Parte III
Perspectiva do Observador Ideal: "X é um bem" significa "Desejaríamos X se estivéssemos inteiramente informados e nos preocupássemos imparcialmente com todas as pessoas." Escolha os seus princípios morais procurando ser tão imparcial e bem informado quanto possível – veja então o que deseja.
Ana Idealista
Chamo-me Ana Idealista. Aderi à teoria do observador ideal quando compreendi a necessidade de combinar sentimento e razão na abordagem da natureza do pensamento moral.
Os sentimentos e a razão fazem ambos parte da vida; idealmente, deveriam actuar em conjunto em tudo o que fazemos. Vejamos um exemplo extraído da gramática. Antes de entregar um ensaio, releio o que escrevi à procura de erros gramaticais. A intuição faz-me sentir os erros, quando existem; se uma frase me provoca um sentimento de desagrado considero-o um bom indício de que a frase é agramatical. As minhas intuições gramaticais são o produto de anos de treino onde a razão desempenha um papel crucial, tal como as regras e os exemplos. O meu sentido da gramática combina a intuição e a razão. Qualquer aspecto da vida deveria fazê-lo.
Já conhece a minha colega, a Ana Subjectivista. Como partilhamos o mesmo nome próprio, facto que pode tornar-se um foco de confusão, chamar-lhe-ei apenas "Sub". A Sub tem algumas boas ideias às quais falta ponderação. Está sempre a dizer "Sigam os vossos sentimentos". É claro que se os nossos sentimentos forem sensatos e racionais não é um mau conselho. Mas pode-se tornar num péssimo conselho se esses sentimentos forem apenas patetas.
Segui o conselho da Sub o semestre anterior e isso trouxe-me problemas. Segui os meus sentimentos a respeito de comida – e engordei 2 quilos. Segui os meus sentimentos acerca de quando assistir às aulas – e quase reprovei nos exames. Insultei as pessoas sempre que me apeteceu – e isso privou-me da sua companhia. Não creio que aprecie demasiado o que fiz. Em sinal de retaliação contra a Sub, coloquei na parede do quarto o seguinte aviso:
Se fizermos apenas o que gostamos rapidamente deixaremos de gostar das nossas vidas.
Precisamos com frequência de treinar os nossos sentimentos em vez de os seguirmos cegamente. Por exemplo, houve uma altura em que gostava de fumar, comer demasiado e insultar os outros. Depois compreendi que este não é o tipo de coisas de que se justifique gostar – e deixei de o fazer.
Precisamos de combinar os nossos sentimentos com a razão. Actualmente, o meu lema é "Desenvolve primeiro sentimentos racionais e depois segue-os." Mas, poder-se-ia perguntar, como se desenvolvem sentimentos morais racionais? Tenho duas sugestões a apresentar:
Esteja informado: baseie os seus sentimentos e decisões numa avaliação correcta da situação.
Seja imparcial: ao fazer um juízo moral adopte um ponto de vista imparcial que contemple a todos da mesma forma.
Os sentimentos racionais são aqueles que estão informados e são imparciais. Os juízos morais não descrevem os nossos sentimentos actuais e impulsos momentâneos, nem aquilo de que num ou noutro momento gostamos. Os juízos morais descrevem como nos sentiríamos se fossemos inteiramente racionais. "X é um bem" significa "Desejaríamos X se fossemos imparciais e estivéssemos completamente informados." Chama-se perspectiva do observador ideal a esta perspectiva. Adoptamos os nossos princípios morais procurando estar tão bem informados e ser tão imparciais quanto possível – e só então vemos como nos sentimos.
A minha amiga Sub acha intrigante que possamos afirmar "Gosto de fumar embora isso seja um mal." A sua explicação para o sentido deste enunciado parece-me um pouco enredada. A minha é melhor: "Gostar" refere-se aos nossos sentimentos actuais e "bem" ao que sentiríamos se fossemos racionais. O impulso que favorece fumar está em conflito com uma perspectiva racional (que inclui ter consciência e levar em consideração os danos que decorrem do uso do tabaco).
Deixe-me explicar o meu ponto de vista de outra forma. Um observador ideal é uma pessoa imaginária dotada de uma suprema sabedoria moral – uma pessoa informada e capaz de considerar os outros com um mesmo grau de preocupação imparcial. Dizer que algo é um "bem" significa que desejaríamos que tal acontecesse se fossemos observadores ideais. É claro que nunca seremos observadores ideais porque a ignorância e o preconceito nos impedirão disso. Mas a noção de um observador ideal é útil. Dá-nos uma imagem viva da sabedoria moral e uma forma de compreendermos o significado e a metodologia dos juízos morais.
Permita-me agora explicar como fazer juízos morais de modo racional. Em primeiro lugar, precisamos de estar informados. Precisamos de conhecer as circunstâncias, as alternativas e as consequências. Além disso, é necessário evitar os erros factuais. Um juízo moral é menos racional se não for baseado numa compreensão correcta da situação. É óbvio que não podemos saber tudo, mas podemos empenhar-nos de maneira a obter mais conhecimento.
O segundo elemento do pensamento moral racional é a imparcialidade. Os juízos morais envolvem sentimentos imparciais. Quando fazemos um juízo moral, adoptamos uma perspectiva imparcial que considera do mesmo modo todas as pessoas. Necessitamos desta perspectiva para regular as nossas inclinações egoístas e para que todos possamos viver em paz e harmonia.
A imparcialidade mostra alguns erros mais cometidos pelo subjectivismo. De um ponto de vista subjectivista "X é um bem" significa "Gosto de X". Logo, o seguinte raciocínio é correcto:
Gosto de me embebedar e de magoar outras pessoas.
Perspectiva do Observador Ideal: "X é um bem" significa "Desejaríamos X se estivéssemos inteiramente informados e nos preocupássemos imparcialmente com todas as pessoas." Escolha os seus princípios morais procurando ser tão imparcial e bem informado quanto possível – veja então o que deseja.
Ana Idealista
Chamo-me Ana Idealista. Aderi à teoria do observador ideal quando compreendi a necessidade de combinar sentimento e razão na abordagem da natureza do pensamento moral.
Os sentimentos e a razão fazem ambos parte da vida; idealmente, deveriam actuar em conjunto em tudo o que fazemos. Vejamos um exemplo extraído da gramática. Antes de entregar um ensaio, releio o que escrevi à procura de erros gramaticais. A intuição faz-me sentir os erros, quando existem; se uma frase me provoca um sentimento de desagrado considero-o um bom indício de que a frase é agramatical. As minhas intuições gramaticais são o produto de anos de treino onde a razão desempenha um papel crucial, tal como as regras e os exemplos. O meu sentido da gramática combina a intuição e a razão. Qualquer aspecto da vida deveria fazê-lo.
Já conhece a minha colega, a Ana Subjectivista. Como partilhamos o mesmo nome próprio, facto que pode tornar-se um foco de confusão, chamar-lhe-ei apenas "Sub". A Sub tem algumas boas ideias às quais falta ponderação. Está sempre a dizer "Sigam os vossos sentimentos". É claro que se os nossos sentimentos forem sensatos e racionais não é um mau conselho. Mas pode-se tornar num péssimo conselho se esses sentimentos forem apenas patetas.
Segui o conselho da Sub o semestre anterior e isso trouxe-me problemas. Segui os meus sentimentos a respeito de comida – e engordei 2 quilos. Segui os meus sentimentos acerca de quando assistir às aulas – e quase reprovei nos exames. Insultei as pessoas sempre que me apeteceu – e isso privou-me da sua companhia. Não creio que aprecie demasiado o que fiz. Em sinal de retaliação contra a Sub, coloquei na parede do quarto o seguinte aviso:
Se fizermos apenas o que gostamos rapidamente deixaremos de gostar das nossas vidas.
Precisamos com frequência de treinar os nossos sentimentos em vez de os seguirmos cegamente. Por exemplo, houve uma altura em que gostava de fumar, comer demasiado e insultar os outros. Depois compreendi que este não é o tipo de coisas de que se justifique gostar – e deixei de o fazer.
Precisamos de combinar os nossos sentimentos com a razão. Actualmente, o meu lema é "Desenvolve primeiro sentimentos racionais e depois segue-os." Mas, poder-se-ia perguntar, como se desenvolvem sentimentos morais racionais? Tenho duas sugestões a apresentar:
Esteja informado: baseie os seus sentimentos e decisões numa avaliação correcta da situação.
Seja imparcial: ao fazer um juízo moral adopte um ponto de vista imparcial que contemple a todos da mesma forma.
Os sentimentos racionais são aqueles que estão informados e são imparciais. Os juízos morais não descrevem os nossos sentimentos actuais e impulsos momentâneos, nem aquilo de que num ou noutro momento gostamos. Os juízos morais descrevem como nos sentiríamos se fossemos inteiramente racionais. "X é um bem" significa "Desejaríamos X se fossemos imparciais e estivéssemos completamente informados." Chama-se perspectiva do observador ideal a esta perspectiva. Adoptamos os nossos princípios morais procurando estar tão bem informados e ser tão imparciais quanto possível – e só então vemos como nos sentimos.
A minha amiga Sub acha intrigante que possamos afirmar "Gosto de fumar embora isso seja um mal." A sua explicação para o sentido deste enunciado parece-me um pouco enredada. A minha é melhor: "Gostar" refere-se aos nossos sentimentos actuais e "bem" ao que sentiríamos se fossemos racionais. O impulso que favorece fumar está em conflito com uma perspectiva racional (que inclui ter consciência e levar em consideração os danos que decorrem do uso do tabaco).
Deixe-me explicar o meu ponto de vista de outra forma. Um observador ideal é uma pessoa imaginária dotada de uma suprema sabedoria moral – uma pessoa informada e capaz de considerar os outros com um mesmo grau de preocupação imparcial. Dizer que algo é um "bem" significa que desejaríamos que tal acontecesse se fossemos observadores ideais. É claro que nunca seremos observadores ideais porque a ignorância e o preconceito nos impedirão disso. Mas a noção de um observador ideal é útil. Dá-nos uma imagem viva da sabedoria moral e uma forma de compreendermos o significado e a metodologia dos juízos morais.
Permita-me agora explicar como fazer juízos morais de modo racional. Em primeiro lugar, precisamos de estar informados. Precisamos de conhecer as circunstâncias, as alternativas e as consequências. Além disso, é necessário evitar os erros factuais. Um juízo moral é menos racional se não for baseado numa compreensão correcta da situação. É óbvio que não podemos saber tudo, mas podemos empenhar-nos de maneira a obter mais conhecimento.
O segundo elemento do pensamento moral racional é a imparcialidade. Os juízos morais envolvem sentimentos imparciais. Quando fazemos um juízo moral, adoptamos uma perspectiva imparcial que considera do mesmo modo todas as pessoas. Necessitamos desta perspectiva para regular as nossas inclinações egoístas e para que todos possamos viver em paz e harmonia.
A imparcialidade mostra alguns erros mais cometidos pelo subjectivismo. De um ponto de vista subjectivista "X é um bem" significa "Gosto de X". Logo, o seguinte raciocínio é correcto:
Gosto de me embebedar e de magoar outras pessoas.
Logo, beber demasiado e magoar outras pessoas é um bem.
Mas este raciocínio é incorrecto. A conclusão envolve o uso incorrecto da palavra "bem"; de facto, esta palavra descreve aquilo que desejaríamos que acontecesse caso estivéssemos na posse de informação completa e fossemos imparciais. A sociedade desmoronar-se-ia se seguíssemos o modelo subjectivista para o pensamento moral – se apenas fizéssemos o que gostamos, independentemente da forma como isso afectasse as outras pessoas.
Eis um exemplo acerca de como aplicar esta perspectiva. Admitamos que foi eleito para o Parlamento. Com que fundamento consideraria "um bem" – e nessa medida digna do seu voto – uma proposta de lei? O relativismo cultural diz-lhe para votar com a maioria; mas a maioria pode ser ignorante, ou estar dominada pela propaganda e pela mentira. O subjectivismo diz-lhe para seguir os seus sentimentos; estes sentimentos podem, contudo, estar deslocados ou apenas reflectirem a sua ignorância. A minha perspectiva diz-lhe para formar os seus valores de um modo factualmente informado e que considere todas as pessoas com imparcialidade. Este procedimento constitui uma melhor base de apoio para a democracia.
A perspectiva que proponho oferece-lhe ainda formas objectivas de criticar crenças morais racistas. Suponha que estamos a avaliar a racionalidade moral de um Nazi que acredita que devemos enviar os judeus para campos de concentração. Presumivelmente, o Nazi viola a condição de "estar informado"; as suas atitudes baseiam-se provavelmente em erros factuais ou na ignorância:
As suas atitudes podem-se basear em erros factuais. Talvez acredite falsamente que a sua raça é superior ou que é racialmente puro. Talvez acredite que as políticas raciais trazem amplos benefícios para a sua própria raça. Podemos criticar estes erros de forma objectiva.
As suas atitudes podem estar baseadas na ignorância. Talvez não compreenda o sofrimento que as suas acções causam nas vítimas. Talvez não compreenda como raças diferentes aprenderam a conviver pacífica e harmoniosamente noutras sociedades. Talvez não compreenda que o seu ódio aos judeus tem origem numa lavagem ao cérebro (em estereótipos e mentiras).
As suas atitudes poderiam ser criticadas com base na imparcialidade. Como as suas acções não reflectem uma preocupação em proceder do mesmo modo com todas as pessoas, não faz sentido defendê-las utilizando para o efeito um idioma moral. Talvez goste de perseguir judeus, mas não poderá defender de forma plausível que estas acções constituem um "bem".
Alguns sistemas de valores são, portanto, mais racionais do que outros. Um sistema de valores é "racional" – e, nessa medida, digno de respeito – caso se baseie numa correcta compreensão dos factos e numa preocupação em considerar todas as pessoas de igual modo. O nazismo, a escravatura, a segregação racial são irracionais – têm a ignorância como único fundamento ou constituem violações da exigência de imparcialidade para com os nossos semelhantes. A minha concepção possui diversas vantagens se comparada com o relativismo cultural ou o subjectivismo. Introduz um elemento de racionalidade sem pôr em causa o papel dos sentimentos. Além disso, oferece-nos munições mais eficazes para combater o racismo. Fornece-nos ainda uma base mais firme para a educação moral ao favorecer o desenvolvimento de sentimentos responsáveis e sensatos. Finalmente, está de acordo com a maneira como formamos as nossas crenças morais sempre que tentamos proceder racionalmente.
Harry Gensler
Retirado de http://www.criticanarede.com/
Mas este raciocínio é incorrecto. A conclusão envolve o uso incorrecto da palavra "bem"; de facto, esta palavra descreve aquilo que desejaríamos que acontecesse caso estivéssemos na posse de informação completa e fossemos imparciais. A sociedade desmoronar-se-ia se seguíssemos o modelo subjectivista para o pensamento moral – se apenas fizéssemos o que gostamos, independentemente da forma como isso afectasse as outras pessoas.
Eis um exemplo acerca de como aplicar esta perspectiva. Admitamos que foi eleito para o Parlamento. Com que fundamento consideraria "um bem" – e nessa medida digna do seu voto – uma proposta de lei? O relativismo cultural diz-lhe para votar com a maioria; mas a maioria pode ser ignorante, ou estar dominada pela propaganda e pela mentira. O subjectivismo diz-lhe para seguir os seus sentimentos; estes sentimentos podem, contudo, estar deslocados ou apenas reflectirem a sua ignorância. A minha perspectiva diz-lhe para formar os seus valores de um modo factualmente informado e que considere todas as pessoas com imparcialidade. Este procedimento constitui uma melhor base de apoio para a democracia.
A perspectiva que proponho oferece-lhe ainda formas objectivas de criticar crenças morais racistas. Suponha que estamos a avaliar a racionalidade moral de um Nazi que acredita que devemos enviar os judeus para campos de concentração. Presumivelmente, o Nazi viola a condição de "estar informado"; as suas atitudes baseiam-se provavelmente em erros factuais ou na ignorância:
As suas atitudes podem-se basear em erros factuais. Talvez acredite falsamente que a sua raça é superior ou que é racialmente puro. Talvez acredite que as políticas raciais trazem amplos benefícios para a sua própria raça. Podemos criticar estes erros de forma objectiva.
As suas atitudes podem estar baseadas na ignorância. Talvez não compreenda o sofrimento que as suas acções causam nas vítimas. Talvez não compreenda como raças diferentes aprenderam a conviver pacífica e harmoniosamente noutras sociedades. Talvez não compreenda que o seu ódio aos judeus tem origem numa lavagem ao cérebro (em estereótipos e mentiras).
As suas atitudes poderiam ser criticadas com base na imparcialidade. Como as suas acções não reflectem uma preocupação em proceder do mesmo modo com todas as pessoas, não faz sentido defendê-las utilizando para o efeito um idioma moral. Talvez goste de perseguir judeus, mas não poderá defender de forma plausível que estas acções constituem um "bem".
Alguns sistemas de valores são, portanto, mais racionais do que outros. Um sistema de valores é "racional" – e, nessa medida, digno de respeito – caso se baseie numa correcta compreensão dos factos e numa preocupação em considerar todas as pessoas de igual modo. O nazismo, a escravatura, a segregação racial são irracionais – têm a ignorância como único fundamento ou constituem violações da exigência de imparcialidade para com os nossos semelhantes. A minha concepção possui diversas vantagens se comparada com o relativismo cultural ou o subjectivismo. Introduz um elemento de racionalidade sem pôr em causa o papel dos sentimentos. Além disso, oferece-nos munições mais eficazes para combater o racismo. Fornece-nos ainda uma base mais firme para a educação moral ao favorecer o desenvolvimento de sentimentos responsáveis e sensatos. Finalmente, está de acordo com a maneira como formamos as nossas crenças morais sempre que tentamos proceder racionalmente.
Harry Gensler
Retirado de http://www.criticanarede.com/
1 comentário:
Ótimo texto! Na minha opinião, uma boa leitura kantiana. Abraço
Enviar um comentário