segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A ANGÚSTIA

Que é que se entende por angústia? O existencialista não tem pejo em declarar que o homem é angústia. Significa isso: o homem ligado por um compromisso e que se dá conta de que não é apenas aquele que escolhe ser, mas de que é também um legislador pronto a escolher, ao mesmo tempo que a si próprio, a humanidade inteira, não poderia escapar ao sentimento da sua total e profunda responsabilidade. Decerto, há muita gente que não vive em ansiedade; mas é nossa convicção que esses tais disfarçam a sua angústia, que a evitam; certamente muitas pessoas acreditam que ao agirem só se implicam nisso a si próprias, e quando se lhes diz: e se toda a gente fizesse assim? Elas dão de ombros e respondem: nem toda a gente faz assim. Ora a verdade é que devemos perguntar-nos sempre: que aconteceria, se toda a gente fizesse o mesmo?, e não podemos fugir a esse pensamento inquietante a não ser por uma espécie de má-fé. É a esta angústia que Kierkegaard chamava a angústia de Abraão. Todos conheceis a história: um anjo ordenou a Abraão que sacrificasse o filho. Está tudo certo, se foi realmente um anjo que apareceu e disse: tu és Abraão, tu sacrificarás o teu filho. Mas cada qual pode perguntar-se, antes de mais trata-se realmente de um anjo, e sou eu realmente Abraão? Quem é que afinal mo prova? Havia uma doida que tinha alucinações: falavam-lhe ao telefone e davam-lhe ordens. O médico perguntou-lhe: “Mas quem é que lhe fala?” A doida respondeu: “Diz ele que é Deus.” E que é que lhe provava, afinal, que era Deus? Se um anjo vem até mim, que é que me garante que é um anjo? E se ouço vozes que é que me garante que elas vêm do céu e não do inferno, ou dum subconsciente, ou dum estado patológico? Quem pode demonstrar que elas se dirigem a mim? Quem pode provar que sou eu o indicado para impor a minha concepção de homem e a minha escolha à humanidade? Não acharei nunca prova alguma, algum sinal que me convença. Se uma voz se dirige a mim, serei eu sempre a decidir se esta voz é a de um anjo; se admito que tal acto é bom, a mim compete a escolha de dizer que este acto é bom e não mau. Tudo se passa como se, para todo o homem, toda a humanidade tivesse os olhos postos no que ele faz. E cada homem deve dirigir-se a si próprio: terei eu seguramente o direito de agir de tal modo que a humanidade se regule pelos meus actos? E se o homem não diz isso, é porque ele disfarça a sua angústia.
SARTRE, Jean-Paul, O Existencialismo é um Humanismo, 2004. Lisboa: Bertrand Editora, pp. 205-207

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