quinta-feira, 13 de novembro de 2008

OBRA DE ARTE E ACÇÃO MORAL

Devemos comparar a escolha moral com a construção duma obra de arte. Posto isto, acaso se censurou já um artista que faz um quadro por não se inspirar em regras estabelecidas a priori? Já se disse alguma vez qual o quadro que ele deve fazer? Sabemos bem que não há um quadro definido a fazer, que o artista se aplica à construção do seu quadro, e que o quadro a fazer é precisamente o quadro que ele tiver feito; sabemos bem que não há valores estéticos a priori, mas sim valores que se descobrem depois na coerência do quadro, nas relações que há entre a vontade de criação e o resultado. Que relação tem isto com a moral? Estamos na mesma situação criadora. Não falamos nunca de gratuidade duma obra de arte.
O que há de comum entre a arte e a moral, é que, nos dois casos, temos criação e invenção. Não podemos decidir a priori sobre o que há a fazer. Creio ter-vo-lo mostrado bem ao falar do caso daquele aluno que veio procurar-me e que podia recorrer a todas as doutrinas morais kantianas ou outras, sem achar nelas qualquer indicação; estava obrigado a inventar ele próprio a sua lei.
O homem faz-se; não está realizado logo de início, faz-se escolhendo a sua moral, e a pressão das circunstâncias é tal que não pode deixar de escolher uma. Não definimos o homem senão em relação a um compromisso. É portanto absurdo acusarem-nos de gratuidade na escolha.
SARTRE, Jean-Paul, O Existencialismo é um Humanismo, 2004. Lisboa: Bertrand Editora, pp. 225-226

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