Claro que é verdade que os seres humanos evoluíram de outros animais. Somos símios. Partilhamos 98,6 por cento de genes com os chimpanzés. Geneticamente, estamos mais próximos dos chimpanzés do que os chimpanzés estão dos orangotangos. Os seres humanos e os chimpanzés evoluíram a partir de um antepassado comum através de um processo de selecção natural, por vezes designado como “a sobrevivência dos mais aptos”. Mas se esta expressão invoca imagens da “natureza crua, toda dentes e garras”, essas imagens devem ser afastadas. “Mais aptos” significa, simplesmente, na teoria da evolução, aqueles mais bem equipados para ter filhos que também sobreviverão e se reproduzirão eles próprios. Tal como outros símios, e os primatas em termos mais gerais, os seres humanos são mamíferos sociais. Os mamíferos sociais vivem em grupos e cuidam das suas crias. É assim que conseguem, nem sempre mas a maior parte das vezes, deixar descendentes quando morrem.
Entre os mamíferos sociais é relativamente fácil encontrar exemplos de comportamento animal que é tudo menos egoísta. Talvez o mais famoso – porque visou por vezes os seres humanos – seja a forma como os golfinhos ajudam os membros feridos do seu grupo a sobreviver. Os golfinhos precisam de vir à tona de água para respirarem. Se um golfinho estiver de tal forma ferido que não consiga nadar para vir à tona pelos seus meios, os outros golfinhos reúnem-se em grupo à volta do companheiro ferido e empurram-no para cima, até à superfície da água. Se necessário, fazem isto durante muitas horas. Os animais sociais também partilham. Os lobos e os cães selvagens trazem comida para os membros da alcateia que não estavam presentes na caçada. Os chimpanzés indicam uns aos outros árvores que têm frutos maduros Quando um grupo inteiro de chimpanzés se encontra numa árvore boa, produz um som alto e ressonante que atrai outros chimpanzés num raio de um quilómetro. Os animais sociais avisam-se reciprocamente dos perigos. Quando há aves de rapina a sobrevoar a zona, os melros e os tordos emitem chamamentos de advertência, ajudando outros membros do bando a fugir, talvez correndo mesmo o risco de atrair a ave de rapina sobre si próprios.
Quando os animais lutam com outros membros da sua espécie, parecem muitas vezes obedecer a regras, não muito diferentes das regras éticas de combate adoptadas pelos cavaleiros medievais. Quando um lobo leva a melhor sobre outro, o derrotado assume uma atitude submissa, expondo a aparte vulnerável do pescoço às presas do vencedor. Em vez de aproveitar a oportunidade para rasgar as veias jugulares do adversário, o lobo vitorioso afasta-se, satisfeito com a vitória simbólica.
Em suma, é um erro ver a natureza como uma luta de vida e de morte na qual aqueles que apenas se preocupam com a sua comida, segurança e satisfação sexual serão forçosamente vencedores, eliminando os restantes. Não é isso que nos dizem a biologia e a teoria da evolução. A paisagem que temos de atravessar para sobreviver e transmitir os nossos genes é muito mais complexa do que aquela que é representada no esboço tosco acima apresentado.
SINGER, Peter, Como Havemos de Viver – a ética numa época de individualismo, 1ª edição, 2006. Lisboa: Dinalivro, pp. 165-167
Entre os mamíferos sociais é relativamente fácil encontrar exemplos de comportamento animal que é tudo menos egoísta. Talvez o mais famoso – porque visou por vezes os seres humanos – seja a forma como os golfinhos ajudam os membros feridos do seu grupo a sobreviver. Os golfinhos precisam de vir à tona de água para respirarem. Se um golfinho estiver de tal forma ferido que não consiga nadar para vir à tona pelos seus meios, os outros golfinhos reúnem-se em grupo à volta do companheiro ferido e empurram-no para cima, até à superfície da água. Se necessário, fazem isto durante muitas horas. Os animais sociais também partilham. Os lobos e os cães selvagens trazem comida para os membros da alcateia que não estavam presentes na caçada. Os chimpanzés indicam uns aos outros árvores que têm frutos maduros Quando um grupo inteiro de chimpanzés se encontra numa árvore boa, produz um som alto e ressonante que atrai outros chimpanzés num raio de um quilómetro. Os animais sociais avisam-se reciprocamente dos perigos. Quando há aves de rapina a sobrevoar a zona, os melros e os tordos emitem chamamentos de advertência, ajudando outros membros do bando a fugir, talvez correndo mesmo o risco de atrair a ave de rapina sobre si próprios.
Quando os animais lutam com outros membros da sua espécie, parecem muitas vezes obedecer a regras, não muito diferentes das regras éticas de combate adoptadas pelos cavaleiros medievais. Quando um lobo leva a melhor sobre outro, o derrotado assume uma atitude submissa, expondo a aparte vulnerável do pescoço às presas do vencedor. Em vez de aproveitar a oportunidade para rasgar as veias jugulares do adversário, o lobo vitorioso afasta-se, satisfeito com a vitória simbólica.
Em suma, é um erro ver a natureza como uma luta de vida e de morte na qual aqueles que apenas se preocupam com a sua comida, segurança e satisfação sexual serão forçosamente vencedores, eliminando os restantes. Não é isso que nos dizem a biologia e a teoria da evolução. A paisagem que temos de atravessar para sobreviver e transmitir os nossos genes é muito mais complexa do que aquela que é representada no esboço tosco acima apresentado.
SINGER, Peter, Como Havemos de Viver – a ética numa época de individualismo, 1ª edição, 2006. Lisboa: Dinalivro, pp. 165-167
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