quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Lógica informal

A lógica informal é o estudo dos aspectos lógicos da argumentação que não dependem exclusivamente da forma lógica, contrastando assim com a lógica formal, que estuda apenas esses aspectos. Os aspectos lógicos em causa são os que contribuem para a validade e a força da argumentação, distinguindo-se dos aspectos psicológicos, históricos, sociológicos ou outros.
A argumentação é um encadeamento de argumentos. Um argumento é um conjunto de proposições em que se pretende que uma delas (a conclusão) seja justificada ou sustentada pela outra ou outras (a premissa ou premissas). “Argumento”, “inferência” e “raciocínio” são termos aproximados, pois em todos os casos se trata de procurar chegar a uma afirmação com base noutras. Contudo, um argumento é diferente de um raciocínio ou inferência porque envolve a persuasão de alguém (incluindo nós mesmos), ao passo que um raciocínio ou inferência não envolve tal aspecto.
Alguns autores reservam o termo “validade” para a validade dedutiva, usando termos como “força” para a validade não dedutiva. Esta opção não é a mais indicada porque também nos argumentos dedutivos é necessário falar de maior ou menor força, como veremos. Daí que se opte aqui por usar “validade” para os dois tipos de validade: a dedutiva e a não dedutiva. Veremos mais tarde algumas diferenças centrais entre os dois tipos de validade.
A lógica informal permite definir várias noções centrais que não podem ser definidas recorrendo exclusivamente aos instrumentos da lógica formal. A mais básica dessas noções é a de argumento. A lógica formal define a noção de derivabilidade e de consequência formal, mas não de argumento. Existe uma relação de derivabilidade entre as premissas e a conclusão de alguns argumentos válidos (os argumentos dedutivos formais, como o modus ponens), mas essa relação não existe nos argumentos dedutivos inválidos nem nos argumentos não dedutivos (válidos ou não). Por outro lado, nem todos os conjuntos de proposições deriváveis constituem argumentos. Considere-se os seguintes exemplos:
  1. Se a vida faz sentido, Deus existe; a vida não faz sentido; logo, Deus não existe.
  2. O céu é azul; a neve é verde; o arco-íris é bonito.
  3. A neve é branca; Deus existe ou não existe.
Em 1 e 2 não há qualquer relação de derivabilidade; contudo, 1 é um argumento e 2 não. Em 3 há uma relação de derivabilidade, mas não há qualquer argumento. A noção de argumento não é definível sem recorrer a pessoas ou outros agentes cognitivos, pois são estes que decidem ou não apresentar um dado conjunto de proposições como um argumento. (Sublinhe-se que na definição de argumento se usou a expressão “pretende”.) É necessário que alguém tenha a intenção de apresentar um dado conjunto de proposições como um argumento para que esse conjunto de proposições seja um argumento; mas não é necessário que alguém tenha a intenção de derivar uma dada proposição de outra ou outras para que a relação de derivabilidade exista entre elas.
A lógica formal é igualmente incapaz de distinguir entre um argumento dedutivo inválido e um argumento não dedutivo válido. 1 é um argumento dedutivo inválido, mas
4. Todos os corvos observados até hoje são pretos; logo, todos os corvos são pretos.
é um argumento indutivo válido (por hipótese; costuma-se dar este exemplo mas é defensável que é uma indução inválida, sendo necessárias mais premissas para que seja válida). Contudo, do ponto de vista da lógica formal, tanto 1 como 4 são argumentos inválidos. Para distinguir 1 de 4 é necessário usar a noção informal de explicação. 1 é um argumento dedutivo inválido porque a melhor explicação desse argumento é que se trata de um argumento dedutivo falhado; mas 4 não é um argumento que se pretendia dedutivo: é um argumento indutivo por direito próprio. Assim, um argumento inválido é dedutivo ou não dedutivo em função da melhor explicação disponível para a sua invalidade.
Do ponto de vista da lógica formal, tudo o que se pode dizer de um argumento é que é formalmente válido ou não. Um argumento é formalmente válido quando há uma relação de derivabilidade ou consequência formal entre as suas premissas e a sua conclusão. Isto pode dar a ilusão de que se um argumento não é formalmente válido, então não é válido.
A lógica formal é igualmente incapaz de definir a noção de falácia. Uma falácia não é apenas um argumento inválido, pois muitos argumentos inválidos não são falácias. Tome-se o seguinte argumento: “Platão era grego; logo, a neve é branca”. Este argumento é inválido, mas não é uma falácia porque não é habitualmente tomado por um argumento válido. A falácia da negação da antecedente, por exemplo, não é apenas um argumento inválido: é um argumento inválido que muitos agentes sem preparação lógica têm tendência para tomar como válido.
Nem todos os argumentos com a forma lógica de uma falácia são falaciosos, pois em alguns casos nenhum agente tomaria tal argumento por bom. “A neve é branca; logo, a neve é branca”, tem a forma da falácia da petição de princípio, mas é apenas um argumento mau e não uma falácia dado que nenhum agente o tomaria como bom. Mas “A Bíblia diz que Deus existe e tudo o que a Bíblia diz é verdade; logo, Deus existe” é uma falácia porque alguns agentes não se apercebem de que a única razão para pensar que a premissa é verdadeira é pressupor que a conclusão é verdadeira.
Algumas falácias são argumentos formalmente válidos, como é o caso da petição de princípio e do falso dilema:
5. Ou está muito frio ou está muito calor; não está muito frio; logo, está muito calor.
5 tem uma forma válida mas é falacioso porque a primeira premissa não esgota todas as possibilidades: é falsa. Assim, apesar de ser habitual definir falácia como um argumento inválido que parece válido, a definição correcta é “um argumento mau que parece bom” — sendo que um argumento pode ser mau por outros motivos além da invalidade (nomeadamente, por não ser sólido, como é o caso do falso dilema).
Há vários tipos de argumentos, como se pode ver no diagrama seguinte: 
Só nos argumentos dedutivos formais a validade ou invalidade pode ser explicada recorrendo exclusivamente à forma lógica. Daí que todos os outros argumentos se considerem informais: a sua validade ou invalidade não pode ser explicada recorrendo exclusivamente à sua forma lógica. (Dizer “A validade dos argumentos dedutivos formais depende exclusivamente da forma lógica” é diferente de dizer “A validade dos argumentos dedutivos formais pode ser explicada recorrendo exclusivamente à forma lógica”; a primeira não se segue da segunda e há razões para pensar que a primeira é falsa.)
A lógica informal ocupa-se de todos os tipos de argumentos e a formal exclusivamente dos argumentos dedutivos formais — os únicos cuja validade ou invalidade é explicável recorrendo exclusivamente à forma lógica, como 6) “Se a vida faz sentido, Deus existe; mas Deus não existe; logo, a vida não faz sentido”. Mas mesmo no que respeita aos argumentos formais há aspectos lógicos importantes que a lógica formal ignora, pois só dá atenção ao que é explicável recorrendo exclusivamente à forma lógica. Isto pode dar a ilusão de que os únicos fenómenos lógicos são os que se podem explicar recorrendo à forma lógica. Contudo, a diferença entre uma indução válida e inválida é claramente lógica porque ambas podem ter premissas verdadeiras, mas tal diferença não pode explicar-se recorrendo à forma lógica. Logo, é falso que os únicos aspectos lógicos da argumentação sejam os aspectos formais da argumentação.
Algumas das diferenças mais importantes entre os argumentos dedutivos e os não dedutivos são as seguintes:
  1. A validade de um argumento não dedutivo nunca é explicável recorrendo exclusivamente à forma lógica, ao passo que a validade de alguns argumentos dedutivos (os formais) é explicável recorrendo unicamente à forma lógica.
  2. Nos argumentos não dedutivos válidos é logicamente possível, mas improvável, que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa; mas em alguns argumentos dedutivos válidos (os formais) é logicamente impossível que as premissas sejam verdadeiras e a conclusão falsa. (Contudo, é defensável que nos argumentos não dedutivos válidos é metafisicamente impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa, apesar de não ser logicamente impossível.)
  3. A validade dos argumentos dedutivos é discreta (uma dedução é válida ou não), ao passo que a validade dos argumentos não dedutivos é contínua (uma indução pode ser mais ou menos válida).
  4. A validade dedutiva formalizada pela lógica clássica é monotónica, mas a validade não dedutiva não é monotónica.
Os argumentos dedutivos de carácter conceptual (“A neve é branca; logo, a neve tem cor”) ou semântico (“O João é casado; logo, não é solteiro”) não dependem exclusivamente da forma lógica e é discutível se são entimemas (argumentos a que falta uma ou mais premissas) redutíveis a deduções formais. Por exemplo, para reduzir a dedução anterior sobre o João a uma dedução formal, poderia adicionar-se a premissa “Nenhum casado é solteiro”. Contudo, pode-se defender que neste caso não se conseguiu uma verdadeira redução porque a premissa adicionada é uma verdade analítica e, como tal, não se eliminou o fenómeno semântico que se queria eliminar. Para defender que o argumento original é um entimema é preciso aceitar que a premissa adicional é uma verdade analítica (que talvez por isso mesmo não teria sido explicitamente mencionada); mas se aceitamos que há fenómenos de analiticidade ao nível das premissas, não há qualquer razão não ad hoc para os recusar ao nível dos próprios argumentos. Além disso, há deduções válidas informais, como “A neve é branca; logo, nenhum casado é solteiro”, que obviamente não são entimemas. E não se pode recusar este tipo de validades dedutivas informais por serem “vácuas”, pois também há validades dedutivas formais “vácuas”, como “A neve é branca; logo, chove ou não chove”.
Usa-se por vezes o termo “indução” para falar indistintamente de qualquer argumento não dedutivo, o que pode dar origem a confusões. Quando se afirma que numa indução a conclusão é mais geral do que as premissas, tem de se estar a falar apenas de generalizações, mas não de previsões. Uma generalização é um argumento como “Todos os corvos observados até hoje são pretos; logo, todos os corvos são pretos”; uma previsão é um argumento como “Todos os corvos observados até hoje são pretos; logo, o próximo corvo a ser observado será preto”.
Os argumentos de autoridade, os argumentos por analogia e os causais, tal como as abduções, poderão ser encarados como indutivos, caso se forneçam reduções bem sucedidas. Mas tal redução poderá não ajudar a distinguir os bons dos maus argumentos de autoridade, por analogia ou causais.
Chama-se “sólido” a um argumento válido com premissas verdadeiras. Não basta um argumento ser sólido para ser bom, pois o argumento
A neve é branca; logo, a neve é branca.
é sólido mas mau. É mau porque é circular. A circularidade viola uma regra central da boa argumentação: as premissas têm de ser mais plausíveis do que a conclusão. O seguinte argumento válido sofre do mesmo problema:
Se Deus existe, a vida faz sentido; Deus existe; logo, a vida faz sentido.
Este argumento não é bom porque as premissas não são mais plausíveis do que a conclusão. Parte da argumentação válida ineficaz resulta da violação desta regra. Para que um argumento seja bom, é preciso que, além de válido, tenha premissas aceitáveis para quem recusa a conclusão. Chama-se “cogente” a um argumento que seja bom neste sentido.
A plausibilidade das premissas é relativa ao estado cognitivo do agente e não é discreta mas sim contínua. A solidez de um argumento (a conjunção da verdade com a validade) é independente dos agentes cognitivos. Mas os agentes cognitivos não são omniscientes e perante cada premissa ou conclusão têm de a avaliar como mais ou menos plausível, à luz do que julgam saber em geral. Assim, um argumento pode ser bom ou mau, melhor ou pior, mais ou menos forte ou cogente, apesar de ser sólido. Um argumento bom, forte ou cogente é um argumento que além de sólido tem premissas mais plausíveis do que a conclusão. Esta noção relaciona-se de perto com a noção epistémica de axioma, por oposição a uma noção meramente sintáctica. A noção epistémica de axioma é uma proposição auto-evidente e portanto mais plausível do que os teoremas que se provam com base nos axiomas.
É possível defender uma versão mais fraca do princípio da plausibilidade relativa, exigindo-se apenas que a conclusão não seja mais plausível do que as premissas para que um argumento seja bom. Neste caso, um argumento poderia ser bom apesar de o grau de plausibilidade das premissas e da conclusão ser idêntico. Mas é defensável que qualquer alegado exemplo de um argumento bom cujas premissas e conclusão tenham a mesma plausibilidade se baseia numa confusão entre argumento bom, inferência e argumento válido. Uma inferência pode ser boa sem que constitua um bom argumento, porque numa inferência não há a exigência de persuadir alguém (nem nós mesmos). Para que uma inferência seja boa é apenas necessário que seja um argumento válido. Mas um bom argumento é mais do que meramente válido: é um argumento persuasivo. Na argumentação há uma componente epistémica que não existe na mera inferência.
A exigência de maior plausibilidade das premissas permite distinguir argumentos de explicações. Uma explicação pode ser um argumento válido, mas não é um bom argumento porque as “conclusões” (explananda) das explicações são mais plausíveis do que as “premissas” (explanantia). Por exemplo:
O João esteve em contacto com a Maria; a Maria está com gripe; a probabilidade de contágio é de 99 por cento; logo, o João está com gripe.
Esta estrutura pode ser um bom argumento indutivo (uma previsão), caso não se saiba que o João está com gripe e caso tenhamos bastante confiança nas premissas. Mas será uma explicação se for óbvio que o João está com gripe, pois neste caso estamos a explicar o óbvio através do menos óbvio. Assim, o conhecido silogismo válido
Todos os homens são mortais e Sócrates é um homem; logo, Sócrates é mortal.
é um mau argumento na maior parte dos contextos epistémicos, mas poderá ser uma explicação razoável, ainda que superficial, da óbvia mortalidade de Sócrates.
Um argumento válido tem uma força universal se as suas premissas são mais plausíveis, para qualquer agente racional (ou pelo menos razoável), do que a sua conclusão. A afirmação “Não se deve torturar crianças por prazer” é plausível para qualquer agente racional (por hipótese); mas a afirmação “Sem Deus a vida não tem sentido” é implausível para alguns agentes. Ambas as afirmações são presumivelmente verdadeiras ou falsas independentemente do que pensam os agentes, mas daí não se segue que ambas sejam igualmente plausíveis para qualquer agente, em qualquer situação epistémica.
Aristóteles fundou não apenas a lógica formal mas também a informal. A teoria das falácias, fundada por Aristóteles na obra Sophistici Elenchi, constitui uma parte importante da lógica informal. Esta abordagem tem sido contestada por não ser construtiva, mas é defensável que ao estudar falácias é possível compreender aspectos importantes da boa argumentação. Mas é verdade que uma mera listagem de falácias não é esclarecedora e pode ser enganadora. Por exemplo, é falso que qualquer argumento ad hominem seja falacioso: é racional colocar em causa (nomeadamente, num tribunal) o testemunho de alguém caso se mostre que essa pessoa tem fortes motivos para mentir.
Aristóteles introduziu a distinção entre demonstração e dedução dialéctica (Topica, 100a). Por “demonstração”, Aristóteles não entendia a noção moderna, pois desconhecia os métodos sintácticos de demonstração, mas apenas qualquer argumento dedutivo válido cujas premissas sejam verdadeiras (e primitivas, ou derivadas de verdades primitivas), ou seja, o que hoje chamamos “argumentos sólidos”. Por “dedução dialéctica” Aristóteles entendia qualquer argumento dedutivo válido cujas premissas são apenas “opiniões respeitáveis”, isto é, afirmações plausíveis, mas não verdades estabelecidas.
Assim, Aristóteles não opõe as demonstrações da lógica formal à argumentação informal, nomeadamente à argumentação sobre matérias morais, estéticas, jurídicas ou filosóficas. Muitas vezes, este tipo de argumentação é demonstrável com os recursos da lógica formal. Por exemplo, o seguinte argumento moral é logicamente demonstrável, dado que é um modus tollens: “Se os animais não humanos não têm direitos porque não têm deveres, também os bebés não têm direitos porque não têm deveres; mas não é verdade que os bebés não têm direitos porque não têm deveres; logo, não é verdade que os animais não humanos não têm direitos porque não têm deveres”. Mas este argumento é dialéctico, no sentido de Aristóteles, porque as suas premissas não são verdades estabelecidas, mas apenas “opiniões respeitáveis” — isto é, as premissas deste argumento, apesar de plausíveis, estão abertas à discussão. Assim, os argumentos dialécticos são quaisquer argumentos dedutivos válidos, demonstráveis ou não pela lógica formal, cujas premissas, apesar de plausíveis, estão abertas à discussão. A distinção de Aristóteles refere-se unicamente ao tipo de premissas usadas e pode ser alargada a todos os tipos de argumentos. Pode-se assim falar de argumentos não dedutivos demonstrativos (por exemplo, argumentos por analogia com premissas verdadeiras).
Algumas questões de estilo são abordadas pela lógica informal e pela retórica. Por exemplo, numa dedução em cadeia, com a forma
Se A, então B;
se B, então C;
logo, se A, então C.
a ordem das premissas é irrelevante, mas estilisticamente a ordem apresentada é a mais indicada. Outras questões de estilo, nomeadamente relativas à beleza, são exclusivamente abordadas pela retórica, que se ocupa igualmente da linguagem poética e literária, e não exclusivamente da linguagem argumentativa. Por outro lado, a retórica não distingue a persuasão irracional da racional, não tendo por isso recursos para definir a noção de falácia. Daí que se use pejorativamente o termo “retórico” para classificar um texto muito inflamado mas cujos argumentos são muito fracos. Há assim uma certa continuidade e complementaridade, mas também oposição, entre a lógica informal e a retórica.

Extraído de Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos, segunda edição, org. por João Branquinho, Desidério Murcho e Nelson Golçalves Gomes (São Paulo: Martins Fontes, 2006)

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