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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O que é a ciência?

Caro Senhor
Tomo a liberdade de me dirigir a si rogando-lhe que seja o juiz numa disputa entre mim e uma pessoa minha conhecida que já não posso considerar um amigo. A questão em discussão é a seguinte: É a minha criação, a guardachuvalogia, uma ciência? Permita-me que explique a situação. De há dezoito anos para cá que, conjuntamente com alguns fieis discípulos, venho recolhendo informações relacionadas com um objecto até agora negligenciado pelos cientistas — o guarda-chuva. O resultado da minha investigação, até à presente data, encontra-se reunido em nove volumes que vos envio separadamente. Deixe-me, antecipando a sua leitura, descrever brevemente a natureza dos conteúdos aí apresentados e o método que empreguei na sua compilação. Comecei pelas ilhas. Passando de quarteirão em quarteirão, de casa em casa, de família em família, de indivíduo em indivíduo, descobri: 1) o número de guarda-chuvas existentes, 2) o seu tamanho, 3) o seu peso, 4) a sua cor. Tendo coberto uma ilha, passei às restantes. Depois de muitos anos, passei à cidade de Lisboa e, finalmente, completei toda a cidade. Estava então pronto a continuar o trabalho passando para o resto do país e, posteriormente, para o resto do mundo.

domingo, 15 de junho de 2008

CIÊNCIA EXTRAORDINÁRIA

Até agora, restringi a minha atenção ao papel da medição na prática normal da ciência natural, o género de prática em que todos os cientistas estão principalmente empenhados e a maioria estão-no sempre. Mas a ciência natural também apresenta situações anormais – tempos em que os projectos de investigação se extraviam e em que nenhuma técnica habitual parece suficiente para os restaurar – e é através destas situações raras que a medição mostra os seus grandes pontos fortes. Em particular, é através de estados anormais de investigação científica que a medição acaba, ocasionalmente, por desempenhar um importante papel na descoberta e na confirmação.
Deixem-me, em primeiro lugar, esclarecer o que quero dizer por uma “situação anormal” ou por aquilo que algures chamo “estado de crise”. Já apontei que é uma resposta, por uma parte da comunidade científica, ao conhecimento que tem de uma anomalia na relação, em geral concordante, entre teoria e experimento. Mas não é, sejamos claros, uma resposta exigida por toda e qualquer anomalia. A prática científica corrente abarca sempre inúmeras discrepâncias entre teoria e experimento. Durante o decurso da sua carreira, todo o cientista natural verifica e passa constantemente por anomalias quantitativas e qualitativas que, de modo concebível, podiam, ser prosseguidas, ter resultado em descobertas fundamentais. Mas muitas dessas discrepâncias desaparecem depois de uma pesquisa mais pormenorizada. Podem revelar-se efeitos instrumentais, ou podem resultar de aproximações na teoria previamente não verificadas, ou podem, simples e misteriosamente, deixar de ocorrer quando o experimento se repete sob condições ligeiramente diferentes.
Mas nem sempre se põem as anomalias de lado e, naturalmente, não se deveriam pôr. Se o efeito for particularmente amplo, então é provável que se lhe dedique um projecto de investigação especial. Neste ponto, a discrepância provavelmente desaparecerá com um ajustamento da teoria ou do aparelho; como tivemos ocasião de ver, poucas anomalias resistem por muito tempo a um esforço persistente. Mas esta pode resistir e, se assim for, podemos ter o início de uma “crise” ou “situação anormal” afectando aqueles em cuja área habitual de investigação se encontra a discrepância persistente.
Essas crises podem emergir e ser resolvidas no trabalho de um só indivíduo; mais usualmente, envolverão a maior parte dos que estão empenhados numa especialidade científica particular; ocasionalmente, absorverão a maior parte dos membros de uma profissão científica inteira.
KUHN, Thomas, A Tensão Essencial, 1ª edição, 1989. Lisboa: Edições 70, pp. 249-251