para manter vivo aquele interesse especulativo no universo que é susceptível de ser liquidado se nos confinarmos ao conhecimento que pode ser definitivamente estabelecido.

Bertrand Russell, Os Problemas da Filosofia, Edições 70 – Abril 2008, pp 213-216.

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