quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Aparência e Realidade


Haverá algum conhecimento no mundo que seja tão certo que nenhum homem razoável possa dele duvidar? Esta pergunta que à primeira vista pode não parecer difícil, é na realidade uma das mais difíceis que se pode fazer. Quando nos dermos conta dos obstáculos que se levantam a uma resposta fácil e confiante, estaremos já bem lançados no estudo da filosofia – pois a filosofia é apenas a tentativa de responder a questões últimas deste género não de modo descuidado e dogmático, como fazemos na vida comum e até nas ciências, mas criticamente, depois de explorar tudo o que gera perplexidade nessas perguntas, e depois de tomar consciência de toda a vagueza e confusão que subjaz às nossas ideias comuns.
Na vida quotidiana pressupomos como certas muitas coisas que, num escrutínio mais atento, se revelam tão cheias de aparentes contradições que só uma grande quantidade de pensamento nos permite saber em que podemos realmente acreditar. Na procura da certeza, é natural começar pelas nossas experiências presentes e, num certo sentido, sem dúvida que delas será derivado conhecimento. Mas qualquer afirmação sobre o que as nossas experiências imediatas nos fazem saber está muito provavelmente errada. Parece-me que estou agora sentado numa cadeira, a uma secretária de uma certa forma, na qual vejo folhas de papel escritas ou impressas. Mas ao virar a cabeça vejo para lá da janela edifícios e nuvens e o Sol. Acredito que o Sol está cerca de cento e cinquenta milhões de quilómetros de distância da Terra; que é um globo quente muito maior do que a Terra; que, devido à rotação da Terra, nasce todas as manhãs e continuará no futuro a fazê-lo por um período indeterminado de tempo. Acredito que se qualquer outra pessoa normal entrar na minha sala, verá as mesmas cadeiras e secretárias e livros e papéis que eu vejo, e que a secretária que vejo é a mesma que a secretária cuja pressão sinto contra o meu braço. Tudo isto parece tão evidente que nem parece valer a pena afirmá-lo, excepto para responder a um homem que duvide que eu saiba alguma coisa. Contudo, de tudo isto se pode razoavelmente duvidar e tudo exige muita discussão cuidadosa antes de podermos ter a certeza de que o afirmámos de uma forma que seja inteiramente verdadeira.

Bertrand Russell, Os Problemas da Filosofia, Edições 70, Abril de 2008

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