domingo, 30 de outubro de 2016

ARGUMENTOS NÃO-DEDUTIVOS

Como vimos há argumentos cuja validade não depende exclusivamente da sua forma lógica, nem da sua forma lógica juntamente com os conceitos envolvidos. Podemos chamar “não-dedutivos” a esses argumentos. Afirma-se por vezes que nos argumentos dedutivos se “parte do geral para o particular” e que nos argumentos não dedutivos se “parte do particular para o geral”. Isto é falso como se vê nos seguintes exemplos:
1)    Alguns filósofos são gregos.
Logo, alguns gregos são filósofos.
2)    Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, o corvo do João é preto.
1 é um argumento dedutivo, e no entanto não parte do geral para o particular. Tanto a premissa como a conclusão são particulares. E 2 é um argumento não-dedutivo. No entanto, não parte do particular para vo geral. A premissa é geral[1] e a conclusão particular.
Há quatro características que distinguem os argumentos dedutivos dos não-dedutivos:
1.    A validade de um argumento não dedutivo nunca depende unicamente da sua forma, ao passo que a validade de alguns argumentos dedutivos depende unicamente da sua forma. Por exemplo, qualquer argumento que tenha a forma de um modus ponens é válido. Mas os argumentos não-dedutivos válidos têm a mesma forma lógica do que os argumentos não-dedutivos inválidos.
Considere-se os seguintes exemplos:
1)    Todos os corvos que vi até hoje eram pretos.
Logo, todos os corvos  são pretos.
2)    Todos os corvos que vi até hoje nasceram antes de 2010.
Logo, todos os corvos nascem antes do ano 2010.
O argumento 1 tem uma certa força indutiva. Mas o 2 é muito mau. Todavia, têm ambos a mesma forma lógica:
x (se Fx e Gx, então Hx).
Logo, (se Fx, então Hx)
2.    Nos argumentos não-dedutivos válidos é logicamente possível, mas improvável, que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa; mas nos argumentos dedutivos válidos é logicamente impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. Como vimos, esta impossibilidade resulta unicamente da forma dos argumentos, ou da forma do argumento juntamente com os conceitos usados. Mas isto nunca acontece nos argumentos não-dedutivos. Por muito forte que seja um argumento, será sempre logicamente possível, que a sua conclusão seja falsa, apesar de as suas premissas serem verdadeiras.
Considere-se o seguinte exemplo:
Todos os corvos observados até hoje pesam menos de 5 quilos.
Logo, o corvo do João pesa menos de 5 quilos.
Este argumento indutivo é muito forte. Contudo, não é logicamente impossível que a premissa seja verdadeira e a conclusão falsa. Há várias circunstâncias em que a premissa é verdadeira e a conclusão falsa: o João pode ter descoberto uma forma de fazer os corvos crescer desmesuradamente, o corvo do João pode ter uma doença rara, pode ter sido sujeito a radiações especiais, etc. Contudo, todas estas circunstâncias, apesar de logicamente possíveis, são muito improváveis. Mas num argumento dedutivamente válido é impossível, e não apenas improvável, que as suas premissas sejam verdadeiras e a sua conclusão falsa.
3.    Os argumentos dedutivos são válidos ou inválidos, sem admitir graus de validade; mas a validade dos argumentos não-dedutivos admite graus. Por exemplo, o argumento 1 acima é mais forte do que o 2. Mas há muitos argumentos indutivos mais fortes do que 1, nomeadamente os argumentos que justificam as leis da biologia, por exemplo, que resultam de um estudo muito mais sistemático da natureza do que a mera observação assistemática dos corvos.
4.    Os argumentos não-dedutivos são “abertos”. Na linguagem especializada diz-se que os argumentos não-dedutivas não são “monotónicos”. Vejamos um exemplo:
Todos os corvos que vi até hoje viveram depois de 1965.
Logo, todos os corvos viveram depois de 1965.
Este argumento é muito fraco porque a sua conclusão é “derrotada” pelo conhecimento que temos de que já havia corvos antes de eu ter nascido. Todavia, isto acontece sem que a sua premissa seja falsa. Acontece apenas que há conhecimento relevante, exterior ao argumento, que derrota a conclusão e torna o argumento fraco. Isto não acontece com os argumentos dedutivos estudados na lógica clássica. Neste sentido, os argumentos não-dedutivos são “abertos”, pois um argumento não-dedutivo considerado forte pode vir a ser considerado fraco ao descobrir-se informação que derrota a sua conclusão, sem todavia falsificar qualquer uma das premissas.
MURCHO, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, 2003. Lisboa: Plátano Editora, pp. 102-104



[1] Ainda que se considere que a premissa é particular (porque declara que só alguns corvos – os observados – são pretos), estamos perante um argumento não-dedutivo que não “parte” do particular para o geral, dado que a conclusão é particular.

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