sábado, 1 de novembro de 2008

A LIBERDADE DA VONTADE

A concepção de nós mesmos como agentes livres é fundamental para toda a nossa autoconcepção.
Por outro lado, sentimo-nos inclinados a dizer que, uma vez que a natureza consiste em partículas e nas suas relações recíprocas e, dado que tudo se pode explicar em termos dessas partículas e das suas relações, não há simplesmente espaço para a liberdade da vontade. O indeterminismo ao nível das partículas da física não é efectivamente, um apoio para qualquer doutrina da liberdade da vontade; porque, em primeiro lugar, a indeterminação estatística ao nível das partículas não mostra qualquer indeterminação ao nível dos objectos que nos afectam. Em segundo lugar: do facto de as partículas serem determinadas apenas estatisticamente não se segue que a mente humana possa forçar as partículas estatisticamente determinadas a desviarem-se do seu caminho.
Como muitos filósofos salientaram, se existe um facto da experiência com que todos somos familiarizados, é o facto simples de que as nossas próprias escolhas, decisões, raciocínios e cogitações diferem do nosso comportamento. Embora tenhamos feito uma coisa, temos a certeza de sabermos perfeitamente bem que poderíamos ter feito alguma coisa mais. Sabemos que poderíamos ter feito alguma coisa mais, porque escolhemos algo em virtude de determinadas razões. Mas tínhamos consciência de que havia também razões para escolher outra coisa e, na verdade, podíamos ter exigido por essas razões e escolhido essa coisa. Constitui um facto empírico evidente que o nosso comportamento não é previsível da mesma maneira que é predizível o comportamento dos objectos rolando por um plano inclinado. E a razão por que não é predizível dessa maneira é porque, muitas vezes, poderíamos ter agido de um modo diferente de como agimos efectivamente. A liberdade humana é precisamente um facto de experiência. Se desejarmos alguma prova empírica de tal facto, podemos sem mais aludir à possibilidade que sempre nos cabe de falsificarmos quaisquer predições que alguém possa ter feito acerca do nosso comportamento.
Estamos perante um enigma filosófico característico. Por um lado, um conjunto de argumentos muito poderosos força-nos à conclusão de que a vontade livre não existe no Universo. Por outro, uma série de argumentos poderosos baseados em factos da nossa própria experiência inclina-nos para a conclusão de que deve haver alguma liberdade da vontade, porque aí todos a experimentamos em todo o tempo.
Mas a vontade livre e o determinismo são perfeitamente compatíveis entre si. Naturalmente, tudo no Mundo é determinado mas, apesar de tudo, algumas acções humanas são livres. Dizer que são livres não é negar que sejam determinadas; é afirmar que não são constrangidas. Não somos forçados a fazê-las: assim, por exemplo, se um homem é forçado a fazer alguma coisa porque lhe apontam uma arma, ou se sofrem de alguma compulsão psicológica, então, a sua conduta é genuinamente não livre. Mas se, por outro lado, ele age livremente, se age, como dizemos, por sua livre vontade, então, o seu comportamento é livre. Claro está, é também completamente determinado, uma vez que cada aspecto do seu comportamento é determinado pelas forças físicas que operam sobre as partículas que compõem o seu corpo, tal como operam sobre todos os corpos do universo.
Ora bem, porque esta concepção afirma a compatibilidade da vontade livre e do determinismo recebe habitualmente o nome de “compatibilismo”. Penso que é inadequada como solução para o problema e eis porquê. O problema em torno da liberdade da vontade não se põe a propósito da existência ou não existência de razões psicológicas internas que nos levam a fazer coisas, ou também de existência de causas físicas externas e de compulsões internas.
Será sempre verdadeiro afirmar de outra pessoa que ela poderia ter agido de outro modo, permanecendo idênticas todas as outras condições?
Afirmei que temos uma convicção da nossa vontade livre simplesmente baseada nos factos da experiência humana. Mas, até que ponto são fidedignas essas experiências?
SEARLE, John, Mente, Cérebro e Ciência, 2000. Lisboa: Edições 70, pp.105-121

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