quarta-feira, 19 de novembro de 2008

METAÉTICA: INTRODUÇÃO v

Parte V
Superveniência
Teremos muito mais a dizer sobre motivação e directividade. Por agora, vamos concentrar-nos num terceiro aspecto do Argumento da Esquisitice, um aspecto que diz respeito à superveniência. Os factos morais parecem depender dos factos naturais: parecem ser supervenientes em relação a estes. Mas como poderemos compreender esta superveniência e como a conhecemos?
Pensemos uma vez mais num exemplo, considerando esta pequena história. Era uma vez um homem chamado João. João tinha um hobby: aos fins-de-semana saía para se encontrar com senhoras de idade encantadoras. Atraía-as para a sua casa e aí cortava-as aos pedaços com um cutelo de talhante. João fazia isto porque lhe dava prazer. Fim da história.
Note-se que a minha história não contém quaisquer factos éticos: limita-se a descrever uma curta série de factos naturais perfeitamente claros. Mas é óbvio que vocês, depois de conhecerem a minha história, retirarão uma conclusão ética. A partir dos factos indicados concluirão que João é um homem vil e que o seu comportamento é errado. Assim, as propriedades éticas das acções de João estão dependentes ou são uma consequência das suas propriedades naturais – ou, como Mackie diz, as primeiras são supervenientes relativamente às segundas.
Mas como podemos entender esta relação? Esta certamente não parece ser uma relação de consequência lógica. Quem ouvisse a minha história e concluísse que João tem de ser um homem bom e decente estaria a cometer um erro, mas não um erro lógico. Não existiria qualquer contradição na sua opinião. E esta certamente também não parece ser uma relação causal. Podemos dizer que a embriaguez habitual de João causou a perda do seu emprego, mas não parece que as propriedades naturais das acções de João causem de algum modo certas propriedades morais. Mas então que relação existe entre estas? Mackie pensa que neste ponto devemos sentir-nos perplexos. E, além disso, sabemos que essa relação se verifica?
Veja-se a este respeito que tipo de conhecimento parece estar aqui em questão. A história de João é fictícia: eu inventei-a. Quando invento uma história, certamente compete-me a mim decidir quais são os factos que a constituem. Então imaginemos que eu conto a história da seguinte maneira. Era uma vez um homem chamado João que cortava aos pedaços senhoras de idade com um cutelo de talhante para se divertir. Estas acções eram todas moralmente muito boas. Fim da história. Por que razão não posso contar a história assim? A verdade é que se eu tentar contá-la desta maneira vocês pura e simplesmente discordarão: dirão que não, que as acções de João não foram nem podem ter sido boas. Mas como sabem isso? Imaginem que João é uma pessoa real que vive perto da Cidade Universitária. Falo-lhes das coisas que João faz e colocamos a questão: as acções de João são erradas? E eu respondo: «Isso não sei. Sei que o João gosta de matar senhoras idosas, mas quando investiguei a situação esqueci-me de ver isso. Esqueci-me de ver várias coisas: em que quarto ele as mata, onde vai para as conhecer e se aquilo que ele faz é certo ou errado. Voltamos lá para investigar?» Considerariam muito estranho eu dizer isto. Depois de ouvirem falar dos hábitos de João não pensam que haja mais alguma coisa a determinar, que seja preciso investigar mais antes de decidirmos se João procede bem ou mal. É suposto seguir-se – em algum sentido de «seguir» – dos factos naturais que as suas acções são más. Existe assim uma espécie de ligação muito forte entre os factos naturais e os factos morais, mas ainda não conseguimos explicar a sua natureza nem o modo como a conhecemos. E, dirá Mackie uma vez mais, isto só mostra como os factos morais são esquisitíssimos. Na verdade, suficientemente esquisitos para isso nos fazer duvidar da sua existência.

James Lenman
Retirado de www.spfil.pt/trolei/

Sem comentários: