domingo, 17 de agosto de 2008

ALGUMAS NOÇÕES DE LÓGICA

Parte I
Introdução
Todas as disciplinas têm um objecto de estudo. O objecto de estudo de uma disciplina é aquilo que essa disciplina estuda. Então, qual é o objecto de estudo da lógica? O que é que a lógica estuda? A lógica estuda e sistematiza a validade ou invalidade da argumentação. Também se diz que estuda inferências ou raciocínios. Podes considerar que argumentos, inferências e raciocínios são termos equivalentes.
Muito bem, a lógica estuda argumentos. Mas qual é o interesse disso para a filosofia? Bem, tenho de te lembrar que a argumentação é o coração da filosofia. Em filosofia temos a liberdade de defender as nossas ideias, mas temos de sustentar o que defendemos com bons argumentos e, é claro, também temos de aceitar discutir os nossos argumentos.
Os argumentos constituem um dos três elementos centrais da filosofia. Os outros dois são os problemas e as teorias. Com efeito, ao longo dos séculos, os filósofos têm procurado resolver problemas, criando teorias que se apoiam em argumentos.
Estás a ver por que é que o estudo dos argumentos é importante, isto é, por que é que a lógica é importante. É importante, porque nos ajuda a distinguir os argumentos válidos dos inválidos, permite-nos compreender por que razão uns são válidos e outros não e ensina-nos a argumentar correctamente. E isto é fundamental para a filosofia.
O que é um argumento?
Um argumento é um conjunto de proposições que utilizamos para justificar (provar, dar razão, suportar) algo. A proposição que queremos justificar tem o nome de conclusão; as proposições que pretendem apoiar a conclusão ou a justificam têm o nome de premissas.
Supõe que queres pedir aos teus pais um aumento da "mesada". Como justificas este aumento? Recorrendo a razões, não é? Dirás qualquer coisa como:
Os preços no bar da escola subiram; como eu lancho no bar da escola, o lanche fica me mais caro. Portanto, preciso de um aumento da "mesada".
Temos aqui um argumento, cuja conclusão é: "preciso de um aumento da 'mesada'". E como justificas esta conclusão? Com a subida dos preços no bar da escola e com o facto de lanchares no bar. Então, estas são as premissas do teu argumento, são as razões que utilizas para defender a conclusão.
Este exemplo permite-nos esclarecer outro aspecto dos argumentos, que é o seguinte: embora um argumento seja um conjunto de proposições, nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Por exemplo, o seguinte conjunto de proposições não é um argumento:
Eu lancho no bar da escola, mas o João não.
A Joana come pipocas no cinema.
O Rui foi ao museu.
Neste caso, não temos um argumento, porque não há nenhuma pretensão de justificar uma proposição com base nas outras. Nem há nenhuma pretensão de apresentar um conjunto de proposições com alguma relação entre si. Há apenas uma sequência de afirmações. E um argumento é, como já vimos, um conjunto de proposições em que se pretende que uma delas seja sustentada ou justificada pelas outras — o que não acontece no exemplo anterior.
Um argumento pode ter uma ou mais premissas, mas só pode ter uma conclusão.
Exemplos de argumentos com uma só premissa:
Exemplo 1
Premissa: Todos os portugueses são europeus.
Conclusão: Logo, alguns europeus são portugueses.
Exemplo 2
Premissa: O João e o José são alunos do 11.º ano.
Conclusão: Logo, o João é aluno do 11.º ano.
Exemplos de argumentos com duas premissas:
Exemplo 1
Premissa 1: Se o João é um aluno do 11.º ano, então estuda filosofia.
Premissa 2: O João é um aluno do 11.º ano.
Conclusão: Logo, o João estuda filosofia.
Exemplo 2
Premissa 1: Se não houvesse vida para além da morte, então a vida não faria sentido.
Premissa 2: Mas a vida faz sentido.
Conclusão: Logo, há vida para além da morte.
Exemplo 3:
Premissa 1: Todos os minhotos são portugueses.
Premissa 2: Todos os portugueses são europeus.
Conclusão: Todos os minhotos são europeus.
É claro que a maior parte das vezes os argumentos não se apresentam nesta forma. Repara, por exemplo, no argumento de Kant a favor do valor objectivo da felicidade, tal como é apresentado por Aires Almeida et al. (2003b) no site de apoio ao manual A Arte de Pensar:
"De um ponto de vista imparcial, cada pessoa é um fim em si. Mas se cada pessoa é um fim em si, a felicidade de cada pessoa tem valor de um ponto de vista imparcial e não apenas do ponto de vista de cada pessoa. Dado que cada pessoa é realmente um fim em si, podemos concluir que a felicidade tem valor de um ponto de vista imparcial."
Neste argumento, a conclusão está claramente identificada ("podemos concluir que…"), mas nem sempre isto acontece. Contudo, há certas expressões que nos ajudam a perceber qual é a conclusão do argumento e quais são as premissas. Repara, no argumento anterior, na expressão "dado que". Esta expressão é um indicador de premissa: ficamos a saber que o que se segue a esta expressão é uma premissa do argumento. Também há indicadores de conclusão: dois dos mais utilizados são "logo" e "portanto".
Um indicador é um articulador do discurso, é uma palavra ou expressão que utilizamos para introduzir uma razão (uma premissa) ou uma conclusão. O quadro seguinte apresenta alguns indicadores de premissa e de conclusão:
É claro que nem sempre as premissas e a conclusão são precedidas por indicadores. Por exemplo, no argumento:
O Mourinho é treinador de futebol e ganha mais de 100000 euros por mês. Portanto, há treinadores de futebol que ganham mais de 100000 euros por mês.
A conclusão é precedida do indicador "Portanto", mas as premissas não têm nenhum indicador.
Por outro lado, aqueles indicadores (palavras e expressões) podem aparecer em frases sem que essas frases sejam premissas ou conclusões de argumentos. Por exemplo, se eu disser:
Depois de se separar do dono, o cão nunca mais foi o mesmo. Então, um dia ele partiu e nunca mais foi visto. Admitindo que não morreu, onde estará?
O que se segue à palavra "Então" não é conclusão de nenhum argumento, e o que segue a "Admitindo que" não é premissa, pois nem sequer tenho aqui um argumento. Por isso, embora seja útil, deves usar a informação do quadro de indicadores de premissa e de conclusão criticamente e não de forma automática.
Proposições e frases
Um argumento é um conjunto de proposições. Quer as premissas quer a conclusão de um argumento são proposições. Mas o que é uma proposição?
Uma proposição é o pensamento que uma frase declarativa exprime literalmente.
Não deves confundir proposições com frases. Uma frase é uma entidade linguística, é a unidade gramatical mínima de sentido. Por exemplo, o conjunto de palavras "Braga é uma" não é uma frase. Mas o conjunto de palavras "Braga é uma cidade" é uma frase, pois já se apresenta com sentido gramatical.
Há vários tipos de frases: declarativas, interrogativas, imperativas e exclamativas. Mas só as frases declarativas exprimem proposições. Uma frase só exprime uma proposição quando o que ela afirma tem valor de verdade.
Por exemplo, as seguintes frases não exprimem proposições, porque não têm valor de verdade, isto é, não são verdadeiras nem falsas:
1. Que horas são?
2. Traz o livro.
3. Prometo ir contigo ao cinema.
4. Quem me dera gostar de Matemática.
Mas as frases seguintes exprimem proposições, porque têm valor de verdade, isto é, são verdadeiras ou falsas, ainda que, acerca de algumas, não saibamos, neste momento, se são verdadeiras ou falsas:
1. Braga é a capital de Portugal.
2. Braga é uma cidade minhota.
3. A neve é branca.
4. Há seres extraterrestres inteligentes.
A frase 1 é falsa, a 2 e a 3 são verdadeiras. E a 4? Bem, não sabemos qual é o seu valor de verdade, não sabemos se é verdadeira ou falsa, mas sabemos que tem de ser verdadeira ou falsa. Por isso, também exprime uma proposição.
Uma proposição é uma entidade abstracta, é o pensamento que uma frase declarativa exprime literalmente. Ora, um mesmo pensamento pode ser expresso por diferentes frases. Por isso, a mesma proposição pode ser expressa por diferentes frases. Por exemplo, as frases "O governo demitiu o presidente da TAP" e "O presidente da TAP foi demitido pelo governo" exprimem a mesma proposição. As frases seguintes também exprimem a mesma proposição: "A neve é branca" e "Snow is white".
Ambiguidade e vagueza
Para além de podermos ter a mesma proposição expressa por diferentes frases, também pode acontecer que a mesma frase exprima mais do que uma proposição. Neste caso dizemos que a frase é ambígua. A frase "Em cada dez minutos, um homem português pega numa mulher ao colo" é ambígua, porque exprime mais do que uma proposição: tanto pode querer dizer que existe um homem português (sempre o mesmo) que, em cada dez minutos, pega numa mulher ao colo, como pode querer dizer que, em cada dez minutos, um homem português (diferente) pega numa mulher ao colo (a sua).
Por vezes, deparamo-nos com frases que não sabemos com exactidão o que significam. São as frases vagas. Uma frase vaga é uma frase que dá origem a casos de fronteira indecidíveis. Por exemplo, "O professor de Filosofia é calvo" é uma frase vaga, porque não sabemos a partir de quantos cabelos é que podemos considerar que alguém é calvo. Quinhentos? Cem? Dez? Outro exemplo de frase vaga é o seguinte: "Muitos alunos tiveram negativa no teste de Filosofia". Muitos, mas quantos? Dez? Vinte? Em filosofia devemos evitar as frases vagas, pois, se não comunicarmos com exactidão o nosso pensamento, como é que podemos esperar que os outros nos compreendam?
António Padrão
Retirado de http://www.criticanarede.com/

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