terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Kant: o princípio da acção moral ii


Parte II
O princípio da universalidade
A teoria moral de Kant concilia a ideia de que os deveres morais são criações dos indivíduos e a ideia de que a moral é universal, comum a todos. Esta ideia pode surpreender-nos: não é verdade que "cada cabeça, cada sentença"?
A acção correcta é decidida pelo indivíduo quando adopta uma perspectiva universal. Como? Abstraindo dos seus interesses, a pessoa pensará como qualquer outra que também faça abstracção dos seus interesses adoptando, portanto, uma perspectiva universal.
Regressa ao exemplo dado e verifica que qualquer pessoa que abstrai dos seus interesses e pensa imparcialmente faz o mesmo: é honesta e devolve os 50 €. Aplica a mesma ideia a deveres morais comuns como "Cumpre as promessas", "Paga o que deves", "Sê leal", "Não roubes" e verifica, com Kant, que só o interesse e a parcialidade do agente podem levar à violação de tais regras ou deveres morais. Eliminada a parcialidade, pensamos segundo uma perspectiva universal e aprovamo-las. Kant exprimiu esta ideia numa fórmula conhecida por princípio da universalizabilidade:
"Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal."
Uma máxima é uma regra que deve valer para certos tipos de acção e será moral ou imoral consoante esteja ou não de acordo com o princípio moral, que é uma regra que deve valer para todas as acções. A máxima da acção a) poderia enunciar-se assim "Se isso servir os teus interesses, não devolvas dinheiro ao seu dono." Poderia Silva querer que ela fosse universalmente acatada? Não, porque a obediência universal a tal regra criaria um estado de coisas terrível em que mesmo os seus interesses acabariam por ser lesados… Tenta transformar outras violações dos deveres em máximas e pergunta se podes querer que todos as cumpram. Pode o ladrão querer que todos roubem quando a oportunidade surge? Podes querer que todos façam promessas sem a intenção de cumprir?
O princípio da autonomia
Se juntares agora o princípio da universalizabilidade e o esclarecimento da origem dos deveres, compreenderás a ideia surpreendente de Kant de que nas decisões morais nós somos legisladores criando regras válidas para todos os seres racionais.
Esta ideia também pode parecer estranha porque nos parece que os deveres não estiveram à nossa espera para serem criados. Pensamos que são as tradições que constituem listas de deveres apoiadas em sistemas de punições e recompensas. Mas, aceitar esta teoria implica afirmar que a acção c) é impossível porque, nesse caso, Silva só poderia agir por causa do seu interesse em evitar punições ou de ser recompensado e, em consequência, a nossa aprovação moral de c) não teria sentido. Se aceitarmos os princípios já expostos, conclui Kant, aceitamos que em cada juízo ou decisão moral, o sujeito determina o dever. O facto de esses deveres coincidirem com alguns dos deveres tradicionais explica-se pela universalidade da razão. Kant sublinhou esta ideia de autonomia do sujeito em outras fórmulas do princípio moral:
"Age como se a máxima da tua acção se devesse tornar, pela tua vontade, em lei universal da natureza."
"Age… de tal maneira que a vontade pela sua máxima se possa considerar a si mesma ao mesmo tempo como legisladora universal."
A fórmula da universalizabilidade ainda poderia sugerir que quando decide moralmente, o sujeito escolhe entre máximas que ele não criou mas que já estão disponíveis. A novidade mais notória destas fórmulas está no facto de acentuarem a autonomia do sujeito: o sujeito deve obedecer apenas a regras que criou, ao mesmo tempo, para si mesmo e para todos os seres racionais.
O princípio do respeito pela pessoa
Perguntemos como é que, em cada um dos casos a), b) e c), as pessoas são tratadas.
Em a), Silva usou o outro como meio, como se a outra pessoa fosse uma coisa ou instrumento, para o aumento directo da sua fortuna. Em b), Silva usou a outra pessoa como meio de marketing e propaganda. Nestes dois casos, ao mesmo tempo que usou a outra pessoa apenas como meio, Silva usou-se como meio, abdicando da sua autonomia para favorecer impulsos e interesses que o escravizam. Que quer dizer "usar-se como meio"? Silva é uma pessoa, um ser autónomo. O que constitui esta pessoalidade ou autonomia é a capacidade de pensar e decidir por si. Mas nos casos a) e b) usou estas capacidades para servir fins ditados pelo interesse. Usar-se como meio é usar a sua autonomia para a perder.
Em c), Silva não tratou a outra pessoa como meio, tratou-a como sendo um fim. Devemos esclarecer esta ideia.
Se a devolução dos 50€ não visou servir qualquer interesse, então para quê fazê-lo? Qual é a sua finalidade? A finalidade, já vimos, foi a de cumprir o dever pelo dever. Mas isso, também já vimos, é, ao mesmo tempo, definir a única legislação adequada a qualquer a pessoa, ou seja, a todo o ser racional, capaz de ultrapassar interesses para pensar e decidir por si. Assim, cumprindo o dever que deu a si mesmo, Silva respeita todos os seres racionais, incluindo, claro, tanto o próprio Silva como a pessoa do seu cliente. O mesmo seria dizer que respeitando a pessoa do seu cliente, Silva respeita-se e respeita todos os seres racionais, tomando-os como fins da sua acção.
Kant sintetizou o seu pensamento em outra fórmula
"Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio."
Nota que a fórmula não proíbe as pessoas de serem meios umas para as outras, porque se o proibisse, proibiria qualquer prestação de serviços. A lei moral não proíbe Silva de usar os seus clientes para prosperar, mas se Silva enganar nos preços e não devolver dinheiro esquecido pelos clientes, está a tratá-los apenas como meios, instrumentos ou objectos.

Júlio Sameiro
Retirado de http://www.filedu.com/

1 comentário:

Anónimo disse...

preciso de ajudaaa, como é que eu relaciono:moral, leis, justiça, influencia da justiça na vida humana, e meios da Politica??por favor, pode-me ajudar?