terça-feira, 18 de novembro de 2008

METAÉTICA: INTRODUÇÃO iv


Parte IV
Motivação
Vejamos agora as considerações sobre motivação. Os factos morais parecem diferir de todos os outros tipos de factos em virtude de poderem exercer, quando conhecidos, uma influência directa na vontade. Isto parece torná-los peculiarmente diferentes de todos os outros tipos de factos mais comuns. Esta observação sobre a motivação tem as suas raízes na filosofia moral de Hume, mas enquanto que Hume a exprimiu falando da razão, hoje é mais usual exprimi-la como uma tese sobre factos e crenças.
A maior parte dos factos, sublinha Mackie, não nos dizem o que fazer. Obviamente, alguns factos são interessantes de um ponto de vista prático, mas só o são contingentemente: tudo depende dos interesses que temos. Que se pode chegar à Universidade de Lisboa descendo até ao Marquês de Pombal e apanhando o metro até à estação da Cidade Universitária tem um grande interesse caso se deseje chegar à Universidade a partir das Amoreiras. Que é possível ficar doente por se comer carne mal passada é muitíssimo interessante para quem goste de comer carne e não queira ficar doente. Mas os factos morais são peculiares a este respeito, pois a ética é essencialmente prescritiva. É suposto que os factos morais, em virtude da sua própria natureza, de algum modo nos digam o que fazer. E é suposto que conhecer os factos morais nos leve a fazer algo. É suposto, enfim, que o conhecimento dos factos morais influencie o nosso comportamento, mas não apenas em virtude de acontecer estarmos interessados naquilo a que dizem respeito: o seu alcance prático é um aspecto essencial do tipo de facto que são. Mas como podem existir factos assim? Como pode o mundo conter aquilo a que Mackie chama «entidades essencialmente prescritivas» [p. 96]? Coisas que nos levam a agir pelo simples facto de as conhecermos?
Esta dificuldade ocupa um lugar central na metaética contemporânea. Quase todos os anti-realistas sublinham que a ética se torna muito estranha se não a resolvermos, e a maioria dos realistas pensa que resolvê-la é a parte mais difícil da sua tarefa. Mackie faz notar que é difícil ver como poderiam existir factos que fossem essencialmente prescritivos, que em seu entender é aquilo que os factos morais teriam de ser caso existissem. Quaisquer factos desse género teriam de ser extremamente esquisitos. Outros anti-realistas vão mais longe e defendem que a noção de um facto essencialmente prescritivo é pura e simplesmente incoerente e não faz o menor sentido.
Por vezes diz-se a este respeito que a ética é directiva em relação às acções. Obviamente, muitas outras coisas podem ser directivas: a informação sobre onde vão dar as ruas de Lisboa pode dirigir as nossas acções se tivermos interesses apropriados. Mas a directividade parece ser a própria essência da ética. A ética é o domínio em que se diz o que devemos fazer, como nos devemos comportar. E esta relevância prática não caracteriza simplesmente uma aplicação possível da ética: há um sentido em que dizer-nos o que fazer faz parte do conteúdo das proposição éticas, mas não do conteúdo de «A Universidade de Lisboa fica perto do Campo Grande», mesmo que por vezes as pessoas tenham um grande interesse prático em ir à Universidade de Lisboa.
Normatividade é outro termo usado frequentemente neste contexto. A ética, defende-se plausivelmente, difere de uma disciplina como a química em virtude de ser normativa. Geralmente contrasta-se aquilo que é normativo com aquilo que é descritivo. Imaginem que eu lhes digo: «Ninguém fuma durante as aulas». Este juízo pode ser interpretado tanto normativa como descritivamente. Entendido como um juízo descritivo é apenas uma afirmação sociológica, uma afirmação sobre como as pessoas de facto se comportam nas aulas. Entendido como um juízo normativo visa funcionar prescritivamente, estabelecer uma regra ou norma para dirigir o vosso comportamento. Podem saber sem qualquer dificuldade qual é a interpretação correcta vendo simplesmente o que eu faço quando, cinco minutos depois, um de vocês acende um cigarro. Se eu disser «Lamento muito, mas estava enganado, pois afinal há quem fume durante as aulas», podem concluir que o meu juízo era descritivo. Mas se eu disser, apontando para quem está a fumar, «No fim da aula vamos ter uma conversa!», concluirão que o meu juízo era normativo. Por vezes esclarece-se a diferença dizendo que quando fazemos um juízo descritivo estamos a dizer algo que pretendemos que se ajuste ao mundo, que o descreva fielmente, e se o mundo não estiver de acordo com o que dizemos acabaremos por rejeitar ou rever o juízo. Mas ao dizer algo de normativo estamos a pretender que o mundo se ajuste àquilo que dizemos, e se isso não acontecer o problema não reside em nós, mas no mundo.
Ora, é óbvio que todos os juízos descritivos visam indicar factos, geralmente factos simples como o de que há pessoas na sala e nenhuma delas está a fumar. Mas o realista moral parece comprometido com um género de factos muito especial: factos normativos. Os juízos éticos de algum modo têm de ser normativos (em virtude de visarem dirigir a acção) e descritivos (em virtude de visarem descrever factos éticos normativos). E o que Mackie está a dizer é que tais factos, os factos normativos, seriam muito diferentes dos factos com que estamos mais familiarizados, teriam de ser factos de um género muitíssimo especial.

James Lenman

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