Na compreensão do ser humano há dois aspetos fundamentais da
sua existência que saltam à vista: por um lado, a sua componente somática e o
meio ou ambiente onde se encontra e desenvolve a sua atividade, por outro. Na
consideração de um e de outro somos levados a concluir que o ser humano é um
ser histórico e um ser cultural. Produto de uma cultura e produtor de cultura.
Enquanto produto, podemos entender o ser humano não só como património
biológico, mas como património cultural das gerações que o precederam e que
foram constituindo e construindo o seu próprio mundo pessoal, a partir do qual
tudo é conhecido e valorizado. Enquanto produtor de cultura, considerando a
herança passada, o homem jamais deixará de ter ressonância na história.
O conceito de cultura é um conceito dinâmico e mutável, o que
exige que este conceito seja um conceito em aberto, em constante formação
concomitante ao próprio acontecer humano. Em termos gerais, podemos considerar
que a cultura abarca toda a produção humana, material e simbólica, dotada de
sentido. Isto remete para qualquer atividade humana significativa e, por esta
razão, é um “conjunto de conhecimentos e práticas aprendidos e ensinados, por
contraste ao que é inato”.
Conscientes da dificuldade em estabelecer uma definição para
o conceito de cultura há quem opte por apontar algumas características:
trata-se de um fenómeno universal; é produção e produto; o ser humano é ao
mesmo tempo sujeito e objeto da cultura; tem uma estrutura interdependente; tem
um centro enquanto correspondência da realização da atividade humana; existe
uma pluralidade de culturas.
Se a cultura “designa tudo aquilo que é produzido pelo ser
humano”,
implica desta forma um equilíbrio na diversidade que só será alcançado através
do diálogo, de onde sobressai a “virtude moral indispensável para a relação com
o outro e com o diferente”.
Não se trata da virtude da igualdade, em que tratamos os outros como iguais a nós, não se tratada
virtude da justiça, como quem dá o
que é justo a ambas as partes, mas é a virtude da tolerância que nos referimos,
a única que permite, através do diálogo e perante a diversidade, ao ser humano
sair enriquecido tornando-o construtor da harmonia, da paz e da justiça social.
A tolerância não pode ser entendida de forma passiva, como se de uma
condescendência se tratasse, mas de uma forma dinâmica e ativa tornando-se o
motor do “exercício pleno da justiça social, política, cultural e cognitiva”.
Mas será que “culturas diferentes têm códigos morais
diferentes”? Para o
relativismo moral “não existe verdade universal em ética; existem apenas os
vários códigos morais e nada mais”,
ou seja, para esta teoria o código moral de uma determinada cultura é apenas um
entre muitos, onde nenhum assume um estatuto ou lugar especial. Isto significará
que existe um código moral em cada cultura, sabendo, cada uma delas, afirmar o
que é certo ou errado, correto ou incorreto, belo ou feio.
A par desta perspetiva acerca dos valores ou códigos morais,
temos a tendência de distinguir cultura com a ideia de sociedade, tendo em
conta apenas a sua localização geográfica. Contudo, muitas sociedades atuais
não são culturalmente heterogéneas e, num mesmo espaço, coexistem pessoas e
grupos de diferentes comunidades culturais, são as denominadas sociedades multiculturais.
O autor João Maria André define multiculturalidade e
distinguindo-a da noção de multiculturalismo, ao afirmar que a
multiculturalidade tem “um conteúdo fundamentalmente descritivo, significando a
existência de uma pluralidade de culturas numa proximidade geográfica”,
em contrapartida, o multiculturalismo corresponde “à designação atribuída a
algumas políticas de resposta ao fenómeno da multiculturalidade”.
A realidade do
multiculturalismo, enquanto fator de diversidade cultural, apresenta-se como um
desafio para as diversas áreas do saber a agir humano: para a Filosofia, para o
Direito, para a Religião, para a Política. Este desafio, que no limite é
colocado a todo o ser humano, surge como forma de garantia: a garantia de
acesso a bens e serviços e a garantia da não exclusão.
Diferente do
monoculturalismo e do interculturalismo (este modelo assenta no princípio da discriminação positiva), o
multiculturalismo apresenta-se como um modelo que procura defender a
coexistência de diferentes culturas onde as minorias têm direito de serem
diferentes.
Na prática, sob a égide do multiculturalismo, o relativismo pode “promover a
abertura ao individualismo e ao particularismo, à ausência de valores comuns e
à segregação”.
Júlio Maria
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