quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

“ANTEVISÕES? ii”


A tecnologia médica propõe-nos, em muitos casos, um verdadeiro pacto com o diabo: uma vida mais longa, mas com as capacidades mentais reduzidas; fuga à depressão, mas sem criatividade ou espírito; terapias que tornam nebulosas as fronteiras entre o que conseguimos por nós próprios e o que fazemos apenas com o auxílio dos produtos químicos que actuam no nosso cérebro.
Consideremos os três cenários que se seguem, todos eles apresentando possibilidades que se podem concretizar ao longo da próxima geração ou seguinte.
O primeiro tem a ver com as novas drogas. Na sequência dos avanços da neurofarmacologia, os psicólogos descobrem que a personalidade humana é muito mais plástica do que se pensava. Já hoje se constata que certas drogas psicotrópicas, como o Prozac e o Ritalin podem afectar características como a auto-estima e a capacidade de concentração, mas também produzem efeitos colaterais indesejáveis, sendo por isso evitados a não ser em casos de absoluta necessidade. Contudo, no futuro, o conhecimento do genoma humano permitirá à indústria farmacêutica produzir drogas especialmente adequadas ao perfil genético de cada paciente, reduzindo assim os efeitos colaterais negativos. Pessoas apáticas tornam-se vivazes; os introvertidos passam a extrovertidos; pode adoptar-se uma personalidade à quarta-feira e outra para o fim-de-semana. Já não há desculpas para andar deprimido ou infeliz; até as pessoas “normalmente” felizes se podem tornar ainda mais felizes, sem riscos de dependências, de ressacas, ou de danos cerebrais a longo prazo.
No segundo cenário, os avanços nas pesquisas das células estaminais permitem aos cientistas regenerarem virtualmente qualquer tecido do corpo, de modo que a esperança de vida se pode estender para além dos 100 anos. Se precisarmos de um coração ou de um fígado novos, basta fazer crescer um novo órgão dentro de um porco ou de uma vaca; os danos cerebrais provocados pela doença de Alzheimer ou por uma apoplexia podem ser reversíveis. O único problema é que no envelhecimento humano há muitos aspectos subtis, e outros não tanto, para os quais a indústria da biotecnologia ainda não tem resposta: as pessoas desenvolvem uma rigidez mental e uma inflexibilidade de pontos de vista à medida que envelhecem e, por muito que o queiram, não se mantêm sexualmente atraentes umas para as outras, continuando a desejar parceiros sexuais dentro da idade da reprodução. Pior do que tudo, recusam afastar-se para dar lugar não só aos filhos, como aos netos e bisnetos. Por outro lado, são tão poucos os que têm filhos ou qualquer tipo de relação com os processos tradicionais de reprodução, que estes são remetidos para uma importância periférica.
No terceiro cenário, os ricos procedem rotineiramente à análise dos embriões antes da implementação de forma a optimizar o tipo dos filhos que têm. Torna-se possível referenciar o estrato social de um jovem pelo seu aspecto e pela sua inteligência; se alguém não corresponde às expectativas sociais, tende a culpar as escolhas genéticas erradas feitas pelos pais em vez de assumir as suas próprias responsabilidades. Os genes humanos foram transferidos para animais, e até mesmo para plantas, para efeito de investigação e para produzir novos medicamentos, e genes de animais foram adicionados a certos embriões para aumentar as suas capacidades físicas ou a resistência às doenças. Os cientistas não se atreveram a produzir uma quimera à escala real, meio-humano, meio-macaco, embora pudessem fazê-lo; mas os jovens começam a suspeitar que os colegas de escola que revelam grandes dificuldades não são, geneticamente, inteiramente humanos. Porque, na realidade, não o são.
FUKUYAMA, Francis, O Nosso Futuro Pós-Humano, 2ª edição, 2002. Lisboa: Quetzal Editores, pp. 26-28

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