terça-feira, 17 de junho de 2008

ÉTICA E INTERESSE PESSOAL

Se formos honestos connosco próprios, admitiremos que, pelo menos às vezes, quando a ética e o interesse próprio colidem, escolhemos o interesse próprio e isso não é apenas uma questão de ter falta de força de vontade ou ser irracional. Sentimo-nos genuinamente inseguros quanto à decisão racional a tomar, porque quando a colisão é tão fundamental a razão não parece ter forma de a resolver.
O estado do mundo nos finais do século XX implica que mesmo que nunca sejamos tentados por formas não éticas de fazer dinheiro, teremos sempre de decidir até que ponto devemos viver em função de nós próprios e em função dos outros. Há pessoas que têm fome, estão malnutridas, não possuem casa nem cuidados básicos de saúde e há organizações voluntárias que angariam dinheiro para ajudar estas pessoas. É verdade que o problema é tão grande que uma pessoa não pode ter grande impacto nele e sem dúvida que algum dinheiro será engolido pela administração, ou desviado, ou não chegará às pessoas necessitadas por qualquer outra razão. Apesar de estes problemas inevitáveis, a discrepância entre a riqueza do mundo desenvolvido e a pobreza das pessoas mais pobres dos países em vias de desenvolvimento é de tal modo gritante que se apenas uma pequena fracção daquilo que damos chegar às pessoas que mais precisam, essa fracção fará uma diferença maior para as pessoas que recebem do que a totalidade do dinheiro doado faria para as nossas vidas. Que nós, individualmente, não tenhamos grande impacto na totalidade do problema não parece nada relevante, uma vez que podemos provocar impacto nas vidas de famílias particulares. Envolver-nos-emos, então, numa dessas organizações? Seremos capazes de dar, não uma moeda quando nos agitam uma caixa debaixo do nariz, mas quantias substanciais que diminuirão a nossa capacidade de levar um modo de vida luxuoso?
SINGER, Peter, Como Havemos de Viver – a ética numa época de individualismo, 1ª edição, 2006. Lisboa: Dinalivro, pp. 26-28

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