quinta-feira, 12 de junho de 2008

AGÊNCIA

As coisas que começam como luxos úteis que nos conferem uma vantagem num mundo em movimento acelerado costumam transformar-se em necessidades. Hoje em dia, todos nos perguntamos como poderíamos viver sem telefones, sem carta de condução, cartões de crédito ou computadores. O mesmo aconteceu em tempos com a linguagem e com a postura intencional. O que começou a ser um Bom Truque transformou-se rapidamente numa necessidade prática da vida humana, à medida que os nossos antepassados foram sendo mais sociais, mais linguísticos. À prática da atribuição exagerada de intenções a coisas com movimento no ambiente chamamos animismo, literalmente, “dar alma” (do Latim anima) à coisa que se move. As pessoas que se dirigem ao seu automóvel com ternura ou amaldiçoam o computador estão a exibir traços fossilizados de animismo. Provavelmente, não levam os seu actos de fala totalmente a sério, mas estão somente a agir de uma forma que as faz sentirem-se melhor e, aparentemente, ser praticada por pessoas de todas as culturas sugere o quão profundamente arreigado na biologia humana se encontra o impulso de tratar as coisas como agentes com crenças e desejos. Mas se, actualmente, os nossos ataques de animismo tendem a ser irónicos e atenuados, houve um tempo em que o desejo do rio de correr para o mar e a intenção benigna ou malévola das nuvens eram tomadas de forma tão literal e séria que podiam transformar-se numa questão de vida ou de morte – por exemplo, para aquelas pobres almas que eram sacrificadas para aplacar os desejos insaciáveis do deus da chuva.
As ninfas, fadas, duendes e demónios que povoam as mitologias de todos os povos são o fruto imaginativo de um hábito hiperactivo de descobrir agência onde quer que algo nos intrigue ou assuste. Este hábito gera maquinalmente uma vasta superpopulação de ideias de agentes, a maior parte das quais é demasiado estúpida para prender a nossa atenção por um momento; somente algumas delas, bem concebidas, ultrapassam o torneio de repetição, sofrendo mutações e aperfeiçoando-se neste processo.
DENNET, Daniel, Quebrar o Feitiço – a religião como fenómeno natural, 1ª edição, 2008. Lisboa: Esfera do Caos Editores, pp. 105-110

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