quinta-feira, 29 de setembro de 2016

LÓGICA E FILOSOFIA

Pode pensar-se que a lógica não tem qualquer interesse para a filosofia por ser “meramente formal”. Um argumento pode ser válido, poderá alguém argumentar, mas isso não garante que a conclusão seja verdadeira. Como o que interessa à filosofia são as conclusões verdadeiras, a lógica não tem qualquer interesse, diria essa pessoa.
A resposta a este argumento é chamar a atenção para duas coisas. Em primeiro lugar, como veremos, nem toda a lógica é “meramente formal”. A lógica informal, precisamente, não é formal. A lógica informal estuda muitos aspectos da argumentação que não são estudados pela lógica formal. Todavia, não é possível dominar a lógica informal sem dominar os aspectos elementares da lógica formal. A lógica formal é o alicerce a partir do qual se pode erguer a lógica informal.
Em segundo lugar, o argumento ignora que as conclusões verdadeiras ou plausíveis
Devem ser justificadas e as suas consequências explicitadas. O papel da lógica na filosofia torna-se manifesto quando se compreende que os filósofos procuram, implícita ou explicitamente, bons argumentos para defender as suas ideias. Mas para que um argumento seja bom é necessário que seja válido. E é a lógica que ajuda a determinar se um dado argumento é ou não válido.
CLARIFICAÇÃO E VALIDADE
A lógica desempenha dois papéis na filosofia: clarifica o pensamento e ajuda a evitar eros de raciocínio. A filosofia ocupa-se de um conjunto de problemas. Os filósofos, ao longo da história, têm dado reposta a esses problemas, tentando solucioná-los. Para isso apresentam teorias e argumentos. A lógica permite assumir uma posição crítica perante os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia:
1.    A lógica permite avaliar criticamente os problemas da filosofia. Se alguém quiser reflectir sobre o problema de saber por que razão a cor azul dos átomos verdes é tão estridente, o melhor a fazer é mostrar que se trata de um falso problema. Por isso são necessários bons argumentos; não basta afirmar que se trata de um falso problema.
2.    A lógica permite avaliar criticamente as teorias dois filósofos. Será que uma dada teoria é plausível? Como poderemos defendê-la? Quais são os seus pontos fracos e quais são os seus pontos fortes? E porquê?
3.    A lógica permite avaliar criticamente os argumentos dos filósofos. São esses argumentos bons? Ou são erros subtis de raciocínio? Ou baseiam-se em premissas tão discutíveis quanto as suas conclusões?
A lógica representa para a filosofia o que o laboratório representa para o cientista empírico: é o palco onde as ideias se testam e avaliam criticamente. Sem esta atitude crítica não há atitude filosófica. Logo, sem lógica não pode haver uma verdadeira atitude filosófica.
Alguns filósofos não apresentam muitos argumentos. Manifestam apenas as suas ideias inspiradas e visões criativas do mundo. Mas o objectivo do estudo da filosofia não é aprender a repetir acriticamente essas ideias. O objectivo do estudo da filosofia é saber discutir essas ideias. Ora, não é possível discutir as ideias dos filósofos e adoptar uma posição crítica sem dispor dos instrumentos lógicos adequados. Pois discutir ideias é considerar os argumentos que se podem avançar a favor dessas ideias e compará-los com os argumentos que se podem avançar contra elas. E, como é evidente, para comparar a solidez dos diferentes argumentos, a favor e contra uma dada ideia, é necessário dominar a lógica, formal e informal.
MURCHO, Desidério, O Lugar da Lógica na Filosofia, 2003. Lisboa: Plátano Editora, pp. 27-28

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