Como o próprio Kant notou, a lei moral tem um carácter absoluto. Os direitos não podem ser arbitrariamente ultrapassados, ou comparados com o benefício que se retira da sua ignorância. Os direitos não podem ser arbitrariamente rejeitados, ou cancelados pelos maus resultados da obediência devida. Tenho que respeitar o teu direito, sem olhar a conflitos de interesse, uma vez que só tu podes renunciar a ele ou cancelá-lo. Este é o ponto do conceito – oferecer uma barreira absoluta contra a invasão. Um direito é um interesse a que é dado protecção especial e que não pode ser ultrapassado ou cancelado sem o consentimento da pessoa que o detém. Descrevendo um interesse como um direito elevamo-lo do cálculo do custo e benefício, e colocamo-lo no recinto sagrado do eu.
Do mesmo modo, para existir, o dever tem que ter um carácter absoluto. Um dever só pode ser rejeitado quando cessa de ser um dever – só quando for cumprido ou cancelado. Pode haver conflitos de direitos e conflitos de deveres: mas estes conflitos são dolorosos justamente porque não podem ser resolvidos. Pesamos os direitos uns contra os outros e damos primazia àquele que acreditamos ser o mais sério – como quando tiramos comida que pertence ao João para salvar a vida do esfomeado Henrique. O direito do Henrique a ajuda assume primazia sobre o direito do João à sua propriedade; apesar disso, o direito do João subsiste, e o João é defraudado pelo acto que socorre o Henrique. As questões aqui implícitas são profundas e complexas. Basta dizer que qualquer tentativa para destituir os conceitos de direito e dever do seu carácter absoluto também os destitui da sua utilidade. Devemos deste modo libertar-nos do supremo instrumento oferecido pela razão, e viver com os outros de acordo com isso, respeitando a sua liberdade, a sua individualidade e a soberania sobre a vida que é sua. É isto que significa, em última análise, tratar uma pessoa como um fim em si mesma: designadamente reconhecer-lhe os seus direitos contra nós, e os nossos deveres para com ela, e reconhecer que nem o dever nem o direito podem ser cancelados por qualquer outro bem. Traduzindo a lei moral por outras palavras, declaremos que ela nos diz que as pessoas têm que ser tratadas como sujeitos, não como objectos; e isto significa que os direitos têm que ser respeitados, e os deveres cumpridos.
SCRUTON, Roger, Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes, 2007. Lisboa: Guerra e Paz Editores S.A., pp. 135-136
Do mesmo modo, para existir, o dever tem que ter um carácter absoluto. Um dever só pode ser rejeitado quando cessa de ser um dever – só quando for cumprido ou cancelado. Pode haver conflitos de direitos e conflitos de deveres: mas estes conflitos são dolorosos justamente porque não podem ser resolvidos. Pesamos os direitos uns contra os outros e damos primazia àquele que acreditamos ser o mais sério – como quando tiramos comida que pertence ao João para salvar a vida do esfomeado Henrique. O direito do Henrique a ajuda assume primazia sobre o direito do João à sua propriedade; apesar disso, o direito do João subsiste, e o João é defraudado pelo acto que socorre o Henrique. As questões aqui implícitas são profundas e complexas. Basta dizer que qualquer tentativa para destituir os conceitos de direito e dever do seu carácter absoluto também os destitui da sua utilidade. Devemos deste modo libertar-nos do supremo instrumento oferecido pela razão, e viver com os outros de acordo com isso, respeitando a sua liberdade, a sua individualidade e a soberania sobre a vida que é sua. É isto que significa, em última análise, tratar uma pessoa como um fim em si mesma: designadamente reconhecer-lhe os seus direitos contra nós, e os nossos deveres para com ela, e reconhecer que nem o dever nem o direito podem ser cancelados por qualquer outro bem. Traduzindo a lei moral por outras palavras, declaremos que ela nos diz que as pessoas têm que ser tratadas como sujeitos, não como objectos; e isto significa que os direitos têm que ser respeitados, e os deveres cumpridos.
SCRUTON, Roger, Guia de Filosofia para Pessoas Inteligentes, 2007. Lisboa: Guerra e Paz Editores S.A., pp. 135-136
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