domingo, 7 de setembro de 2008

Os instrumentos do ofício

Parte I
Às vezes diz-se que a filosofia é uma disciplina dialéctica, querendo com isso dizer que a filosofia procede através de argumentos e contra-argumentos. É claro que, num certo sentido, todas as disciplinas dependem de argumentos, mas o raciocínio lógico tem na filosofia um papel proeminente. A explicação está em que a filosofia procura responder a questões tão fundamentais que raramente os factos empíricos as podem resolver. Quando duas pessoas discordam acerca de um assunto filosófico, a única forma de poderem avançar é examinando e avaliando os argumentos e objecções de ambos os lados. Portanto, para que haja algum ganho a investigação filosófica tem de ser crítica e lógica. Para facilitar esta investigação, temos de aprender a fazer perguntas críticas acerca dos argumentos que encontramos, e a examinar as respostas com argúcia lógica. Estas perguntas são questões de lógica e semântica. Apresentaremos uma introdução breve à lógica e à semântica, de modo a podermos abordar os difíceis problemas da filosofia com as competências necessárias a uma investigação inteligente e rigorosa.
Lógica dedutiva
Chama-se «lógica» ou «lógica formal» ao campo que tem por objecto os argumentos. A primeira questão a responder neste campo é: O que é um argumento? Para os nossos fins, um argumento é um grupo de afirmações das quais uma, a conclusão, se segue das outras. Por exemplo, atenta no seguinte argumento: «Tudo é causado e, por isso, ninguém age de forma livre». Este argumento, cujos méritos examinaremos no capítulo três, pode ser apresentado de forma mais formal como se segue:
1. Se tudo é causado, então ninguém age livremente.
2. Tudo é causado.
3. Logo Ninguém age livremente.
A palavra «Logo» por cima da afirmação 3 indica que o que se encontra abaixo é a conclusão que se segue das afirmações acima. As afirmações 1 e 2 são razões dadas para concluir 3, e a essas afirmações chama-se premissas. Assim, todo o argumento consiste numa conclusão e numa ou mais premissas de que a conclusão se segue.
Solidez e validade
Em geral, há dois géneros de argumentos, indutivos e dedutivos. Examinaremos os argumentos indutivos mais tarde, mas primeiro concentrar-nos-emos nos argumentos dedutivos, de que apresentámos agora mesmo um exemplo. Diz-se que um argumento dedutivo é sólido quando as premissas do argumento são verdadeiras e o argumento é válido. Dizer que um argumento é válido é equivalente a dizer que é logicamente impossível que as premissas do argumento sejam verdadeiras e a conclusão falsa. Uma forma menos precisa mas intuitivamente clara de pôr o assunto é dizer que, num argumento válido, se as premissas são verdadeiras, então a conclusão tem de ser verdadeira. Por esta definição, é fácil ver que o argumento anterior é válido, e, se as premissas são verdadeiras, então tem de ser igualmente sólido. Porque se as premissas
1. Se tudo é causado, então ninguém age livremente.
2. Tudo é causado.
são ambas verdadeiras, então tem também de ser verdade que
3. Ninguém age livremente.
Por razões meramente lógicas, é impossível que as premissas 1 e 2 sejam ambas verdadeiras e a conclusão 3 seja falsa. É importante notar que o facto de que este argumento é válido não prova que a conclusão seja verdadeira. A validade é uma característica condicional ou hipotética; garante-nos que a conclusão do argumento é verdadeira se as premissas o forem.
Pode-se também dizer que o argumento é válido devido à sua forma. Podemos representar a forma do argumento anterior pelo esquema seguinte:
Se P, então Q
P
Logo Q
Chama-se aos argumentos com esta forma «Modus Ponens». Qualquer argumento com esta forma é válido, e portanto podemos dizer que a própria forma do argumento é válida. Reflecte acerca do argumento seguinte:
Se Deus existe, então não há mal.
Deus existe.
Logo Não há mal.
Este argumento, como o anterior, é válido porque tem a forma do Modus Ponens. Podemos obter estes argumentos a partir do Modus Ponens pela substituição das letras P e Q na forma do argumento pelas proposições portuguesas apropriadas. Se substituirmos a letra P pela proposição «Deus existe» e a letra Q pela proposição «Não há mal» na forma do argumento, obteremos o argumento válido citado agora mesmo. Quando a forma de um argumento é válida e fazemos este tipo de substituições obtemos um argumento válido.
Estas são outras formas válidas de argumentos: Esta lista de formas de argumentos não é completa nem definitiva. Contudo, examinando vários argumentos que têm estas formas, podemos obter uma ideia intuitiva de como é um argumento válido. Fazendo as substituições adequadas nas formas de argumentos anteriores pode-se mostrar que muitos argumentos são válidos. Nalguns casos, teremos de recorrer a mais do que a uma forma de argumento para mostrar que um argumento é válido. Por exemplo, pensa no argumento seguinte:
Se Deus não existe, então tudo é permitido.
Se o homicídio não é permitido, então nem tudo é permitido.
O homicídio não é permitido.
Logo Não se dá o caso que Deus não exista.
Para mostrar que este argumento é válido, repara primeiro que de
Se o homicídio não é permitido, então nem tudo é permitido.
O homicídio não é permitido.
Podemos concluir por Modus Ponens que
Nem tudo é permitido.
Podemos agora pegar nesta afirmação, que é a conclusão do argumento anterior, e usá-la como uma premissa noutro argumento. Da premissa
Se Deus não existe, então tudo é permitido.
e da nova premissa
Nem tudo é permitido.
podemos concluir por Modus Tollens que
Não se dá o caso que Deus não exista.
Isto mostra que a partir das premissas originais podemos validamente deduzir a conclusão do argumento original fazendo apelo às formas de argumentação antes apresentadas. Uma lição a tirar do argumento agora examinado é que qualquer coisa deduzida validamente de um conjunto de premissas, tal como a afirmação
Nem tudo é permitido.pode ser acrescentada às premissas originais com o objectivo de fazer mais deduções.
Cornman, Lehrer e Pappas
Retirado de http://www.criticanarede.com/

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