Parte IV
Ora voltemos um pouco atrás. Como se lembrará, a objecção que nos estava a ser colocada era a seguinte: a minha acção de ligar o interruptor e de alertar o ladrão são a mesma acção; como é que pode ser possível, então, que o meu desejo de ligar a luz e minha crença de que poderia fazê-lo simplesmente ligando o interruptor racionalizem a minha acção de ligar o interruptor, mas não a minha acção de alertar o ladrão?
Depois de tudo o que disse, a resposta deverá ser óbvia: ao falarmos de descrições de acções, estamos a entrar num contexto referencialmente opaco (ou intensional; é a mesma coisa). Tal como pode ser verdade que "Lois Lane não ama Clark Kent", muito embora ela ame o Super-Homem e "Clark Kent" e "Super-Homem" sejam co-extensivos, também pode ser verdade que "O meu desejo de ligar a luz e a minha crença de que poderia fazê-lo simplesmente ligando o interruptor não racionalizam a minha acção de alertar o ladrão", muito embora racionalizem a minha acção de ligar o interruptor, e a minha acção de ligar o interruptor e a minha acção de alertar o ladrão sejam a mesma acção.
Tal como, para se determinar o valor de verdade de "Lois Lane ama Clark Kent", não é suficiente saber a extensão de "Clark Kent", também no caso de "Tal desejo e tal crença racionalizam a minha acção de alertar o ladrão" não chega saber a extensão de "acção de alertar o ladrão". O desejo e a crença podem racionalizar a acção, se olharmos para ela de uma maneira, e não a racionalizar, se olharmos para ela de outra maneira. É nisto que consiste o carácter intensional das descrições de acções, que mencionei no título desta secção.
Alguém que tenha lido "Actions, reasons and causes", o artigo clássico de Davidson, poderá ter ficado com uma dúvida: porque é que Davidson diz que as descrições de acções são apenas semi-intensionais?
Boa pergunta. A resposta reside na definição de "contexto intensional". Já aqui mencionei uma das características dos contextos intensionais: os termos co-extensivos não são inter-substituíveis salva veritate. A outra característica dos contextos intensionais que me falta mencionar é que, neles, nada impede um termo de ser vazio, isto é, de não ter qualquer extensão.
Tome o exemplo da frase "As crianças acreditam no Pai Natal". O valor de verdade desta frase é completamente independente de haver ou não um Pai Natal. Este tipo de coisas não acontece num contexto extensional.
De acordo com Davidson, as descrições de acções não são intensionais neste sentido, porque, mesmo que seja falso que tal desejo e tal crença racionalizem uma dada, essa acção teve mesmo que acontecer. Neste sentido, as descrições de acções não são como o Pai Natal: podemos tentar racionalizá-las da maneira que quisermos, mas elas têm que existir.
A conclusão que podemos retirar daqui é a de que, de acordo com o modelo crença-desejo, para racionalizar uma acção não basta atribuir ao agente um desejo e uma crença relevante - de modo a acomodar o carácter intensional das descrições de acções, se quisermos racionalizar uma acção teremos também que a apresentar sob uma descrição que revele o seu carácter intencional. É melhor fazer aqui outra pausa antes de prosseguir, porque se não pode haver confusão outra vez. Já expliquei em que consiste o carácter intensional das descrições de acções: no facto de as acções poderem ser racionalizadas, se forem apresentadas sob uma dada descrição, e de poderem não ser racionalizadas, se forem apresentadas sob outra descrição. Tendo isto em mente, temos que procurar encontrar a descrição certa da acção. Essa descrição certa será uma descrição intencional. Porquê "intencional"? Porque deverá tornar claro porque é que o agente teria tido a intenção de a realizar.
Pedro Madeira
Retirado de http://www.intelectu.com/
Ora voltemos um pouco atrás. Como se lembrará, a objecção que nos estava a ser colocada era a seguinte: a minha acção de ligar o interruptor e de alertar o ladrão são a mesma acção; como é que pode ser possível, então, que o meu desejo de ligar a luz e minha crença de que poderia fazê-lo simplesmente ligando o interruptor racionalizem a minha acção de ligar o interruptor, mas não a minha acção de alertar o ladrão?
Depois de tudo o que disse, a resposta deverá ser óbvia: ao falarmos de descrições de acções, estamos a entrar num contexto referencialmente opaco (ou intensional; é a mesma coisa). Tal como pode ser verdade que "Lois Lane não ama Clark Kent", muito embora ela ame o Super-Homem e "Clark Kent" e "Super-Homem" sejam co-extensivos, também pode ser verdade que "O meu desejo de ligar a luz e a minha crença de que poderia fazê-lo simplesmente ligando o interruptor não racionalizam a minha acção de alertar o ladrão", muito embora racionalizem a minha acção de ligar o interruptor, e a minha acção de ligar o interruptor e a minha acção de alertar o ladrão sejam a mesma acção.
Tal como, para se determinar o valor de verdade de "Lois Lane ama Clark Kent", não é suficiente saber a extensão de "Clark Kent", também no caso de "Tal desejo e tal crença racionalizam a minha acção de alertar o ladrão" não chega saber a extensão de "acção de alertar o ladrão". O desejo e a crença podem racionalizar a acção, se olharmos para ela de uma maneira, e não a racionalizar, se olharmos para ela de outra maneira. É nisto que consiste o carácter intensional das descrições de acções, que mencionei no título desta secção.
Alguém que tenha lido "Actions, reasons and causes", o artigo clássico de Davidson, poderá ter ficado com uma dúvida: porque é que Davidson diz que as descrições de acções são apenas semi-intensionais?
Boa pergunta. A resposta reside na definição de "contexto intensional". Já aqui mencionei uma das características dos contextos intensionais: os termos co-extensivos não são inter-substituíveis salva veritate. A outra característica dos contextos intensionais que me falta mencionar é que, neles, nada impede um termo de ser vazio, isto é, de não ter qualquer extensão.
Tome o exemplo da frase "As crianças acreditam no Pai Natal". O valor de verdade desta frase é completamente independente de haver ou não um Pai Natal. Este tipo de coisas não acontece num contexto extensional.
De acordo com Davidson, as descrições de acções não são intensionais neste sentido, porque, mesmo que seja falso que tal desejo e tal crença racionalizem uma dada, essa acção teve mesmo que acontecer. Neste sentido, as descrições de acções não são como o Pai Natal: podemos tentar racionalizá-las da maneira que quisermos, mas elas têm que existir.
A conclusão que podemos retirar daqui é a de que, de acordo com o modelo crença-desejo, para racionalizar uma acção não basta atribuir ao agente um desejo e uma crença relevante - de modo a acomodar o carácter intensional das descrições de acções, se quisermos racionalizar uma acção teremos também que a apresentar sob uma descrição que revele o seu carácter intencional. É melhor fazer aqui outra pausa antes de prosseguir, porque se não pode haver confusão outra vez. Já expliquei em que consiste o carácter intensional das descrições de acções: no facto de as acções poderem ser racionalizadas, se forem apresentadas sob uma dada descrição, e de poderem não ser racionalizadas, se forem apresentadas sob outra descrição. Tendo isto em mente, temos que procurar encontrar a descrição certa da acção. Essa descrição certa será uma descrição intencional. Porquê "intencional"? Porque deverá tornar claro porque é que o agente teria tido a intenção de a realizar.
Pedro Madeira
Retirado de http://www.intelectu.com/
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