sábado, 27 de dezembro de 2008

A VIDA IMITA A ARTE

Não deixa de ser verdade que a Vida imita a arte muito mais do que a Arte imita a Vida. Todos nós vimos, nos nossos dias, em Inglaterra, como um certo tipo de beleza bizarro e fascinante, inventado e sublinhado por dois pintores imaginativos, influenciou de tal modo a vida que, sempre que vamos a uma exposição privada ou a um salão de arte, deparamos ou com místicos olhos do sonho de Rosseti, com a longa garganta de marfim, o estranho maxilar quadrado, e o sombrio cabelo solto que ele tão ardentemente amou. Um grande artista inventa um tipo, e a Vida tenta copiá-lo, reproduzi-lo numa forma popular, como um editor de sucesso.
O que se passa nas artes visuais passa-se igualmente na literatura. A forma mais óbvia e mais vulgar em que isto se revela é no caso daqueles rapazes todos que, depois de lerem as aventuras de Jack Sheppard ou de Dick Turpin, pilham as barracas de infelizes vendedoras de fruta, arrombam, de noite, confeitarias, e assustam senhores de idade que voltam da cidade para casa, saltando-lhes ao caminho, em becos suburbanos, com máscaras negras e revólveres sem munições. A imaginação é essencialmente criativa, e está sempre à procura de novas formas. O rapaz meliante é simplesmente um resultado do instinto de imitação da vida. A Literatura antecipa sempre a vida. Não a copia, mas molda-a aos seus fins. O século XIX, tal como o conhecemos, é, em grande parte, uma invenção de Balzac.

WILDE, Oscar, Intenções, 3ª edição, 2006. Lisboa: Livros Cotovia, pp. 36-37

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