Parte II
Quais são os antecedentes mentais da acção? Que tipo de acontecimentos ou estados mentais são as causas iniciadoras de uma acção intencional?
O nosso primeiro pensamento pode ser que a acção resulta sempre do desejo. Por outras palavras, as acções são coisas que fazes ou porque queres fazê-las ou porque acreditas que elas são o meio para chegares a outras coisas que desejas. Quando activamente ergueste o braço, o teu braço ergue-se porque simplesmente queres que ele se erga (talvez porque estejas a experimentar se ele ainda se move depois de teres tido um acidente), ou porque o subir do braço seja necessário para outra coisa qualquer que desejas (talvez porque queiras votar e penses que necessitas de levantar o braço para votar, ou queres dar início a uma corrida e penses que levantar a mão é o modo de o fazer, ou queres apontar para a estrela polar, …). Por contraste, as não-acções, como espasmos ou contracções musculares, acontecem independentemente dos teus desejos, isto é, quer queiras quer não que elas ocorram.
Mas existe uma aparente dificuldade com este primeiro pensamento plausível que pode ser explicitado pelo seguinte argumento:
(D) Os nossos desejos — ou pelo menos os mais básicos — não são estados sobre os quais tenhamos muito controlo; não depende usualmente de nós sentirmos sede e querermos beber, ou desejarmos estar mais quentes, ou termos desejos sexuais. As nossas crenças, de igual modo, não estão sobre o nosso controlo voluntário; muitas são adquiridas perceptivamente e a percepção envolve um processo causal que não depende de nós. Portanto, se caracterizarmos as acções como fazeres causados por desejos (em conjunto com as crenças apropriadas), isto sugere que há estados que não dependem de nós automaticamente que produzem acções sem a nossa intervenção; e isto implicaria que as nossas acções também não dependem de nós. Esta conclusão põe em causa todo o conceito de acção tal como o definimos até agora.
Seguindo Anscombe, a nossa sugestão fundamental é que uma acção é intencional apenas se é feita com razões à luz das quais o comportamento de um agente pode ser compreensível. Especificar as razões que fazem um comportamento ser compreensível é especificar o desejo ou pró-atitude relevantes e uma crença de que o efeito da acção conduza ao desejo esperado. Necessitamos, contudo, de destacar um aspecto que até agora foi deixado implícito. De modo a explicar a acção de alguém, não é suficiente especificar um desejo e uma crença que o agente tenha que torna a acção compreensível; se queremos ter uma explicação correcta, a acção tem que ter sido feita por causa desse desejo e dessa crença. Suponhamos, por exemplo, que Jack abriu a janela porque desejava ter ar fresco e acreditava que teria ar fresco se abrisse a janela. Essa crença e esse desejo evidentemente fazem o abrir da janela algo que se faz numa situação dessas — mas essa crença e desejo podem não ter funcionado como as razões para abrir a janela nesta ocasião. Ele pode ter aberto a janela porque queria falar com a Jill que está no exterior e porque acreditava que isso facilitaria a conversa. Em termos mais gerais, podemos ter, numa dada situação, um conjunto de diferentes crenças e desejos de tal modo que cada conjunto tornaria razoável o mesmo curso de acção: ao explicar uma acção temos de escolher um (ou mais) dos conjuntos como efectivamente decisivo na produção da acção. Repetindo: para explicar uma acção temos de fazer mais do que simplesmente especificar crenças e desejos que tornariam a acção compreensível; temos de dizer que o agente agiu por causa dessas crenças e desejos.
O pensamento essencial em D, era que se tentarmos definir acções como fazeres que explicamos recorrendo a desejos, dado que os desejos não "dependem de nós" o mesmo se aplicará supostamente às nossas acções intencionais. Bom, aceitemos que as nossas necessidades mais básicas não estão sob o nosso controlo — não podemos fazer nada quando temos sede, por exemplo. Mas muitos dos desejos ou pró-atitudes envolvidos na explicação da acção humana, ou talvez mesmo a maior parte, dependem de algum modo de nós (pelo menos no sentido vulgar dessa expressão).
Juntando os fios da nossa discussão, podemos concluir dizendo que um fazer é uma acção apenas se envolve algo feito intencionalmente, isto é, algo realizado por causa de uma pró-atitude apropriada e de uma crença respectiva. Parece, portanto, que chegamos finalmente à formulação correcta do núcleo de uma teoria causal da acção — as causas mentais desses episódios comportamentais que contam como acções intencionais são simplesmente crenças e desejos. De modo a responder à questão de Wittgenstein: a diferença entre o teu braço se erguer e tu ergueres o teu braço é uma questão de causalidade através de crenças e desejos.
Peter Smith e O.R. Jones
Retirado de http://www.criticanarede.com/
Quais são os antecedentes mentais da acção? Que tipo de acontecimentos ou estados mentais são as causas iniciadoras de uma acção intencional?
O nosso primeiro pensamento pode ser que a acção resulta sempre do desejo. Por outras palavras, as acções são coisas que fazes ou porque queres fazê-las ou porque acreditas que elas são o meio para chegares a outras coisas que desejas. Quando activamente ergueste o braço, o teu braço ergue-se porque simplesmente queres que ele se erga (talvez porque estejas a experimentar se ele ainda se move depois de teres tido um acidente), ou porque o subir do braço seja necessário para outra coisa qualquer que desejas (talvez porque queiras votar e penses que necessitas de levantar o braço para votar, ou queres dar início a uma corrida e penses que levantar a mão é o modo de o fazer, ou queres apontar para a estrela polar, …). Por contraste, as não-acções, como espasmos ou contracções musculares, acontecem independentemente dos teus desejos, isto é, quer queiras quer não que elas ocorram.
Mas existe uma aparente dificuldade com este primeiro pensamento plausível que pode ser explicitado pelo seguinte argumento:
(D) Os nossos desejos — ou pelo menos os mais básicos — não são estados sobre os quais tenhamos muito controlo; não depende usualmente de nós sentirmos sede e querermos beber, ou desejarmos estar mais quentes, ou termos desejos sexuais. As nossas crenças, de igual modo, não estão sobre o nosso controlo voluntário; muitas são adquiridas perceptivamente e a percepção envolve um processo causal que não depende de nós. Portanto, se caracterizarmos as acções como fazeres causados por desejos (em conjunto com as crenças apropriadas), isto sugere que há estados que não dependem de nós automaticamente que produzem acções sem a nossa intervenção; e isto implicaria que as nossas acções também não dependem de nós. Esta conclusão põe em causa todo o conceito de acção tal como o definimos até agora.
Seguindo Anscombe, a nossa sugestão fundamental é que uma acção é intencional apenas se é feita com razões à luz das quais o comportamento de um agente pode ser compreensível. Especificar as razões que fazem um comportamento ser compreensível é especificar o desejo ou pró-atitude relevantes e uma crença de que o efeito da acção conduza ao desejo esperado. Necessitamos, contudo, de destacar um aspecto que até agora foi deixado implícito. De modo a explicar a acção de alguém, não é suficiente especificar um desejo e uma crença que o agente tenha que torna a acção compreensível; se queremos ter uma explicação correcta, a acção tem que ter sido feita por causa desse desejo e dessa crença. Suponhamos, por exemplo, que Jack abriu a janela porque desejava ter ar fresco e acreditava que teria ar fresco se abrisse a janela. Essa crença e esse desejo evidentemente fazem o abrir da janela algo que se faz numa situação dessas — mas essa crença e desejo podem não ter funcionado como as razões para abrir a janela nesta ocasião. Ele pode ter aberto a janela porque queria falar com a Jill que está no exterior e porque acreditava que isso facilitaria a conversa. Em termos mais gerais, podemos ter, numa dada situação, um conjunto de diferentes crenças e desejos de tal modo que cada conjunto tornaria razoável o mesmo curso de acção: ao explicar uma acção temos de escolher um (ou mais) dos conjuntos como efectivamente decisivo na produção da acção. Repetindo: para explicar uma acção temos de fazer mais do que simplesmente especificar crenças e desejos que tornariam a acção compreensível; temos de dizer que o agente agiu por causa dessas crenças e desejos.
O pensamento essencial em D, era que se tentarmos definir acções como fazeres que explicamos recorrendo a desejos, dado que os desejos não "dependem de nós" o mesmo se aplicará supostamente às nossas acções intencionais. Bom, aceitemos que as nossas necessidades mais básicas não estão sob o nosso controlo — não podemos fazer nada quando temos sede, por exemplo. Mas muitos dos desejos ou pró-atitudes envolvidos na explicação da acção humana, ou talvez mesmo a maior parte, dependem de algum modo de nós (pelo menos no sentido vulgar dessa expressão).
Juntando os fios da nossa discussão, podemos concluir dizendo que um fazer é uma acção apenas se envolve algo feito intencionalmente, isto é, algo realizado por causa de uma pró-atitude apropriada e de uma crença respectiva. Parece, portanto, que chegamos finalmente à formulação correcta do núcleo de uma teoria causal da acção — as causas mentais desses episódios comportamentais que contam como acções intencionais são simplesmente crenças e desejos. De modo a responder à questão de Wittgenstein: a diferença entre o teu braço se erguer e tu ergueres o teu braço é uma questão de causalidade através de crenças e desejos.
Peter Smith e O.R. Jones
Retirado de http://www.criticanarede.com/
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